Juristas pernambucanos fazem ato pela democracia

Centenas de pessoas se reuniram, na noite desta segunda-feira, nas escadarias da Faculdade de Direito do Recife, durante um ato em defesa do estado democrático de direito. Em frente ao edifício da faculdade, no bairro da Boa Vista, no Centro da capital pernambucana, representantes da comunidade acadêmica protestaram contra "os ataques à democracia brasileira" e discutiram a crise institucional enfrentada pelo país e as suas consequências jurídicas.

Faculdade de Direito do Recife

"Hoje, infelizmente, o salvador da pátria é um magistrado, é um colega, que fere frontalmente as garantias constitucionais. E isso é visto como normalidade porque o que mais importa é colocar os 'canalhas' na cadeia", criticou o juiz do Trabalho, André Luiz Machado.

Para o professor Francisco Queiroz, diretor da FDR, o saneamento da classe política não pode servir de pretesto para se desestabilizar as instituições. "Ao invés de forças militares, artifícios jurídicos são usados para dar uma ideia de legalidade", reclamou.

O posicionamento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra o governo também foi vaiado sob gritos de "vergonha".

“Como profissionais da área jurídica e professores de Direito, nós não podemos ficar calados observando o impeachment, que é um procedimento previsto na Constituição, sendo utilizado como álibi para retirar do poder uma chefe de estado que não cometeu crime de responsabilidade. Trata-se de um uso deturpado desse instrumento para legitimar uma tomada de poder”, afirma Gustavo Ferreira Santos, professor de Direito Constitucional da UFPE e da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), em entrevista ao G1 pelo telefone.

Nesta terça-feira (22), às 11h, cinco professores de Direito da UFPE participam em Brasília de um encontro com a presidente Dilma Rousseff em seu gabinete. “Professores de Direito de várias universidades brasileiras vão mostrar solidariedade a presidente, pois consideram que o processo de impeachment é ilegítimo, pois esse instrumento está sendo utilizado com outra finalidade”, complementa Gustavo.

Com o acirramento das tensões no debate político e jurídico, a comunidade acadêmica da Faculdade de Direito do Recife emitiu uma nota de repúdio "aos ataques à democracia brasileira, bem como sua defesa a preservação dos direitos e garantias fundamentais, conquistados após longos e duros entraves na história do país."

O documento é assinado por professores, núcleos acadêmicos e apoiado por professores de direito de outras instituições.  Confira, a seguir, a íntegra do texto:

Juristas pela Democracia – Pernambuco

Integrantes da comunidade acadêmica da Faculdade de Direito do Recife-UFPE, que subscrevem esta nota, vêm tornar público seu repúdio aos ataques à democracia brasileira, bem como sua defesa a preservação dos direitos e garantias fundamentais, conquistados após longos e duros entraves na história do país. Sabemos da importância do combate à corrupção. As instituições precisam cumprir seu papel. A consolidação democrática exige, pois, a responsabilidade com o patrimônio público e a devida reprimenda dos que contra ele atentam. Esse combate, entretanto, deve acontecer estritamente dentro dos marcos do Estado Democrático de Direito e da Constituição cidadã de 1988. Não é razoável que os procedimentos judiciais se tornem espetáculos midiáticos que desobedecem ao desenvolvimento regular de um processo, ignorando a serenidade e prudência necessárias a um correto julgamento.

Grampos telefônicos verificados em escritórios de advocacia e advogados de investigados comprometem o sigilo profissional; conduções coercitivas em desacordo com o disposto no Código Processo Penal descumprem o devido processo legal; divulgação de conversas telefônicas sem conteúdo criminal, oriundas de grampos, que foram realizados mesmo após o fim da autorização judicial, e desconsideração das competências constitucionalmente estabelecidas para investigação de autoridades com prerrogativa de foro constituem atos judiciais exercitados em desacordo à legalidade estabelecida, violam e comprometem os direitos fundamentais que asseguram um Estado que se pretenda democrático de direito.

A Constituição não é supérflua em estabelecer direitos e garantias aos indivíduos. O Estado de exceção deixou na sociedade brasileira marcas profundas de autoritarismo, até hoje não totalmente superadas em nossas instituições. É nesse contexto que a Universidade não deve apenas para preparar profissionais para servir ao mercado ou desempenhar acriticamente suas funções em gabinetes, há uma dimensão pedagógica que impõe a formação dos juristas para atuar conscientemente na sociedade em que se insere e, portanto, pronto para defender a democracia e os direitos do povo. Tais violações se inserem dentro dessa lógica de educação que costuma ignorar uma formação humanista voltada para preparar as pessoas a lidar com as diferenças e faz com que violações aos direitos constitucionais sejam corriqueiros nas vidas dos brasileiros/as negros/as e pobres.

O poder judiciário possui enorme responsabilidade em ser guardião dos direitos e garantias fundamentais, pois recebeu a missão constitucional de instância protetora dos mesmos. Para tal, a Lei Maior também estabeleceu mecanismos de limitação da atuação judicial a fim de impedir o uso abusivo do poder. Instituiu a garantia ao devido processo legal, que se desdobra na vedação às provas ilícitas, ampla defesa, contraditório, entre outros direitos, denotando da leitura sistemática do artigo 5° da Carta Cidadã a necessidade do julgador investigar, processar e punir os delitos, mas sem desrespeitar direitos individuais.

Afinal, nenhuma autoridade está acima da Constituição, e isso vale para qualquer cidadão/ã, de magistrados/as a presidentes/as da República. Por mais nobres que possam ser as intenções, os fins não justificam os meios. Toda prudência é necessária para que possamos superar estes momentos de crise política, sem abrir mão das conquistas democráticas já alcançadas. Cuidemos com muito carinho e firmeza do nosso ainda jovem Estado democrático de direito."