Ricardo Carneiro: Governo Temer tem poucas chances de dar certo

“Se de fato o impeachment ocorrer – e acho que não é certo que ocorra -, fico me perguntado quais as chances de o governo [Michel] Temer dar certo. E acho que não são muitas”, avaliou o economista Ricardo Carneiro. Ex-diretor-executivo do Brasil no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ele deixou o cargo em junho, com críticas à gestão do interino. Em conversa com o Vermelho, nesta quarta-feira (3), apontou a falta de legitimidade de Temer para resolver os problemas do país.

Ricardo Carneiro

Professor aposentado do Instituto de Economia da Unicamp, Carneiro mostrou-se pouco otimista em relação à situação política e econômica do Brasil. “Acho que a elite brasileira entrou em uma aventura, porque a situação política e econômica era muito difícil – e continua sendo difícil. E temos hoje um governo com pouca legitimidade para enfrentar várias questões importantes”, disse, após participar do lançamento do livro Taxa de Câmbio e Política Cambial no Brasil, em São Paulo.

Como exemplo das dificuldades enfrentadas pelo país, ele citou o caráter fisiológico de grande parte do Congresso Nacional. Algo que, segundo ele, não ajuda a economia. “O Congresso é muito ruim, a representação é muito ruim, é muito fisiológico. Esse é um tema que vai persistir até as eleições de 2018, se não continuar. E é um tema grave, que não ajuda, por exemplo, a economia – ter uma base extremamente fisiológica. Precisaria que a economia estivesse muito bem para poder ajudar a política. E a pergunta é: quais são as chances de isso acontecer? Muito pequenas”.

De acordo com ele, a economia brasileira está em uma recessão profunda, em parte por equívocos de política econômica, mas principalmente pelo confronto político que ocorreu ao longo do último período. E as expectativas para o futuro não são animadoras. Na sua avaliação, nada no horizonte indica uma recuperação.

“Não há fontes de crescimento, a situação internacional é muito meia-boca, para usar uma gíria. Nós tínhamos algum dinamismo vindo por causa da taxa de câmbio que estava desvalorizada, mas ela começou a ser apreciada e vamos perder essa fonte. O consumo está muito deprimido, desemprego alto. As empresas estão endividadas. Então, você não consegue delinear nada que nos leve a dizer: ‘ah, isso aqui vai puxar a economia’”, opinou.

Carneiro não hesita em classificar o que ocorre no país como um golpe. Para ele, se há algum otimismo inicial em relação à gestão temer, isso não deve durar muito tempo. “O governo Temer se beneficiou do golpe e da criação de um ambiente – até de certa forma fictício – de que agora há confiança. Mas isso se gasta ao longo do tempo”, previu.

Para ele, eventuais privatizações e aportes de recursos estrangeiros podem até movimentar a cena por aqui, mas sem que isso se reflita em benefícios para a população. “Eu não vejo nenhuma chance de dar certo desse ponto de vista, de melhorar a renda das pessoas, de criação de emprego. O que pode haver, dada a situação internacional, é aproveitar um miniciclo de liquidez, privatizar empresas, receber dinheiro de fora, mas isso sem maiores impactos na economia real. Acho que é mais provável que se tenha algum resultado desse ponto de vista, que não vai beneficiar a população; os grandes negócios, sim”, disse.

Questionado a respeito da Proposta de Emenda Constitucional 241 – que limita o crescimento dos gastos públicos à variação da inflação -, Carneiro defendeu que se trata de uma iniciativa “equivocada socialmente”. “Eu acho que seria preciso fazer alguma coisa em relação aos gastos públicos. Não tinha regras. Mas acho que poderia ter se introduzido uma regra que mantivesse os gastos públicos como proporção do PIB. Com a ideia de fazer indexado pela inflação, o que vai acontecer é que, se o PIB crescer, [o crescimento dos gastos] vai cair como proporção do PIB”, indicou.

O economista chamou atenção para os custos sociais de congelar os gastos primários do governo, algo que afeta diretamente a população mais pobre, que precisa das políticas e serviços públicos. E destacou que a proposta de Temer representará a redução do papel do Estado.

“Acho que [a PEC] é equivocada socialmente, uma má inciativa, porque os gastos públicos per capta no Brasil ainda são baixos. Para quem quer reduzir desigualdade, fazer a economia crescer, é uma péssima iniciativa. Depois, ela vai diminuir muito significativamente o papel do Estado. Você perde um elemento de coordenação, de melhoria da situação social. E perde também um mecanismo de estímulo à economia. Não vejo nenhuma vantagem nessa medida. Ela é feita, de certa forma, para agradar aos setores mais conservadores, mas acho que ela errou a mão, foi além do ponto que deveria ser”, afirmou.

Carneiro lembrou que o governo Dilma já havia apresentado uma proposta de limitar o crescimento dos gastos à variação do PIB, algo que seria mais justo e eficiente. “[O projeto] tinha algumas cláusulas de escape, para situações cíclicas determinadas, para não abrir mão da política anticíclica. Acho que essa é uma linha muito mais eficiente, não só socialmente justa, mas mais eficiente”, comparou.

O governo Temer já anunciou que deve “privatizar tudo que for possível” em infraestrutura, além de sinalizar que quer reduzir a participação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no financiamento da área. Para Carneiro, a diminuição do apoio do Estado está na contramão do que deveria ser feito.

“No mundo todo, onde você faz infraestrutura, ela tem o apoio decisivo – direto ou indireto – do Estado. Aqui, eles resolveram que tem que reduzir esse apoio. Do que eu vi, na minha experiência internacional, eu acho que não vai funcionar. Você tem que ter o apoio decisivo de um banco de desenvolvimento, o estado tem que entrar ou garantindo ou investindo diretamente. Essa é a experiência internacional. Eles podem estar inventando a roda aqui, mas vamos ver”, ponderou.

Cético, o economista encerrou a entrevista reiterando que faltam perspectivas para a economia brasileira: “O resumo da ópera, é o seguinte: não sei de onde vai vir o dinamismo da economia brasileira nos próximos anos”.