UNE: fusão entre grupos educacionais ataca soberania nacional

A Kroton, maior empresa de educação superior privada do país, tem investido em várias propostas de fusão com a Estácio, segunda maior do setor. A operação pode criar um grupo que detém 1,6 milhão de estudantes no país.

Educação não é mercadoria - UNE

UNE e muitas entidades do movimento social que lutam contra a mercantilização da educação estão atentas ao negócio e temem que a fusão pode criar um grupo com excessivo poder de mercado e concentração de dinheiro público de incentivo à educação. Para a UNE, a universidade é um setor estratégico no desenvolvimento nacional e na soberania do país.

“O fortalecimento do seu caráter público, a democratização do seu acesso e a regulamentação do setor privado são eixos fundamentais para que a educação superior possa produzir conhecimento, pesquisa e extensão favoráveis à nação”, defende a presidenta da UNE, Carina Vitral.
Segundo Censo da Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 5,3 milhões (73,5%) dos estudantes universitário brasileiros estão nas instituições particulares, de um total de 7,3 milhões de alunos de 2013.

“Se essa compra se efetivar, um terço dos estudantes de ensino privado estarão com suas matrículas submetidas ao capital estrangeiro, a um dos principais tubarões do ensino superior, que é a Kroton. Este é o momento de fortalecer a luta pela regulamentação econômica do ensino superior privado, para que consigamos combater essas atrocidades contra o ensino superior. Não vamos aceitar que a educação seja tratada como mercadoria ou como um bem valioso na bolsa de valores!”, afirma o diretor de Universidades Privadas da UNE, Josiel Rodrigues.

Tubarões querem nadar na crise

A UNE e a entidades educacionais como a Contee (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimento de Educação) têm denunciado e feito campanhas anuais contra a mercantilização da educação.

A presidenta Dilma Rousseff já tinha endurecido as regras ao cobrar contrapartidas como mais qualidade de ensino e ao vetar abusos no aumento das mensalidades das instituições que são “sustentadas” pelo Fies. Algumas universidades privadas chegaram a ter contratos suspensos ou cortados pelo governo federal.

Além disso, o governo do presidente golpista Michel Temer aprovou na Câmara uma PEC que desvincula as receitas da União, a chamada DRU (Desvinculação de Receitas da União). Na realidade, o projeto muda a Constituição para acabar com a obrigatoriedade de gastos mínimos em áreas como a saúde e educação. A aprovação dessa medida contraria frontalmente os avanços na proteção dos direitos sociais do povo brasileiro obtidos nos últimos anos.

“Este como um dos primeiros atos do governo Temer só sinaliza que a educação não será prioridade enquanto esta gestão durar. Todo o movimento educacional lutou muito para tirar a Educação da DRU e dessa forma vincular obrigatoriamente o orçamento para a área. Os recursos da Educação ainda são insuficientes para sanar todas as necessidades de salários de professores, melhoras na estrutura, assistência estudantil e ampliação da rede federal. Agora, o setor perderá muito e haverá impacto negativo imediato.”, afirmou a presidenta da UNE, Carina Vitral.

Para a Contee, o momento da crise brasileira é muito propício para os tubarões no ensino se aproveitarem e avançarem.

“É evidente também que conglomerados de capital global veem na educação superior brasileira um mercado promissor e muito lucrativo, não só pelos incentivos públicos que recebem, como também em razão da grande demanda pela educação superior; aproveitam-se da desregulamentação e atuam politicamente contra o controle do Estado, fortalecendo representantes no parlamento que conjugam com seus interesses privatistas”, afirmou em nota a entidade.

Em entrevista ao site da UNE, o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, afirma que a área do ensino superior no Brasil já está extremamente concentrada e que espanta o fato do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) não estar agindo de forma mais incisiva para analisar efetivamente essas aquisições.

