Leonardo Isaac Yarochewsky: Velório da Velha Senhora

Os autoritários e punitivistas que acreditam que o direito penal é uma panaceia para todos os males estão comemorando a morte da Presunção de Inocência. No dia 17 de fevereiro último – quando do julgamento pelo STF do habeas corpus 126.292 – escrevi que por volta das 19 horas daquele dia dava entrada em estado gravíssimo na UTI do nosocômio de Brasília uma “Velha Senhora” conhecida como “Presunção de Inocência”.

Por Leonardo Isaac Yarochewsky*

Justiça - Foto: x1klima

A “Velha Senhora” havia sido atacada com sete duros golpes e até a data de hoje 5 de outubro de 2016 – ironicamente no dia do 28 aniversário da Constituição da República – a Velha Senhora que vinha respirando com com a ajuda de aparelhos faleceu as 20:35 horas.

Inimigos da “Velha Senhora” costumavam acusá-la de ser aliada da “Impunidade”. Evidente que tal afirmação é absurda e não corresponde à verdade. A “Velha Senhora” sempre foi aliada dos “Direitos Humanos” e dos “Direitos Fundamentais”. Irmã da “Dignidade Humana”, a “Presunção de Inocência” só sobrevive em Estados democráticos e de direitos. Os Estados autoritários e fascistas são carecedores do oxigênio chamado “Liberdade” do qual a “Velha Senhora” necessitava para respirar e continuar vivendo.

Consagrada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, muitos entendiam que a “Velha Senhora” já tinha vivido demais e que realmente sua hora havia chegado.

Segundo Lugi Ferrajoli, o princípio da presunção de inocência é correlato do princípio da jurisdicionalidade (jurisdição necessária). Para Ferrajoli, “se é atividade necessária para obter a prova de que um sujeito cometeu um crime, desde que tal prova não tenha sido encontrada mediante um juízo regular, nenhum delito pode ser considerado cometido e nenhum sujeito pode ser reputado culpado nem submetido a pena”.

Mais adiante, o respeitável jurista italiano assevera que o princípio da presunção de inocência é um princípio fundamental de civilidade, “fruto de uma opção garantista a favor da tutela da imunidade dos inocentes, ainda que ao custo da impunidade de algum culpado”. Na Itália, informa ainda Ferrajoli, com o advento do fascismo, a presunção de inocência entrou em profunda crise. Os freios contra os abusos da prisão preventiva deixaram de existir em nome da “segurança processual” e da “defesa social”, sendo considerada a mesma indispensável sempre que o crime tenha suscitado “clamor público”.

[Na última quarta-feira] (5), após a tentativa desesperada de uma senhora e quatro senhores de salvá-la, a Velha Senhora foi dada como morta e foi enterrada, como nos enterros judaicos, sem flores.

Coube a presidenta – prefiro assim – do STF jogar a última pá de cal. Poderia, se quisesse, dar uma sobrevida a Velha Senhora declarando que no caso do empate até aquele momento (5 X 5) deveria prevalecer como princípio, o resultado mais favorável a defesa. No caso a vida da Velha Senhora.

Os autoritários, punitivistas, fascistas e os que acreditam que o direito penal é uma panaceia para todos os males e que apesar dos quase 700 mil presos, 250 mil provisórios, o Brasil é o país da impunidade, estão comemorando a morte da Velha Senhora.

Já aqueles que entendem que a verdadeira função do direito penal e do processo penal na perspectiva garantista do Estado de direito é conter e represar o avanço do Estado policial e assegurar os direitos e garantias individuais, estes choram e estão enlutados pela morte da Velha Senhora.