Penélope Toledo: Aha, uhu, o Maraca é nosso!

Na primeira vez em que eu fui ao Maracanã, tinha uns 15 anos, fiquei bestificada com o seu tamanho! Àquela altura eu já conhecia muitos estádios no Brasil, mas é impossível não se arrepiar com a aura sagrada do templo do futebol. Agora, que se anuncia a volta do Maraca, me lembrei desta primeira impressão.

Por Penélope Toledo*

maracanã - Reprodução

A CBF confirmou que o estádio sediará a partida entre Flamengo e Corinthians, no dia 23. Reunir as duas maiores torcidas do Brasil é um retorno justo para a grandeza da arena cujo último jogo foi o inédito ouro olímpico do futebol masculino.

Palco de partidas históricas

Aliás, o que não lhe faltam são momentos épicos, a começar pela trágica final da Copa do Mundo de 1950, o “Maracanazo”, quando a seleção uruguaia calou os 199.854 brasileiros que se espremiam na arquibancada do recém-inaugurado estádio. Foi o recorde de público da arena que por muitos anos ostentou o título de “maior do mundo”.

O Maracanã também testemunhou o silêncio da massa flamenguista, que assistiu incrédula ao Santo André, clube da série B do Campeonato Brasileiro, faturar a Copa do Brasil em pleno Rio de Janeiro, em 2004.

E dos quase 80 mil tricolores, em 2008, quando viram Thiago Neves fazer o que ninguém fez: marcar três gols em uma final de Libertadores. Mas, na sequência, terem o sonho do Fluminense de conquistar a sua primeira Libertadores morrer nas mãos do goleiro Cevallos, da pequena LDU, do Equador, talvez por obra do “Sobrenatural de Almeida”, de Nelson Rodrigues.

Foi nele que o rei Pelé marcou o seu milésimo gol, em 1969, contra o Vasco, e deu volta olímpica sob aplausos. E que, também contra o Vasco, o Corinthians foi campeão do primeiro Mundial de Clubes da Fifa, em 2000. E que, o mesmo Corinthians, coloriu de preto e branco em 1976, com a “invasão” de 70 mil corintianos que se deslocaram de São Paulo na esperança do fim do “jejum”.

Com a alma brasileira, foi palco de importantes conquistas da Seleção Canarinha, como o tetracampeonato masculino da Copa das Confederações, em 2013; a segunda medalha de ouro em Jogos Pan-Americanos do futebol feminino, em 2007, após goleada de 5 a 0 e show de Marta; e o já mencionado inédito ouro olímpico masculino, em 2016.

História

A construção do Maracanã, em 1948, foi alvo de contestação política. O deputado federal Carlos Lacerda, opositor de Marechal Ângelo Mendes de Moraes, então prefeito do Rio (que era Distrito Federal), criticava o valor investido e a localização, pois preferia Jacarepaguá.

Sua inauguração, em 1950, reflete bem o espírito do estádio: 1) uma pelada entre os engenheiros e os operários que trabalharam em sua construção, 2) na partida oficial, a seleção Paulista, visitante, derrotou a Carioca e 3) o primeiro gol da história do estádio, porém, foi marcado por um carioca, Didi, do Fluminense.

A arena recebeu o nome de um de seus principais incentivadores: o jornalista Mário Filho, irmão de Nelson Rodrigues. E foi popularmente rebatizado de Maracanã ou Maraca, que significa, em tupi-guarani, “semelhante ao maracá” (tipo de chocalho), como referência ao som emitido pelos pássaros que viviam ali.

Obras e polêmicas

Caracterizado por seu tamanho e pelos lendários personagens que povoavam a sua Geral, o Maracanã passou por obras que o descaracterizaram. Na primeira, em 1999, a capacidade de público foi reduzida quase pela metade: passou para 103.022 torcedores.

Depois, em 2005, veio o fim da Geral, o espaço mais democrático do futebol brasileiro. Seus 30 mil lugares foram substituídos por 18 mil cadeiras numeradas. Recentemente, ficou fechado por 32 meses para a obra de R$ 1,19 bilhão, que, dentre outros, aumentou a área de camarotes e reduziu para 78 mil lugares.

Além disto, enfrenta problemas com o seu consórcio administrativo, – formado pela Construtora Odebrecht, que detém 95% dos ativos, e pela estadunidense AEG – que quer devolver o estádio ao Governo estadual. O motivo é o prejuízo de R$ 170 milhões em três anos. Muitos políticos falam em privatização.

Maraca é nosso!

O povão foi expulso do Maracanã: não tem mais a geral, raramente se vende ingressos a preços populares. A capacidade de público, que já foi de 200 mil torcedores, foi reduzida a praticamente um terço. A estrutura mais se assemelha a uma casa de shows, que pouco lembra o estádio contagiante de outrora.

Ainda assim, ele continua sendo o Maraca do povo carioca, o Maraca do povo brasileiro. A festa democrática da Geral ainda ecoa e seus momentos épicos resistem na memória de quem viveu o Maracanã em seus tempos áureos de templo do futebol brasileiro. Nada apagará a sua História.

E tenho fé de que um dia o povo vai reconquistar o que é seu. Vai tomar de volta o Maraca e o Brasil, que também lhe foi arrancado pelos golpistas que hoje estão no comando do país. Se soubesse a força que tem, retomaria neste instante. Mas há de retomar e restabelecer a sua festa. Ao povo, o que é do povo!