Sexta-feira de Ramadã em Jerusalém: Israel reforça a ocupação

A primeira sexta-feira do Ramadã na Palestina é uma fotografia, de cores mais intensas, de 49 anos de ocupação. Sob o pretexto de se prevenir contra ataques, o governo israelense revogou mais de 80 mil permissões a palestinos para visitar familiares em Israel ou rezar na mesquita Al-Aqsa, em Jerusalém, enviando ainda mais soldados à Cisjordânia e voltando a selar a Faixa de Gaza. Mas a violência é narrada por Israel como um fenômeno unilateral que justifica a ocupação.

Por Moara Crivelente*

jerusalem - Reuters

O Ramadã, mês de reflexão e boas práticas do Islã, começou na segunda-feira (30/05). Às sextas-feiras, muçulmanos buscam ir à mesquita de Al-Aqsa, terceiro local mais importante da religião, que fica na Cidade Antiga de Jerusalém. A cidade é tão significativa para as três grandes religiões monoteístas que tem foco especial nos debates e propostas para o fim de quase sete décadas de atraso na efetivação do Estado da Palestina, desde a criação do Estado de Israel, em 1948.

Mas a questão é mais um combustível para a narrativa tergiversada sobre o “conflito Árabe-Israelense” enquanto uma disputa religiosa, estrategicamente mascarando o que é uma questão política de dominação, colonização e resistência, assim a retratando como situação "complexa" de difícil solução.

Nesta sexta-feira (10), como em muitas outras, milhares de palestinos estão impedidos de entrar em Israel – o que arbitrariamente inclui a parte palestina da cidade de Jerusalém, unilateral e ilegitimamente anexada por Israel. Na quinta (9), o órgão securitário israelense anunciou a suspensão de 83 mil permissões a palestinos residentes da Cisjordânia para visitar familiares –palestinos que decidiram continuar vivendo em suas vilas e cidades após a criação do Estado de Israel que as engolfou – e para residentes de Gaza que tentavam visitar Al-Aqsa.

Permissões para a entrada em Israel a trabalho também foram revogadas a 204 pessoas, familiares de dois palestinos que dispararam contra israelenses em um mercado em Tel-Aviv, matando quatro pessoas, na quarta-feira (8). O mercado fica em frente a prédios do Ministério da Defesa e às principais sedes do Exército israelense. Os dois palestinos são primos, vindos da vila de Yatta, em Hebron, na Cisjordânia ocupada.

A suspensão das permissões por parte de Israel é mais uma medida de “punição coletiva” condenada internacionalmente, já que se trata de uma violação do Direito Internacional Humanitário. Além disso, a vila de Yatta está sob sítio – ninguém pode entrar ou sair – e o governo israelense enviou centenas de soldados extras, das forças especiais e da infantaria, em dois batalhões, à Cisjordânia ocupada. A Faixa de Gaza, sob bloqueio desde 2007, mas que teve suas fronteiras parcialmente abertas por alguns dias, já está selada novamente. Dezenas de milhares de pessoas que esperavam para sair foram impedidas.

Desde outubro de 2015, quando um novo “ciclo de violência” intensificada na Palestina ocupada foi assim identificado por observadores preocupados por uma nova “intifada”, um levante popular contra o regime e a colonização israelense, mais de 200 palestinos e 30 israelenses foram mortos. Abaixo, o vídeo do diário britânico The Guardian gravado naquele mês mostra a ação abusiva dos soldados israelenses em uma das entradas da Cidade Antiga de Jerusalém.

A execução de “suspeitos” nas ruas ou em postos de controle militar, a perseguição política e o encarceramento massivo dos palestinos, a demolição de casas como "medida punitiva" e o cerco à Palestina são justificadas pelas autoridades israelenses enquanto “medidas de segurança”. Muitos dos palestinos mortos carregavam facas, protestavam contra a ocupação ou foram executados sob alegações não comprovadas – e algumas desmentidas – de apresentarem “ameaça”. Mas todos são retratados pelo governo e pela mídia israelense como “terroristas”.

