Pedro Rossi: PEC 241 institucionaliza desigualdades por 20 anos

Nesta terça-feira (26), 359 deputados federais saíram de suas residências com um objetivo: rasgar direitos sociais, garantidos na Constituição de 1988, abrindo caminhos para um retrocesso sem precedentes no Brasil – leia-se, a consolidação do Estado mínimo.

Por Tatiana Carlotti

Pedro Rossi

Foram maioria. Também conhecida como PEC do Fim do Mundo, a PEC 241 foi aprovada na Câmara dos Deputados e agora segue para o Senado. Para que você tenha a dimensão do que está em jogo, Carta Maior conversou com o economista Pedro Rossi, professor da Unicamp.

Ele esteve à frente, junto a outros economistas, da elaboração de um forte documento que mostra a falácia dos argumentos da política fiscal e da austeridade, imposta, sem discussão alguma, pelo governo ilegítimo e antinacional de Michel Temer.

Nesta entrevista, Rossi mostra por que “a austeridade não funciona” e como a PEC 241, longe de ser uma salvação, impedirá o crescimento da economia. Ele também traz uma análise de fundo sobre o desmonte do Estado social.

Há algum sinal concreto de melhora econômica?

Pedro Rossi: Há um carnaval em relação às expectativas, mas elas estão descoladas da intenção dos empresários em termos de investimentos. Eles afirmam que estão mais otimistas, mas dizem não ter intenção de investir neste momento. Os dados dos últimos meses são muito ruins.

Nós tivemos um choque forte na economia em 2015, em decorrência de uma política fiscal e juros contracionistas, além de um péssimo cenário interno e externo. 2015 foi o ano do ajuste. Agora, nós estamos no fundo do poço, andando de lado.

Um mês as estatísticas melhoram, no outro elas pioram. Os dados de setembro mostram desaceleração da economia, todos eles: comércio, produção, indicadores que tentam antecipar o crescimento. Não há retomada à vista. Mas frente uma queda tão grande, até pode ocorrer uma melhora.

O fato é que essa melhora não implica recuperação, porque uma coisa é cair e crescer um pouco; outra é retomar o crescimento. Essa retomada não vai ocorrer e apesar do discurso do governo, a crise vai continuar. Há dados estatísticos de que parou de cair. Mas isso não se traduziu em emprego – uma variável chave – ou em crescimento da renda.

Vocês lançaram um documento apresentando alternativas à política fiscal…

Pedro Rossi: Nós escrevemos um documento chamado “Austeridade e Retrocesso”. Um esforço coletivo, reunindo dezenas de economistas, que mostra a existência de um discurso fiscal e de austeridade, cujo projeto de país é muito diferente do projeto de Brasil garantido pela Constituição de 1988.

Nós desmontamos os argumentos desse discurso fiscal e de austeridade, mostrando que ele é ideológico e como a PEC 241 vende gato por lebre. No discurso, ela promete uma estabilidade fiscal, um crescimento econômico maior. Na prática, opera o desmonte do Estado social que foi – e continua sendo – o objetivo do golpe desde o seu início.

Como a PEC realiza esse desmonte?

Pedro Rossi: Com uma mudança radical no programa econômico e com reformas estruturais para viabilizar essas mudanças. Está evidente que essa era a intenção do golpe. A PEC é um instrumento, de longo prazo – vinte anos -, que atravessa mandatos presidenciais, impondo um projeto de Estado mínimo.

Nele, uma saúde e uma educação universais, uma rede de segurança social, uma previdência pública tal como conhecemos não são possíveis. Até porque primeiro você impõe a redução fiscal e depois vai discutir o que cabe nela. Eles inverteram a discussão democrática.

O ideal seria discutir qual sociedade nós queremos e, a partir disso, analisar como viabilizar essa sociedade pelos instrumentos fiscais, pelo gasto e pela arrecadação. Ao contrário disso, eles criam uma PEC que institui um limite e nesse limite só cabe o Estado mínimo.

O discurso é que a PEC vai melhorar o crescimento.

Pedro Rossi: A PEC vai puxar para baixo o crescimento econômico porque ela limita a capacidade do Estado de estimular a economia. Ele é um agente importante nesse processo: quando gasta, o Estado estimula a demanda. Aliás, nos momentos de crise, é preciso que ele gaste.

Quando enfrenta dificuldades, a dona de casa retrai o gasto. Os Estados nacionais não são como a dona de casa. Eles têm de fazer, justamente o contrário: na crise, quando o setor privado não gasta, é o Estado que precisa gastar para estimular a economia. Fazendo gasto social para proteger a população que é a mais necessitada em momentos de crise, quando há um conjunto de desempregados e os problemas sociais se aguçam. A PEC 241, praticamente, impede que o Estado faça isso.

Se nós tivermos uma crise como a de 2008, 2009, essa PEC não deixará o Estado de atuar. O que ela faz é instituir um estado de austeridade permanente – de vinte anos – impedindo o Estado de ampliar seus gastos. Ou seja, ele vai contribuir zero para o crescimento, porque só vai repor a inflação do ano anterior. Não vai aumentar o gasto. Do ponto de vista macroeconômico, a PEC não gera crescimento.

