Paraplégicos recuperam sensibilidade em projeto de Nicolelis

O pontapé inicial de Juliano Pinto durante a abertura da Copa do Mundo de 2014 mostrou um pouco dos objetivos e sonhos do Andar de Novo. Com paraplegia completa de tronco inferior e membros inferiores, ele chutou a bola com a ajuda de um exoesqueleto. Agora, nesta quinta-feira (11), o projeto, liderado pelo brasileiro Miguel Nicolelis, divulgou seus avanços na prestigiada revista científica Nature. 

Projeto Andar Denovo

A pesquisa contou com a participação de mais de 100 cientistas de 25 países e apresentou relevantes progressos no estudo da paralisia. A grande novidade é que pela  primeira vez, pacientes diagnosticados com lesão medular completa apresentaram recuperação dos movimentos das pernas, sensibilidade tátil e funçōes viscerais.

"Nós tropeçamos nesta recuperação clinica, que é algo quase como um sonho, porque isso levou a abordagem sobre o tema a um outro nível", disse Nicolelis, considerado um dos maiores neurocientistas do Brasil, em entrevista ao The Guardian. A proposta inicial do projeto era proporcionar que pessoas com problemas de locomoção, através da interação entre cérebro e máquina, pudessem retomar alguns movimentos, mas as descobertas foram além disso.

O cientista, que é diretor do Centro de Neuroengenharia da Universidade Duke e coordenador científico do Projeto Andar de Novo, explica que “ao reinserir a representação dos membros inferiores e locomoção no córtex, os pacientes podem ter sido capazes de transmitir algumas informações do córtex, pela medula, através destes pouquíssimos nervos que podem ter sobrevivido ao trauma original. É quase como se nós tivéssemos os religado novamente”.

O estudo inovador cria a expectativa que pacientes paraplégicos possam, em um futuro breve, utilizar de interfaces cérebro-máquina não apenas como forma de restaurar a mobilidade, mas também como um tipo de terapia que pode recuperar outras funções e sensibilidades.

"A ciência como agente de transformação social dá mais um passo", publicou Nicolelis em sua página no Facebook para comemorar o sucesso do estudo de mais de 17 anos.

A pesquisa

No dia 12 de junho de 2014, o Projeto Andar de Novo, um consórcio científico internacional sem fins lucrativos, realizou uma demonstração científica inédita durante a cerimônia de abertura da Copa do Mundo de Futebol do Brasil. Nessa demonstração, um jovem brasileiro, com quase dois terços do seu corpo paralisado, desferiu o chute inaugural da Copa do Mundo, usando uma interface cérebro-máquina que permitiu que ele controlasse os movimentos de um exoesqueleto de membros inferiores, enquanto ele recebia sinais de feedback tátil dos pés desse robô

Passados dois anos daquela demonstração pública, o Projeto Andar de Novo está publicando o seu primeiro trabalho clínico, descrevendo os achados obtidos durante os primeiros 12 meses de treinamento de oito pacientes paraplégicos crônicos, de janeiro a dezembro de 2014. Nesse estudo clínico, o time internacional de neurocientistas, engenheiros e equipe multidisciplinar de reabilitação, relata a descoberta de que o grupo de pacientes que continuou a treinar com sistemas controlados pela atividade cerebral, incluindo um exoesqueleto motorizado, foi capaz de readquirir a habilidade de mover voluntariamente alguns músculos das pernas e sentir sensações de tato, dor, propriocepção e vibração emanados dos membros paralisados. 

Essa recuperação parcial se deu apesar destes pacientes terem sido diagnosticados clinicamente com uma lesão medular completa, em alguns casos mais de uma década atrás. Os pacientes também recuperaram um grau importante de movimentos peristálticos intestinais e do controle do esvaziamento da bexiga e demonstraram uma melhora sensível das suas funções cardiovasculares, que num caso resultou numa redução significativa do grau inicial de hipertensão. Baseado nesses achados, esse é o primeiro estudo a relatar a ocorrência de uma recuperação neurológica parcial em pacientes portadores de lesões medulares que levaram a paraplegia completa, como resultado de um longo período (12 meses) de reabilitação baseada no uso de interfaces cérebro-máquina (ICMs).

Em face desses resultados surpreendentes, os cientistas do Projeto Andar de Novo levantam a hipótese de que o regime de treinamento de longo prazo provavelmente promoveu um processo de reorganização funcional cerebral que reativou nervos que sobreviveram a lesão medular original, mas que permaneceram dormentes desde então.