Crise não pode ser pretexto para eliminar direitos, dizem juízes

A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) afirma que vê com preocupação as notícias na mídia e declarações de porta-vozes do atual governo a respeito de uma reforma trabalhista que represente retrocesso nos direitos dos trabalhadores. Segundo a entidade, momentos de “crise econômica” demandam uma atenção prioritária com relação aos direitos sociais e trabalhistas e não a precarização desses em detrimento da solução dos problemas econômicos do Brasil.

Carteira de Trabalho

Entre as preocupações da Anamatra, que representa pelo menos 4 mil juízes do Trabalho, está a regulamentação da terceirização na atividade-fim das empresas, o que pode levar a desigualdade de salários, favorecimento de jornada sem pagamento regular de horas-extras e baixo ou nenhum investimento em saúde e segurança laboral, apenas para dar alguns exemplos.

“O projeto de regulamentação de terceirização que hoje avança no Parlamento (PLC nº 30/2015), bem como toda e qualquer proposta legislativa que vier a ser apresentada nesses moldes, não representará a equiparação de direitos entre contratados diretamente e terceirizados, como vem sendo divulgado; mas sim de ampliação da desigualdade hoje já vivida por mais de 12 milhões de trabalhadores contratados de forma indireta”, alerta o presidente da associação, Germano Siqueira.

Outra preocupação é a possibilidade de empregadores e empregados negociarem diretamente um acordo de trabalho, em detrimento da legislação trabalhista, uma matéria que também tramite no Congresso. Essa alternativa representa uma efetiva precarização de direitos, diz Siqueira. “O que está se deliberando é pela formalização do desequilíbrio entre o capital e o trabalho e o enfraquecimento do tecido de proteção social dos trabalhadores.”

O presidente da Anamatra criticou a posição do novo presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra Filho, que afirmou que a justiça trabalhista precisa ser menos “paternalista” para ajudar a tirar o país da crise. Segundo o presidente do TST, está na hora de o governo flexibilizar a legislação trabalhista e permitir que empresas e sindicatos possam fazer acordos fora da CLT, desde que os direitos básicos sejam garantidos.

Para Siqueira, o discurso é “falacioso e oportunista”. Segundo a entidade, a posição do magistrado, nesse cenário, firma-se em dados oficiais do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que demostram que, de 2005 a 2014 (sem considerar os precatórios), a Justiça do Trabalho pagou em todo o Brasil, principalmente em execução, mas também por acordos, a soma de R$ 125 bilhões aos credores, valores correspondentes a direitos não respeitados no curso do contrato de trabalho e que foram restabelecidos e voltaram a circular de forma descentralizada no mercado consumidor.

O presidente informa também que o custo econômico direto do trabalho no Brasil é dos menores em comparação com vários outros países. Tomando por base o salário mínimo, o mercado de trabalho brasileiro registra um salário-hora da ordem de R$4,00 (reais), enquanto, por exemplo, nos EUA paga-se pela mesma hora mínima o equivalente a R$23,31; na Alemanha R$ 25,16; na Espanha R$17,50; e, em Portugal, R$15,40.

“Não há nenhum indicativo convincente de que empresas ‘quebrem’ por conta do modelo trabalhista brasileiro ou de que a economia tenha encolhido por conta da formalização do trabalho nos limites da CLT. Também é falso o discurso da baixa produtividade atribuindo-se essa ‘fatura’ à existência de um mercado de trabalho regulado”, informa Siqueira.

Na avaliação do presidente da Anamatra, produtividade não é sinônimo de redução de custos de pessoal, mas, fundamentalmente, de investimento em educação básica, capacitação profissional, rotinas de produção e tecnologia. “A Anamatra não se opõe a reformar direitos sociais e trabalhistas, mas que isso seja feito conforme prevê a Constituição Federal, que preconiza que todo e qualquer direito aplicado ao trabalhador deve ser no sentido de melhorar a sua condição social”, finaliza o magistrado.