Emir Sader: Eduardo Cunha é a própria cara do golpe

Na iminência de ver seu projeto golpista desembocar na presidência sem voto popular de Michel Temer e na possibilidade de que em poucas semanas Eduardo Cunha assuma a presidência da republica pela viagem do titular, setores da direita, hipocritamente, mostram incomodidade com a fórmula e, especialmente, com o lugar politico e institucional a que foi guindado o mais corrupto politico brasileiro, conforme consenso nacional.

Por Emir Sader*, no Brasil 247

Justiça pede afastamento de Cunha

Tratam de dizer que o golpe é aceitável, mas que a presença de Eduardo Cunha é um problema, um fator de desgaste, que se soma já à enorme rejeição do próprio Temer. Como se fosse possível separar Eduardo Cunha do golpe.

Mas Eduardo Cunha é a própria cara do golpe. Em primeiro lugar, porque os passos dados nessa aventura a que querem jogar o país não teriam sido possíveis sem a atuação gangsteril de Eduardo Cunha e dos centenas de parlamentares que ele ajudou a eleger e sobre os quais ele tem controle. O próprio silêncio covarde do STF é atribuído, também, a ameaças que ele faria sobre os juízes que o compõem.

Foi Eduardo Cunha quem coordenou a vergonhosa votação na Câmara, que tem a sua cara. Cada uma daqueles escandalosas afirmações poderiam sair da boca dele e revelaram ao país como o Congresso está capturado por gente corrupta e desqualificada para qualquer representação política da cidadania. Foi Eduardo Cunha que ameaçou a parlamentares que não votassem pelo golpe, que os chantageou, que os ganhou com vantagens materiais e até com a promessa de livrá-los da Lava Jato.

Além de que o programa do PMDB, atribuído a Moreira Franco, é um resumo do que de mais retrogrado existe hoje no Brasil, ja em parte personificado nos enormes retrocessos aprovados no Congresso por iniciativa do próprio Eduardo Cunha, que personifica esse projeto de restauração conservadora.

Quando a direita delega à dupla Temer-Eduardo Cunha, a tarefa de alijar o PT do governo e impor um duro ajuste antipopular – pelo ataque aos recursos da educação e saúde e aos direitos trabalhistas -, antinacional – pelos ataques à Petrobras e ao Pré-sal – e antidemocrático – pela repressão que necessariamente acompanharia um ajuste desse tipo -, se vale de políticos sem escrúpulo, em risco pelas acusações de corrupção, mas dispostos a qualquer coisa para galgar os postos mais altos do governo e livrar-se das acusações. E ninguém mais do que Eduardo Cunha representa esse tipo de personagem, diante da mediocridade de Michel Temer. Um governo desses vai ter que negociar permanentemente com os parlamentares e Eduardo Cunha é o politico para vender os apoios em troca de nomeações, privilégios e impunidade.

Surgem os que pretendem se livrar de Eduardo Cunha por incomodo. Mas mesmo que o conseguissem, a marca dele ficará enquanto esse projeto durar e a história não apagará suas impressões digitais. Porque as votações que tornam possível o golpe branco estão diretamente vinculadas a suas bases politicas de apoio, a seus métodos, a suas propostas, a seu estilo. É um projeto marcado pela imagem e pelo estilo truculento de atuação, pelas votações dos parlamentares, que expressam o tipo de politico que se disseminou no Congresso, alavancados pelos métodos de ação de gangue usados por Eduardo Cunha. Ele é o bandido de que os outros da gangue, uma vez feito o trabalho mais sujo, gostariam de se livrar, como limpeza de arquivo, mas que temem que suas delações e vinganças se difundam no ventilador para toda a elite golpista. Ficam então entre o temor, a dependência, o incomodo e a submissão.

Temer não tem cara, quando o chamam de mordomo, é também por isso, porque lhe falta qualquer expressão ou dignididade como a foto escondido no carro, fugindo da sua casa em São Paulo, cercado por manifestantes contra o golpe. Mordomo tambem por ser subserviente dos que detêm a riqueza, para quem, qual laranja, ele abre as portas do governo.

Mas Temer, Jucá e toda a primeira plana do projeto golpista, estão profundamente comprometidos em casos de corrupção, então por que não ter a Eduardo Cunha, o mais enlameado deles, como o símbolo mesmo do golpe? O golpe é inseparável de Eduardo Cunha, ate’ mesmo no fato de que o seu amanhã é totalmente incerto: passará à história como uma aventura anti-democrática de voo curto ou, nem isso, como viúva Porcina, o assalto ao botim do Estado que foi sem nunca ter sido. Eduardo Cunha é o piloto kamikaze dessa aventura.