Republicanismo à Francesa 

O papel ou os teclados do computador aceitam tudo o que se redija. Assim, é fácil qualquer cidadão se autoproclamar o arauto da ética, da transparência e do espírito republicano. Acontece que ética, transparência, honestidade e espírito republicano, de fato, não se expressam apenas em palavras, mas, sobretudo, em atitudes, comportamentos e nas decisões que tomamos a cada dia. 

Republicanismo à Francesa - Divulgação

José Luis Simões

Espírito republicano não se serve à francesa, como se faz com um prato de comida. Por exemplo, quando é conveniente fazer a doação de meu próprio gabinete de trabalho para um propósito maior, para um projeto acadêmico ou social relevante, na tentativa de demonstrar desprendimento, mas, na verdade, o objetivo real é não ser encontrado no trabalho, pois, como funcionário público tem estabilidade, para algumas castas, é possível se evadir e cuidar de afazeres pessoais, ouvir música erudita em casa ou planejar a próxima viagem à Europa.

“Estratégia do esquecimento” é uma estratégia política.

É quando um intelectual franco- burguês ocupa um importante cargo em instituição pública durante anos e, ao final do mandato, não apresenta um relatório de sua gestão, na crença de que os outros não merecem sequer uma satisfação, pois, talvez pense: “meus colegas são esquecidos, amanhã nem se lembrarão mais quem dirigiu essa instituição pública”. Assim, reflito: aos que evocam a teoria do esquecimento para dedilhar palavras bonitas, reside no seu comportamento a ideologia do recalque e o desprezo pela democracia porque só aprenderam a ganhar.

É urgente e fundamental denunciar as formas não republicanas de uso de cargos, de espaços públicos ou de instituições.

E isso deve ser feito com responsabilidade, apresentando provas, denunciando os achacadores do erário e fazendo com coragem, nos fóruns adequados, não apenas no Facebook. Aliás, por falta de coragem, tem “erudito” que pede para que o bedel publique. Colocar insinuações nas redes sociais de nada adianta. Aliás, isso é sinônimo de covardia e politicalha, que prejudica as instituições públicas.

A universidade é o local por excelência da preservação da memória cultural. E por isso, antes de se resignar por uma derrota acadêmica ou política, o intelectual precisa checar bem as fontes de informação, sob pena de incorrer em erros de avaliação ou cometer injustiças. Não quero acreditar que um intelectual com doutorado numa das melhores universidades da Europa incorra em má fé em suas avaliações. Na verdade, neófito na prática política, acostumado a conhecer a política pelos livros, comete erros de avaliação. Certamente, sua arrogância é maior que sua capacidade de análise.

A boa política, a ética e a capacidade de olhar nos olhos dos seus colegas e amigos de cabeça erguida não é prerrogativa do intelectual ou do erudito. Isso é prerrogativa do cidadão de bem. Postura ética, caráter, honestidade, humildade e espírito público não se adquirem somente com a leitura de livros, tocando piano ou viajando pra França.

Caráter, coragem, honestidade, agir com transparência no trato com a coisa pública e respeito ao próximo não se aprende necessariamente no ambiente dos “intelectuais”. Valores e princípios se aprendem na universidade da vida, com nossa família, nossas crenças, com bons professores, boas amizades, desde a tenra infância. E nessa direção, imediatamente vem a imagem de uma senhora de 64 anos, que estudou até a terceira série do ensino fundamental.

Ela não escreve bem e não tem boa retórica. Mas é “pós-doutora” em ética, caráter, honestidade, humildade e coragem. Uma mulher verdadeiramente republicana, na essência e na prática. Alguns intelectuais são pobres de espírito, arrogantes e cegos pelo poder. Nos livros, a retórica e a escrita são rebuscadas, mas a prática não combina com o discurso.

Na universidade, temos que não apenas preservar, mas, ir além, fortalecer o espírito público. O intelectual que se arroga acima de qualquer suspeita, que faz “um apelo à reflexão”, entretanto, na verdade, age com hipocrisia, ele próprio esquece que é resultado do investimento e esforço de muitos que limparam banheiros para que ele usasse, cozinhasse para que ele comesse, produzisse a roupa que ele veste e pagasse impostos para que ele pudesse fazer seu doutorado na Europa e aprender o francês fluente.

Então, chego à conclusão que, se preciso continuar fortalecendo o espírito republicano nas ações e projetos que estou envolvido, além de continuar estudando, preciso manter a humildade de aprender com essa senhora de 64 anos, que nunca teve oportunidade de viajar ao exterior, estudou pouco, redige mal, mas sempre praticou a boa política, sempre foi uma cidadã de bem, honesta, ética e, ao ficar viúva, sofrendo com o machismo e com a falta de dinheiro, provou ser corajosa. Essa mulher me ensinou que faz parte da sabedoria da vida receber, tanto as vitórias quanto as derrotas, com dignidade.

(*) José Luis Simões é professor no Centro de Educação da UFPE

Publicado originalmente no Blog de Jamildo