A hipocrisia, o cinismo, a irresponsabilidade e a conta

Só não vê quem não quer, quem está manipulado, quem se deixa levar para ver como é que fica e quem nada pode fazer. Esse o triste quadro político e social brasileiro após as armações do impeachment da Presidenta, sua substituição pelo plantonista, tudo isso administrado juridicamente pelas instituições da área.

Por José Carlos Peliano*, na Carta Maior

Michel Temer - Foto: Givaldo Barbosa

A hipocrisia criou asas largas e espanou a realidade brasileira com mentiras, meias verdades e ilusionismo. O ponto central foi a derrubada da chefe eleita da nação por conta do falso e absurdo argumento das pedaladas fiscais. As áreas técnicas provaram o engodo, mas as políticas, como o Congresso Nacional, passarram recibo.

O cinismo ficou por conta dos argumentos improváveis do conjunto da obra, retirando ao final a fragilidade das pedaladas fiscais. Tentaram, no entanto, tapar o sol com a peneira para justificar o injustificável, o golpe.

A irresponsabilidade foi a de tratar os eleitores como massa de manobra e afrontar a incipiente e tímida democracia brasileira como lixo. No fundo a razão era a retirada do PT do governo e sua execração pública pelas barras da justiça.

Mas a retirada de cena do PT e de seus representantes não se esgota em si mesma, ela vem sustentada pela sanha sem limites dos agentes do capitalismo. A volta do parafuso na economia brasileira. Em nome de arrumar as contas públicas volta-se à austeridade fiscal.

Esta a conta a ser paga pelo povo brasileiro, até mesmo pelos coxinhas e demais verde-amarelos de araque, repetição grotesca e farsesca das marchas da família com Deus pela liberdade dos anos sessenta.

A sanha capitalista que chegou ao país nas mãos do plantonista e sua equipe, coadjuvada pela maioria do Congresso Nacional, começou anos atrás com a saída de Lula e a entrada de Dilma. Lá já se postavam raivosamente contra o jeito petista de governar áreas do empresariado nacional, interesses estrangeiros e políticos da oposição.

Vazamentos recentes do wikileaks nos revelam que há cerca de oito anos passados, exatamente na chegada ao poder de Dilma, a Chevron se mostrava interessada pelo pré-sal e recebia o apoio informal de políticos brasileiros. Para isso, a Petrobras teria que abrir mão de dessa fonte de petróleo. E foi isso o que começou a acontecer dias atrás em votação na Câmara dos Deputados.

A pressão estrangeira sobre a aquisição desenfreada de terras e ativos públicos brasileiros igualmente se manifestou em vários momentos e situações. O esquartejamento da Petrobras é a resposta dada pelo governo de plantão para satisfazer a sanha do capital externo.

Não é coincidência todo esse movimento sobre o patrimônio e a economia nacional. A crise econômica tem mais ou menos essa mesma idade. Desde 2008 que as nações se vêm às voltas com economias fracas, desemprego, contas públicas combalidas, rendas corroídas e falta de perspectiva. O remédio dado a todas elas foi a austeridade que até agora não funcionou. Mas os plantonistas brasileiros adotam o mesmo remédio inoperante com a ajuda e a volta do FMI. É o FIM.

Enquanto o velho capitalismo não consegue se reerguer e recuperar a confiança de todos, desde os que mandam e os que são mandados, a saída para grupos ansiosos de capitalistas é se arvorar em abrir espaços novos em economias fragilizadas. É o que acontece agora por aqui.

O desmanche da Petrobras representa não apenas a venda de ativos para grupos estrangeiros. Representa muito mais. Leva junto talvez a principal mola propulsora da capacidade produtiva nacional. Era através dos negócios da empresa que a estrutura industrial brasileira tinha e ganhava oportunidades de expansão. Boa parte de nosso PIB vinha daí.

A campanha da Lava Jato remexeu nas relações econômicas da estatal com as empresas privadas, desarticulando umas, destruindo outras, o que acabou ajudando e facilitando os discursos políticos falsos e cínicos sobre o fracasso da empresa, bem como a necessidade de renovação dos negócios do petróleo.

Entra então a Chevron em ação para se candidatar ao pré-sal como já se manifestara antes. Mata assim dois coelhos com uma só cajadada: expande seus negócios de petróleo e consegue se manter como uma das grandes e fortes empresas da área. Ao tempo em que ajuda a recuperação da pouco inspirada economia americana.

Como a taxa de lucro da economia americana vem caindo desde 1948, e mais ainda na última década, ver (/the-us-rate-of-profit-1948-2015/), essa abertura de espaço de exploração econômica dada pelo desmantelamento da Petrobras e a abertura do pré-sal junta a fome americana com sua vontade de comer. O silêncio do governo americano durante o impeachment reforçou e deu bastante gás contra a Petrobras.

Como é que fecha a conta dessa desarrumação econômica nacional? Que nos faz passar a ser um entreposto continental de compra e venda ao invés de uma economia forte e robusta como um futuro grande player mundial? A conta final fecha ao se fecharem as contas sociais. Troca-se a redução da desigualdade conquistada nos governos petistas pela austeridade a toque de caixa trazida pelo governo de plantão.

Significa trocar a riqueza estratégica nacional do petróleo que poderia continuar a ser explorada e bem pela Petrobras por sua venda para empresas estrangeiras, com certeza americanas, as quais passarão a ganhar e lucrar o que seria da Petrobras. Tudo aquilo que seria da empresa que desenvolveu e conquistou a melhor tecnologia de exploração de petróleo e gás em águas profundas e uma das mais lucrativas do mundo.

E isso vai durar por muitos anos ainda porque o pré-sal é considerado até agora como a mais nova e única fronteira de exploração de petróleo no mundo. Não existem mais áreas e poços prováveis de obtenção do ouro negro.

A conta social se completa com dois movimentos. O primeiro, o congelamento do orçamento social, já bastante reduzido pelos plantonistas federais, por 20 anos. Assim, além de cortarem partes de várias rubricas como bolsa família, educação, saúde, reforma agrária, moradia, cultura, índios e mulheres, em torno de 30% no seu conjunto do total, defesa nacional, agropecuária, aviação civil e comércio exterior, por exemplo, tiveram aumentos.

O segundo movimento é a proposta de elevação da idade para aposentadoria para homens e mulheres. Mais trabalho e menos descanso merecido na velhice. Não importa que o plantonista e tantos outros do comando tenham se aposentado cedo, o que importa é que o povo trabalhe.

Toda essa gama de arrocho social tem tudo para ser usada na campanha presidencial do ano que vem. Bem usada pela esquerda em uníssono, sem divisões eleitoreiras desnecessárias, pode vir a trazer de volta a esperança, sem medo de ser feliz!