Golpe é para desmantelar direitos sociais, diz juiz do Trabalho

"Não tenho nenhuma dúvida de que o golpe visa à implantação de um projeto de retrocesso social, ou ainda, de desmantelamento dos direitos sociais”. A afirmação é do juiz do Trabalho André Luiz Machado, presidente da Associação de Magistrados do Trabalho da 6ª Região (Pernambuco). Segundo ele, as forças por trás do pedido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff “são as mesmas que diariamente investem pesado no parlamento no sentido de aprovar leis que retiram direitos dos trabalhadores”.

André Luiz Machado

Por Joana Rozowykwiat

Atualmente, tramita no Congresso Nacional uma série de projetos apresentados por parlamentares da oposição que são apontados como prejudiciais para os trabalhadores. É o caso das propostas que instituem a livre negociação, com a prevalência do negociado sobre o legislado, e a regulamentação da terceirização.

Trata-se de uma pauta apoiada pelos empresários da Fiesp, em campanha pelo impeachment, e defendida pelo PMDB do vice Michel Temer, que almeja chegar à Presidência. O partido é autor do documento Ponte para o Futuro, uma plataforma que reúne propostas para a economia, que seriam aplicadas no caso de o peemedebista assumir, e prega, por exemplo, uma reforma da previdência e o "fim de todas as indexações, seja para salários, benefícios previdenciários e tudo o mais".

Para André Luiz Machado, que concedeu entrevista ao Portal Vermelho, as medidas sugeridas “são velhas conhecidas dos trabalhadores: arrocho salarial, perda da soberania econômica (subordinação do País aos interesses norte-americanos) e terceirização indiscriminada”.

De acordo com o magistrado, o país vivencia o ressurgimento “do velho udenismo brasileiro”, que significa o “menosprezo da elite pelos processos democráticos de inclusão social”. Ele avalia ainda que está em curso um golpe contra as instituições democráticas, “promovido por forças políticas que não se conformam com a derrota nas últimas eleições presidenciais”.

O juiz participou, no último dia 21, de ato na Faculdade de Direito do Recife contra o golpe e em defesa da democracia (foto abaixo). Na ocasião, teceu críticas à condução da Operação Lava Jato. "Hoje infelizmente o salvador da pátria é um magistrado, um colega, que fere, frontalmente, as garantias constitucionais. E isso é visto como normalidade porque o que mais importa é colocar os 'canalhas' na cadeia", condenou André Luiz Machado. Confira abaixo a íntegra da entrevista concedida ao Vermelho:



Portal Vermelho: Como o senhor avalia o atual momento da política brasileira?

André Luiz Machado: Estamos testemunhando o ressurgimento do velho udenismo brasileiro que significa o menosprezo da elite pelos processos democráticos de inclusão social. Menosprezo que se materializa na instrumentalização dos ideais liberais e democráticos apenas quando são convenentes. No momento em que os seus interesses hegemônicos são contrariados, essas elite flerta com experiências autoritárias e não tem escrúpulos em desrespeitar as regras do jogo democrático. Foi assim em 1964 quando se aliaram aos militares para barrar os projetos de emancipação social.

Qual a sua opinião sobre o pedido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff?

O professor Michel Zaidan Filho, da UFPE, foi bastante feliz ao dizer que esse é um pedido de impeachment em busca de um crime. As chamadas pedaladas fiscais não passam de operações financeiras de crédito junto aos bancos oficiais para a realização de políticas públicas compensatórias. Também não se pode falar que a edição de decretos suplementares consista em crime de responsabilidade. Tal prática é corriqueira na administração pública para reforço de dotações orçamentárias. Em rigor, não há desvio ou malversação de dinheiro público. A situação é ainda mais bisonha quando verificamos que os articuladores da conspiração respondem processos por crimes contra a administração pública e querem tirar do poder uma Presidenta que sequer tem instaurado contra si um só procedimento de investigação.

Há uma discussão sobre se, nas circunstâncias atuais, um processo de impeachment seria um golpe. O que o senhor acha?

Sem o cometimento de crime de responsabilidade, devidamente apurado, não há fundamento para o pedido de impeachment, portanto o que estamos testemunhando é um golpe contra as instituições democráticas, promovido por forças políticas que não se conformam com a derrota nas últimas eleições presidenciais.

A oposição que quer o impeachment tem apresentado no Legislativo uma série de projetos que são apontados como prejudiciais aos trabalhadores. São projetos também defendidos pela Fiesp, que apoia o afastamento de Dilma. O senhor crê que esta agenda tem relação com o processo de impeachment?

Eu não tenho nenhuma dúvida de que o golpe visa à implantação de um projeto de retrocesso social, ou ainda, de desmantelamento dos direitos sociais. As forças políticas que estão por detrás do pedido de impeachment são as mesmas que diariamente investem pesado no parlamento no sentido de aprovar leis que retiram direitos dos trabalhadores.

O que significaria um eventual governo do PMDB que aplicasse a plataforma contida no documento Ponte para o Futuro, elaborado pelo partido?

Uma das manifestações da luta de classes é a disputa pelo coração do Estado que é o seu orçamento. A plataforma Ponte para o Futuro do PMDB não passa de um projeto para reduzir o investimento do Estado em políticas públicas compensatórias. As medidas sugeridas são velhas conhecidas dos trabalhadores: arrocho salarial, perda da soberania econômica (subordinação do País aos interesses norte-americanos) e terceirização indiscriminada.

O senhor avalia que há um processo de “judicialização” da política?

Para mim a judicialização da política é um processo global por intermédio do qual o Poder Judiciário é chamado para assumir responsabilidades dos demais Poderes. Esse fenômeno vem sendo registrado desde o segundo pós-guerra muito em razão da perda de confiança da população nos Poderes Legislativos e Executivos. A judicialização da política é positiva quando confere eficácia às normas de direitos humanos e promove a emancipação social. O problema, na verdade, é a partidarização do judiciário, a criminalização da política e dos movimentos sociais e o direcionamento seletivo dos instrumentos de punição a uma determinada agremiação partidária.