Alexandre Weffort: A Uber e a desumanidade do capitalismo

O título deste texto pode parecer, à partida, exagerado. Afinal, a Uber pretende ser um serviço de facilitação entre clientes e transportadores. Implantado à escala global, a Uber é o mais recente exemplo de como se transformam as relações sociais por meio das tecnologias de comunicação em rede.

Por Alexandre Weffort*

A Uber e a Desumanidade do Capitalismo - Reprodução

A Uber é isso: um serviço que visa mediar a comunicação entre o cliente e um transportador. Posto dessa forma, é aparentemente inócuo. Mas, visto numa perspetiva mais abrangente, do modo como a sociedade regula o transporte de passageiros, a realidade revela-se mais complexa.

Claro que a análise mais profícua será aquela que procura o fenômeno na sua dimensão social e não na mera tipificação dos atores: motoristas Uber, por um lado e, por outro, os taxistas. Enquanto seres individualmente considerados, enquanto cidadãos, merecem a mesma consideração. Procuram exercer uma atividade geradora de sustento pessoal e de suas famílias.

O sistema de transporte de passageiros organiza-se, no que respeita ao Taxi, numa oferta regulada em cada município ou cidade, onde os taxistas são titulares de uma licença, têm obrigações específicas a cumprir em relação ao passageiro e à comunidade (segurança, isenção, respeito, impostos, etc.). O taxista pode ser o proprietário do seu veículo ou ser empregado de alguém (trabalhando numa frota de taxis) ou, ainda, ser membro de uma cooperativa de taxistas.

A sua circunstância de classe define-se pela posse ou não do meio de produção. O taxista é um trabalhador, empregado de alguém, ou é um empresário (mesmo se guiando o seu próprio veículo).

O caso da Uber coloca o motorista numa nova categoria: do “quase-empresário”. Já não é um trabalhador por conta de outrem, nem é titular de uma licença que o referencie na categoria do empresário. É um cidadão que realiza um serviço de transporte informal, com o seu veículo pessoal. A novidade está no modo como angaria o cliente: através de um aplicativo informático.

O surgimento da Uber acompanha o modo de adaptação das sociedades às formas de comunicação em rede. A evolução tecnológica ocorre no sentido de uma transformação do modo como se estruturam serviços e empresas. E, também, no modo como se implanta a globalização da exploração capitalista. Numa primeira análise, o cidadão vê na Uber uma hipótese de obter rendimento com o uso do seu veículo.

Financeiramente, resolve o problema imediato. Mas, sendo o motorista o proprietário do veículo, a Uber ganha sem nada arriscar. É, nesse ponto de vista, um grande negócio. Pelo caminho, destroem-se as formas tradicionais de realizar aquele serviço social e reforça-se a dependência em relação às tecnologias sob controle multinacional.

O fim da função social do taxista será consequência direta da competição, da mesma forma que a IKEA trouxe o fim da pequena indústria do mobiliário e os Centros Comerciais mataram o pequeno comércio, desumanizando as cidades.

A Uber é uma empresa multinacional norte-americana criada em 2009 em São Francisco. Outra grande empresa, também norte-americana, a Google, intervém também nessa área do transporte privado de passageiros. Inicialmente parceiras, promovem projetos concorrenciais (1).

Sendo o transporte de passageiros um recurso importante à vida social, equivale a perder, também nesse campo, da soberania nacional, colocando nas mãos de uma multinacional norte-americana o controle do modo como se circula nas cidades do Brasil (e dos outros 60 países em que a empresa está instalada).

O Capitalismo molda as formas de relacionamento humano, desumanizando a sociedade. E esse sentido, de desumanização, é visível na Uber e sua relação com outras empresas multinacionais.

A Google tem desenvolvido a tecnologia no sentido do veículo de transporte sem motorista. Assim, a Uber arrasa os modos tradicionais de transporte de passageiros (vulgo, TAXI) e, depois, a Google avança com um sistema que dispensa até o motorista particular engajado na Uber. O ser humano cede o seu papel completamente à máquina.

É altura de, tanto cidadãos em geral, como taxistas e motoristas engajados na Uber, compreenderem que a natureza do sistema capitalista é essa, a da exploração de todos os recursos do trabalho – sugando até o veículo particular – em busca do lucro.

Embora a tensão se manifeste entre os atores do momento – taxistas e “uberistas” – eles não são mais que “peões do jogo”, descartáveis assim que o veículo automático Google entrar em cena (e será numa linha ecológica, de carro elétrico, não poluente, etc.).

O “uberista” é um empreendedor (e um desempregado, dono de um carro). A promoção do conceito de “empreendedorismo” como atitude “de sucesso”, contraposta ao de “trabalhador”, não é mais do que uma manifestação, no plano ideológico, do mesmo processo de transformação.

A estratégia de sobrevivência do Capitalismo, tanto à escala individual como à escala global, encontraram nas tecnologias de comunicação um instrumento poderoso. As dialéticas do desenvolvimento tecnológico e do progresso social continuam assim presas às contradições básicas que regulam a vida econômica à escala global, à lógica desumana do Capitalismo.

(1) http://www.wsj.com/articles/google-takes-on-uber-with-new-ride-share-service-1472584235

*Alexandre Weffort, residente em Portugal, é professor, mestre em Ciência das Religiões e doutorando em Comunicação e Cultura

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