Como se daria o crescimento?

Pedro Rossi: O crescimento econômico depende dos gastos: gastos das famílias, gastos das empresas em investimentos, gastos do resto mundo ao importar nossos produtos, e gastos do governo. Em meio à crise, hoje, as famílias contraem os gastos, as empresas seguram os investimentos. Então, é o momento do Estado entrar e gastar para estimular a economia.

Aliás, é na hora de crise que o Estado deve entrar e gastar. Quando o país está crescendo, ele pode retrair, porque os demais agentes funcionam como estimuladores do crescimento. A PEC 241 ignora isso completamente, porque é ideológica. Há uma crença, uma fé, de que a contração do gasto público vai estimular a economia. Isso é um equívoco.

Essa PEC é um atraso no discurso econômico. O discurso fiscal que o governo está fazendo é absolutamente atrasado, não tem credibilidade nenhuma, em lugar nenhum do mundo. É um discurso infantilizado sobre a economia. Isso já foi amplamente discutido no circuito internacional.

Depois da crise de 2008, a discussão fiscal evoluiu muito na academia, nas instituições internacionais, FMI, Banco Mundial etc. Chegou-se a um amplo consenso de que, de fato, o gasto público é importante em tempos de crise. Principalmente o gasto público dirigido para setores que estimulam a economia.

E a confiança do mercado?

Pedro Rossi: Paul Krugman, prêmio Nobel, afirma que a crença na “fada da confiança” é um perigo para a economia. Essa ideia de que “quando você cortar gastos, a fada da confiança vai atuar e a economia vai melhorar”. A fadinha da confiança, assim como o Papai Noel, não existe.

Mas é justamente nela que o governo está se apoiando, em uma concepção ideológica que diz: “a PEC 241 vai aumentar o crescimento, o emprego e beneficiar as pessoas”. Isso é suposição, ideologia, crença. Na realidade, o que o atual governo está propondo prejudica as pessoas porque retrai os gastos sociais.

A austeridade pode funcionar em casos muito específicos, em países muito pequenos voltados para a exportação. No geral, a austeridade não funciona. Sua história é uma história de crises. Basta ver o exemplo da Grécia que iniciou uma austeridade muito drástica, imposta de fora para dentro. Eles não queriam a austeridade e com razão: o programa de corte de gastos piorou a economia grega.

No caso brasileiro, nós estamos nos impondo uma austeridade. Quando você corta os gastos, o crescimento cai, a arrecadação cai e o déficit aumenta. Como não adianta, eles vão dizer que é preciso cortar ainda mais. Isso reforça o ciclo vicioso. Na realidade, a austeridade só serve a um propósito: desconstruir o Estado.

Eles dizem que educação e saúde continuarão aumentando.

Pedro Rossi: Nós fizemos uma simulação no documento, com gráficos, mostrando que o gasto do governo federal passará dos atuais 20% do PIB para 13% do PIB daqui a vinte anos. Eles precisam dizer o que pretendem cortar para que seja possível esse aumento em saúde e educação.

Pela PEC, matematicamente, é impossível um aumento nesses setores, sem mexer em direitos adquiridos ou sem desconstruir o Estado tal como ele hoje está. Você vai privatizar o Exército para aumentar gastos com educação? Tirar direitos da Previdência? O que eles querem, na verdade, é que a população busque saúde e educação no setor privado.

O discurso correto seria: “nós estamos propondo outro arranjo de Estado”. Um arranjo que deveria ser discutido com a sociedade de forma democrática. Se ela decidir que quer buscar serviços essenciais no mercado privado, ao invés de financiá-los via setor público, que seja implementado. Mas isso tem de passar por pleito eleitoral e não a toque de caixa como eles estão fazendo.

Eles evitam qualquer tipo de debate. Inexiste uma discussão democrática. Quando nós estivemos em Brasília para apresentar o documento no Congresso, havia duas audiências, uma na Câmara e outra no Senado. Em nenhuma delas o governo quis participar. Eles estão fugindo do debate porque querem esconder que a PEC 241 é um desmonte do Estado social. Esse é o verdadeiro propósito dela.

Quem está ganhando com isso?

Pedro Rossi: Quem não quer pagar imposto para garantir os serviços sociais por motivos mesquinhos e ideológicos. O grande capital quer se apropriar das áreas onde o Estado hoje atua, principalmente, saúde e educação. Esses setores vão se beneficiar de todo um aparato que se encontra hoje nas mãos do Estado.

O capital financeiro está diluído nas esferas econômicas privadas, está na educação, na saúde e se beneficia junto aos grandes grupos. Além disso, ele é conduzido pela ideologia de redução do Estado, que torna prioridade o pagamento de juros e da liberalização da economia.

Quem ganha são esses setores. Quem perde é a imensa maioria da população que faz uso dos serviços públicos, principalmente, os mais pobres. Eles e todos os que acreditam em uma sociedade menos desigual perdem com a PEC 241. Ela institucionaliza durante vinte anos as desigualdades no Brasil.

Clique aqui e confira o documento Austeridade e Retrocesso.