Embaixadora dos EUA no Brasil atuou no Paraguai antes do golpe

Não se tratasse de política, poderíamos afirmar que é uma coincidência, mas isso dificilmente existe quando é este o caso. A mesma embaixadora dos Estados Unidos que serviu no Paraguai até meses antes do golpe é a responsável pelo Brasil neste momento de crise política no país.

Por Mariana Serafini

Liliana Ayalde - Depto. de Estado dos EUA

Liliana Ayalde serviu como embaixadora dos Estados Unidos no Paraguai de 2008 a 2011 e transferiu seu cargo para James Thessin meses antes do golpe que destituiu o presidente Fernando Lugo, em 22 de junho de 2012. Desde 1º de agosto de 2013 ela exerce a mesma função no Brasil. À época da assunção não houve alarde, nem coletivas ou conversas com a imprensa local.

Pouco mais de um ano depois da posse de Lugo, em 7 dezembro de 2009, Liliana Ayalde escreveu para o departamento de Estado dos Estados Unidos um telegrama – vazado pelo Wikileaks e publicados pela Agência Pública – onde expressa suas ressalvas com relação ao governo paraguaio. “Temos sido cuidadosos em expressar nosso apoio público às instituições democráticas do Paraguai – não a Lugo pessoalmente”.

O “apoio” descrito por Ayalde não é apenas uma questão diplomática, trata-se de milhões de dólares norte-americanos investidos por meio da Usaid (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) em empresas, ONG’s e órgãos não governamentais praticamente impossíveis de serem monitorados no Paraguai. No mesmo relatório a embaixadora é bastante incisiva sobre este controle: “a nossa influência aqui é muito maior que as nossas pegadas”.

Três anos que antecederam as 48 horas do golpe

O golpe no Paraguai foi como um “relâmpago” realizado em apenas 48 horas. Depois de ser derrotado por 39 votos favoráveis ao impeachment no Senado, e ter apenas quatro em apoio, o presidente Fernando Lugo precisou montar sua defesa para recorrer à Suprema no período de 17 horas, mas não foi bem sucedido.

Em um despacho ao departamento de Estado do dia 25 de agosto de 2009 –um ano depois da posse de Lugo – Ayalde afirmou que “a interferência política é a norma; a administração da Justiça se tornou tão distorcida, que os cidadãos perderam a confiança na instituição”. Ou seja, apesar da agilidade do processo de impeachment, a embaixadora já monitorava a movimentação golpista três anos antes do julgamento político. “Esta câmara é famosa por tomar decisões controversas e arbitrárias. (….) Para os aliados de Lugo, obter controle da câmara é fundamental para prevenir um possível impeachment”, escreveu.


Lugo durante pronunciamento minutos após o golpe 


No mesmo despacho afirmou que o “controle político da Suprema Corte é crucial para garantir impunidade dos crimes cometidos por políticos hábeis. Ter amigos na Suprema Corte é ouro puro”. “A presidência e vice-presidência da Corte são fundamentais para garantir o controle político, e os Colorados [partido de oposição ao Lugo que atualmente ocupa a presidência] controlam esses cargos desde 2004. Nos últimos cinco anos, também passaram a controlar a Câmara Constitucional da Corte”.

Completamente exposto, sem nenhum controle sobre a Suprema Corte e com relações desgastadas com os Estados Unidos, o ex-bispo foi deposto. Mas não por falta de aviso, a embaixadora escreveu ao departamento de Estado dizendo que havia deixado claro ao presidente os “benefícios” de manter relações com os EUA, “sem permitir que ele use o apoio da embaixada como um salva-vidas”.

De fato, a embaixada não foi o um “salva-vidas”, muito menos sentiu algum impacto com a deposição do presidente eleito. Um mês depois as relações já estavam consolidadas com o novo presidente, Federico Franco – vice de Lugo que assumiu depois do golpe.

Segundo a Missão Diplomática dos Estados Unidos no Brasil, “a embaixadora Liliana Ayalde vem ao Brasil com 30 anos de experiência no serviço diplomático”.