Snowden, de Oliver Stone, já nasce sob o signo da exceção

O filme Snowden, de Oliver Stone, já nasceu sob o signo da exceção: produzido com verbas da Alemanha e da França – e não de Hollywood –, estrou no 41º Festival Internacional de Cinema de Toronto (TIFF), Canadá, e não nos Estados Unidos.

snowden - filme - Divulgação

O que isso diz sobre a película? Não será uma confirmação de sua mensagem central, que tanto a revelação das informações pelo whistleblower Edward Snowden quanto a subsequente perseguição pelas autoridades representou uma perda dramática para a democracia?

Sim e não. Uma pré-estreia da obra de Stone, para público restrito, já transcorrera em julho, em San Diego, na convenção de quadrinhos e diversão Comic-Con – portanto na pátria do diretor e de seu protagonista. E Toronto, onde foi exibida em 9 de setembro, é considerado o mais importante festival cinematográfico do subcontinente norte-americano.

Sem pompa nem circunstância

O filme lançou oficialmente nos cinemas americanos no dia 16. Ou seja: o grande público norte-americano teve, definitivamente, oportunidade de assistir ao provocador drama biográfico sobre o ex-colaborador da Agência de Segurança Nacional (NSA).

Por outro lado, grandes produções de cineastas do porte de Stone costumam ser apresentadas em Hollywood ou Nova York com muita pompa, acompanhadas de tapete vermelho, chuva de flashes e tudo o mais. Além disso, a estreia nacional foi adiada várias vezes, e os festivais em que a obraf foi mostrada em seguida – Helsinque, San Sebastián e Zurique – são todos na Europa. Ou seja: certos segmentos da opinião pública americana não parecem estar especialmente ansiosos a dar grande projeção a Snowden.

Mais significativo do que a escolha das datas e locais de estreia, porém, é o fato de Oliver Stone não ter conseguido realizar o filme em seu próprio país. "Todos os grandes estúdios recusaram o filme: Hollywood é covarde", declarou o diretor em entrevista recente a um jornal dominical alemão.

Falando ao semanário Die Zeit, ele ainda reforçou: "Um grande estúdio após o outro o rejeitou. Claro que a NSA não ordenou a ninguém para manter distância: foi autocensura."

Histórico de temas provocadores americanos

Oliver Stone não é "qualquer um". O diretor de cinema, que completou 70 anos neste 15 de setembro, é há décadas considerado um dos mais importantes e influentes de seu país.

Com obras como Salvador – O martírio de um povo (1986), sobre o envolvimento dos EUA na América Latina, Platoon (1986), sobre a Guerra do Vietnã, Wall Street (1987), uma visão crítica do comércio na bolsa de valores, ou JFK – A pergunta que não quer calar (1993), abordando as teorias da conspiração em torno do assassinato do presidente John Kennedy, ele tem como hábito se ocupar de temas sensíveis da política interna e externa dos EUA.

Na entrevista ao Die Zeit, Stone explicou que faz questão de se pronunciar como cidadão por não aceitar que lhe coloquem nenhum tipo de mordaça: "Eu admito que meus papéis de narrador cinematográfico americano e de cidadão americano se confundem."

Grande parte de suas produções teve êxito, embora sendo paralelamente alvo de críticas, sobretudo daqueles que se sentiram atacados. Portanto dá o que pensar o fato de um Oliver Stone não conseguir financiar um projeto com elenco estelare perspectivas de sucesso.

Financiamento e locações na Alemanha

Portanto, para seu projeto sobre o "inimigo número um da América", que desde 2013 vive no exílio na Rússia, Oliver Stone teve que obter dinheiro de fontes estrangeiras. Snowden foi financiado com capital francês e, principalmente, alemão.

O produtor Philip Schulz-Deyle, de Munique, foi acionado ao ficar claro que Stone não poderia filmar nos EUA. Ele reuniu grande parte dos 38 milhões de dólares para os custos de produção. "No início de 2014, Moritz Borman [produtor de Stone nos EUA] me perguntou se eu conseguiria imaginar Snowden sendo realizado na Alemanha, embora não houvesse praticamente nenhuma locação no país, e se eu estava disposto a entrar como parceiro de produção", relatou Schulz-Deyle à revista especializada Filmecho/Filmwoche.

Várias sequências foram rodadas na Alemanha. Nos Estúdios Bavaria, de Munique, construíram-se os interiores do Hotel Mira, de Hong Kong, onde o whistleblower encontrou guarida após deixar os Estados Unidos. Catacumbas do Parque Olympia e do histórico Postpalast, na capital bávara, foram convertidas em central da NSA.

"Esperamos que Obama perdoe Snowden"

O filme traça detalhadamente a trajetória pessoal de Snowden, interpretado por Joseph Gordon-Levitt. De rapaz ambicioso, altamente inteligente e talentoso, e disposto a servir o próprio país, ao longo da trama ele se torna colaborador dos serviços secretos americanos, primeiro questionador, mais tarde crítico.

Num dado momento, essa crítica culmina na ideia de fazer algo, de se defender. O jovem especialista em tecnologia de informação considera arriscado demais ir a público no próprio país com o saber de que dispõe e decide ir para o exterior.

Oliver Stone transformou essa história num empolgante thriller. E não se trata de uma história de alto suspense fictícia, à la Hollywood, pois Snowden segue no exílio em Moscou.

Se pudesse, o whistleblower retornaria o mais breve possível a seu país natal, afirma o cineasta. No momento, contudo, são praticamente nulas suas chances de ter um processo justo nos EUA.

Diversas organizações de direitos humanos organizam, no momento, uma campanha conjunta pelo perdão a Snowden. Também Stone apelou para que o ativista seja perdoado, na estreia mundial da película no TIFF, de Toronto: "Há opções. […] Nós esperamos que Obama tenha um lampejo de luz e veja o caminho!"

Assista ao trailer: