Nei Lopes: Mais um 13 de maio, mais um retrocesso

Escrevo estas linhas no momento de mais um Treze de Maio, no ano em que meu saudoso pai, Luiz Braz Lopes, completaria também 128 anos, como a chamada “Lei Áurea”.

Por Nei Lopes, no Meu Lote

Nei Lopes - Blog Meu Lote

Mas este é um momento não de júbilo e sim de constrangimento. Pela vergonhosa farsa em que um dos piores, se não o pior, grupo de parlamentares já reunido no País “inventou um crime para acabar com um governo”, como escreveu o professor Lizt Vieira, da PUC-Rio em artigo publicado ontem no jornal O Globo.

Escrevo diante da foto do “novo” ministério, na qual não se vê, dos pontos de vista de gênero e etnicidade, ninguém que evoque, por exemplo, a simbólica imagem da Princesa Isabel nem as reais, efetivas e consequentes figuras de André Rebouças, Ferreira de Menezes ou Luiz Gama.

Triste Treze de Maio! Em que os muares (ou hienas?) vão empurrando a carroça de novo para trás, na direção do abismo.

Resta, entretanto, o consolo de, aos 74 anos recém completados, estar entregando à publicação, neste exato momento, mais um livro, o “Dicionário da História da África (séculos VII a XVI)”, concluído, depois de alguns anos, com a inestimável parceria do professor José Rivair Macedo, da UFRGS.

O dicionário tem por objetivo dar sequência ao trabalho iniciado.com a publicação, pela Editora Civilização Brasileira, do Dicionário da Antiguidade Africana, em 2011, inclusive com revisão e reinterpretação de alguns conteúdos. Focalizando, agora, momentos fundamentais da História Africana ocorridos no período imediatamente posterior, a obra cobre o período que vai da conquista árabe-islâmica do norte do continente, iniciada em 639 d.C. até a chegada dos primeiros exploradores europeus, no século XV e a queda do Império Songai ante o Marrocos, no século seguinte.

No corpus do dicionário procuramos estabelecer relações de causa e efeito entre fenômenos e eventos como: as formas de organização social herdadas de tradições imemoriais; o surgimento de unidades políticas criadas e expandidas por lideranças locais; o expansionismo dessas unidades fazendo surgir Estados e Impérios; o embate entre as ideias e interesses do Islã, do Cristianismo e da Religião Tradicional; as disputas pelo controle das fontes de riquezas e as rotas de comércio, principalmente as que ligavam o continente ao Mar Mediterrâneo e ao Oceano Índico.

Procuramos também demonstrar como a transmigração de riquezas africanas tanto pelo Saara e o Mediterrâneo quanto pelo Oceano Índico, inclusive de força de trabalho, proporcionaram crescimento econômico e político a muitas cidades e Estados, tanto na Europa quanto no Oriente. E como, para a Europa, as riquezas subtraídas à África nesse período prepararam a desestruturação do continente, pelo escravismo, nos séculos seguintes até a partilha da África pelas potências europeias no século XIX.

Por outro lado, o dicionário procura mostrar também a formação de Estados, confederações e mesmo impérios no continente africano, comprovando o papel dos africanos como sujeitos ativos de sua História, atuando a partir do domínio dos saberes e técnicas de sua tradição, inclusive do ponto de vista filosófico e religioso.

Acreditamos, com este trabalho, estar dando mais um passo no sentido de colocar a História dos africanos, negros ou não, em sua dimensão real e verdadeira – como preconizou o filósofo congolês Théophile Obenga; e reafirmando a importância de se registrar a História de africanos e afro-americanos, a partir de pontos de vista de estudiosos afrodescendentes e além da incomoda e nociva perspectiva do escravismo.

Enfim, estamos fazendo a nossa parte. Pela autoestima de nossos jovens; pela sua organização na direção das instâncias de poder; pelo seu esclarecimento diante de dogmas inaceitáveis e falácias como a demonização mercadológica de nossas tradições ancestrais. Tradições essas que até mesmo o islamismo (hoje imediatamente associado à radicalização), em seus primeiros momentos, segundo nossa interpretação, soube compreender e aproveitar.

Pena que neste Treze de Maio, o país tenha dado mais um lamentável passo atrás. Mas nós vamos caminhando, pra frente.