Ele lembra que a fusão da Kroton com a Anhanguera em 2014 já foi bastante polêmica pelas regras da boa concorrência econômica e não deveria ter sido aceita da maneira como foi sem condicionantes. “Se o CADE tivesse com o ensino superior o mesmo procedimento que tem com as cervejarias, certamente não haveria concentração de mercado”, afirmou.

Para Cara, o cenário que se constrói com a possível compra da Estácio pela Kroton é de concentração ainda maior do ensino superior.

“Isso vai gerar um poder enorme para essa empresa, a ponto inclusive de poder agir contra a permanência ou não de um ministro porque o volume de matrículas que eles vão controlar praticamente determina que este é o principal decisor da política de ensino superior, o que é um absurdo, o Brasil está perdendo soberania. O ensino superior é uma área estratégica em qualquer lugar do mundo, mas parece que no Brasil as entidades de regulação não percebem e nem o Ministério da Educação”, destacou.

Audiência Pública no Congresso Nacional 

Com a junção das empresas, a concentração de mais de 50% do Fies ficará na mão do mesmo grupo educacional. Por isso, alguns parlamentares no Congresso Nacional que querem realizar audiência pública na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara para tratar o assunto.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio de Janeiro enviou uma petição ao CADE na qual pede que o órgão negue autorização para um negócio entre Kroton e Estácio.

“Ainda que haja um mercado para o ensino, a educação não pode ser tratada como uma mercadoria qualquer, como um insumo ou mera commodity”, diz o procurador-geral da entidade, Fábio Nogueira Fernandes, que assina a peça.

A OAB- RJ destacou ainda os eventuais danos a alunos e trabalhadores dessas instituições e lembrou o caso do descredenciamento pelo Ministério da Educação da Universidade Gama Filho (UGF) e do Centro Universitário da Cidade (UniverCidade) em 2014, casos que ainda hoje faz pessoas sofrerem na Justiça para recuperar diplomas, notas, receberem danos morais e direitos trabalhistas. “Justamente por uma desastrosa operação de concentração das atividades com o Grupo Galileo Educacional”, diz a entidade.

Naquela ocasião, a UNE organizou a maior ocupação de uma reitoria de universidade particular no Brasil, foram 78 dias de resistência. A UNE ocupou também o MEC, em Brasília. O movimento se tornou um símbolo da luta nacional contra a situação de descasos do ensino superior privado brasileiro.

A UNE e as diversas outras entidades do movimento educacional são as principais defensoras da criação do Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior (Insaes).

A proposta prevê a criação de um órgão com 500 especialistas responsáveis pela fiscalização das instituições superiores de ensino.

Elaborado pelo Ministério da Educação (MEC), o instituto fiscalizaria fusões, aquisições, cisões e transferências de mantenças previamente. A realização de avaliações in loco e a suspensão dos dirigentes e representantes de universidades com irregularidades também constam no planejamento.

Mesmo com a aprovação do regime de urgência em março de 2015 do projeto que cria o Insaes ele ainda não entrou na pauta de votações.

A União Nacional dos Estudantes tem uma campanha permanente chamada “Educação não é mercadoria”. A entidade disponibilizou uma cartilha online como o objetivo de denunciar os abusos que os chamados “tubarões do ensino”, os empresários da educação, cometem rotineiramente.

No material a UNE mostra que os problemas no ensino superior privado vão da questão pedagógica à falta de infraestrutura e abuso no aumento das mensalidades. Para combater o poder do dinheiro sobre a educação, a cartilha traz uma série de orientações e instrumentos para os estudantes lutarem por seus direitos.

“Os estudantes estão organizados para reivindicar melhorias na qualidade do ensino e impedir os abusos dos empresários do setor. Milhares de vagas do ensino particular são atualmente subsidiadas pelo Estado e existe pouco controle ou garantia sobre a qualidade desse ensino. A universidade particular no Brasil precisa mudar urgentemente”, afirmou Carina.