Há mais de sete mil palestinos presos: 414 são crianças e 715 estão sob “detenção administrativa” – sem acusação ou julgamento, por períodos renováveis de seis meses – de acordo com a Addameer, associação palestina de apoio aos prisioneiros.

Em um vídeo da organização israelense B'Tselem, divulgado em abril, soldados israelenses tentam deter um menino acusando-o de atirar pedras, o que o menino nega. Os soldados, discutindo com um adulto que tenta intervir, dizem: "nós nos lembramos do rosto dele", alegando que sempre o avistam quando alguém lança pedras. Um soldado ameaça detê-lo da próxima vez, quando "ficará amarrado a noite inteira e será punido".

"Tensões em Jerusalém": a ocupação da religião

Em Jerusalém, no domingo passado (5), uma “marcha da bandeira” israelense conduzida pela juventude religiosa sionista passou pelo bairro muçulmano até chegar ao Muro Ocidental, um importante local para os judeus como parte de um templo destruído há dois mil anos. A marcha é realizada anualmente no “Dia de Jerusalém”.

Amir Cheshin, antigo consultor para “assuntos árabes” da Prefeitura, e a ONG israelense Ir Amim, que denuncia a tentativa do governo de segregar ou expulsar palestinos muçulmanos, enviaram uma petição à Suprema Corte para que a juventude desviasse a rota. Segundo o diário israelense Jerusalem Post, a marcha “passou pacificamente”, entretanto.

A ONG Am K’lavi, que organiza as marchas há 25 anos, de acordo com o jornal Haaretz, respondeu: “os autores da petição são extremistas de esquerda cujo único objetivo é criar divisões e excluir os judeus da Cidade Antiga da Jerusalém unificada. Estamos certos de que, como em anos anteriores, essa petição provocativa será negada.”

Porém, “para as famílias palestinas presas dentro de casa durante a marcha não importa muito se as palavras de ordem são por suas mortes, por vingança ou por eliminar sua memória”, dizia a petição. Nos anos anteriores, vários casos de insultos racistas e vandalismo dos participantes foram registrados.

A polícia israelense anunciou que reforçará sua presença e o esquema de movimentação em Jerusalém toda sexta-feira do mês de Ramadã, até 1º de julho. Mas essas medidas articulam-se como garantias à segurança de israelenses às custas da movimentação e do direito ao culto religioso dos palestinos.

Jerusalém, segundo a Resolução 181 da ONU que sugeriu a divisão da Palestina em dois Estados, ficaria sob gestão internacional por um período inicial. Entretanto, Israel declarou tê-la conquistado na Guerra de Junho de 1967 – quando ocupou o restante da Palestina e territórios da Síria e do Egito – usando um discurso militarista e religioso sobre a “Jerusalém reunificada”, declarando-a ainda sua capital. Entretanto, há um consenso internacional sobre a divisão do município, cuja parte oriental deve ser a capital do Estado da Palestina.

Em 1994, Israel teve de reconhecer o papel da Jordânia e a sua custódia sobre os locais religiosos da Cidade Antiga de Jerusalém. O recinto das mesquitas Al-Aqsa e Omar – esta, conhecida como Cúpula da Rocha – é guardado por soldados jordanianos e gerido por um fundo islâmico, Waqf, dirigido pelo rei da Jordânia, mas o acordo é frequentemente violado por Israel com a invasão da esplanada por seus soldados. Há ainda um movimento israelense que defende a destruição da mesquita para a reconstrução do templo judeu.

O local é frequentemente palco de confrontos. Palestinos, jordanianos e outras autoridades denunciam as tentativas israelenses de descaracterizar a zona de seus traços árabes como uma das formas de expulsar palestinos, além da construção de colônias israelenses na parte oriental do município, enraizando a ocupação na Palestina.