Tragédia de Mariana (MG): “Nada tem sido feito”, dizem atingidos

A avaliação sobre as reparações feitas depois do rompimento da barragem de Fundão, na cidade de Mariana em novembro de 2015, é unânime: “nada tem sido feito”, resumiu Geovani Krenak, integrante da Aldeia Indígena Krenak. Movimentos e atingidos apresentaram a sua visão sobre o decorrer do ano durante coletiva de imprensa realizada na quarta (26), em Belo Horizonte.

Tragédia em Mariana - Ísis Medeiros
Para o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) a análise dos fatos pode considerar o rompimento, de fato, um crime. Segundo Letícia Oliveira, da coordenação nacional do MAB, diversos órgãos comprovaram que a mineradora sabia dos riscos da barragem e que, mesmo assim, houve intensificação da extração de minério sem medidas de segurança proporcionais e o recebimento de rejeitos da Vale, porém, sem o licenciamento.
 
O deputado estadual Rogério Correa (PT), relator da Comissão Extraordinária das Barragens da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), também afirma a tragédia foi ato criminoso. “As empresas Samarco, Vale e BHP tinham todas as condições de avaliar que o rompimento era um risco iminente. Sabiam que a pressão na parede da barragem seria muito maior do que ela podia aguentar”, sentenciou o deputado.
 
Na manhã de quarta (26), a comissão de Justiça da ALMG aprovou dois Projetos de Lei – 3.676 e 3.677 – que podem “alterar profundamente a relação entre governo e mineradoras”, de acordo com Rogério.  Os PLs preveem, principalmente, a proibição de barragens a menos de 10 km de comunidades ou mananciais de água que sirvam de abastecimento e proíbem também o método de alteamento a montante (quando a barragem é aumentada para comportar mais rejeitos) para estocagem de resíduos de mineração.
 
Nada será como antes
 
“É triste você olhar para trás e ver que nada foi feito”, analisa Aline Ribeiro, atingida e esposa de uma das vítimas fatais do crime, Samuel Ribeiro. Ela denuncia a falta de resultados jurídicos em relação às empresas responsáveis pela barragem. “Se a Priscila tivesse feito um aborto por vontade própria ela estaria presa. Mas a Samarco provocou o aborto dela e ninguém está preso”, indigna-se, lembrando da moradora de Bento Rodrigues que teve um aborto forçado em meio à lama.
 
O mesmo sente Geovani Krenak, que mora em uma aldeia cortada pelo Rio Doce. “Cada ação que eles fazem são duas ou três ações contrárias. A Samarco está levando água à aldeia, mas criou o problema da poeira por causa dos caminhões e muito lixo das garrafas de água, coisas que não tinham lá”, diz. Segundo Geovani os erros acontecem pela inexistência do diálogo com os atingidos.
 
Problemas de saúde
 
A Rede de Médicos e Médicas Populares apresentou também um relatório do acompanhamento de atingidos em toda a bacia do Rio Doce. Segundo a médica Clarissa Lage, o cenário encontrado pelos profissionais foi “completamente chocante” quanto às condições de higiene e de sobrevivência. Em consequência, as doenças mais recorrentes neste um ano foram as de pele, as respiratórias, queda de cabelo e problemas de saúde mental.
 
O relatório não descarta o aparecimento de doenças a médio e longo prazo, por intoxicação acumulada. Isso poderia decorrer do consumo de água, alimentos e peixes com alto teor de manganês, arsênio e chumbo, segundo levantamento do Grupo Independente de Avaliação do Impacto Ambiental (GIAIA).
 
Um ano: de Regência a Mariana
 
A coletiva de imprensa serviu também como convocação para ato que o MAB realiza, entre os dias 30 de outubro e 5 de novembro, marcando o um ano do rompimento da barragem de Fundão. Atingidos e apoiadores sairão da cidade de Regência (ES) e chegarão em Mariana (MG) no dia 2 de novembro, onde realizam um encontro até o dia 5.
 
A marcha passará por 9 cidades da Bacia do Rio Doce, fazendo um debate sobre as diversas formas como a lama afetou esses locais. Participam da ação as famílias e as aldeias indígenas atingidas, setores da Igreja Católica, movimento de trabalhadores e de estudantes.