Martônio Mont'Alverne: O cínico realismo

No seu livro “O Conceito do Político”, Carl Schmitt afirma o quanto “mesquinho” seria o conceito de paz genebrino: paz seria tudo que não fosse guerra. E o que dizer daqueles que dobram seus adversários por meio de intervenções econômicas, a fim de fazerem valer sua vontade sobre o outro, sem qualquer ação militar bélica? Claro que não há como se conceber paz aqui.

Por Martônio Mont'Alverne*

Martonio MontAlverne

Nosso País encontra-se numa autêntica escalada golpista, desde que não se opte por um conceito “mesquinho” de golpe. Não será somente golpe um movimento político a pôr forças armadas na rua, além de haver uma infinidade de maneiras a operacionalizarem atentados à democracia: unilateralidade de investigações; usurpação de competências constitucionais por parte do Poder Judiciário; divulgação escolhida de informações contra somente um grupo de atores políticos; negativa de acesso à investigação a advogados de acusados com divulgação das mesmas acusações pela imprensa; moralismo autoritário a reputar como bom o que este moralismo autoritário messiânico deseja, mas não por ser boa a coisa em si.

O elemento principal de novas modalidades de golpe origina-se do ‘animus belligerandi’, incentivado por meios de comunicações e por lideranças vazias e de ocasião, a manipularem sem o menor pudor todas as informações, até consolidarem o desencanto, a tristeza. O afeto da tristeza traz a melancolia, que, por causas externas, ascende à condição de ódio. Este é a diminuição da potência do existir juntos, de sermos uns em relação aos outros, como advertiu Spinoza desde o século 17.

O cínico realismo dos dias atuais, atiçado pelo ódio, clama contra uma generalizada corrupção da política e dos políticos, enquanto esconde sua própria corrupção histórica e seu autoritarismo, ao difundir a ideia de que órgãos fiscalizadores restaurarão as boas ordem e razão, e não o povo por suas livres escolhas.

Até um olhar desatento da história avisa-nos que não se combate a corrupção com sentenças judiciais, mesmo porque a burocracia judiciária (não somente o Poder Judiciário!) é infestada de corrupção e privilégios; embora corrupção e privilégios não atinjam a todos o que a fazem. A alternativa é a política democrática ininterrupta, levada a cabo pelo povo que escolheu os políticos e que aprenderá com seus erros. Espero que a coruja de Minerva não aguarde mais o escurecer para alçar seu voo, quando já seria tarde demais.

Martonio Mont’Alverne é Presidente do Instituto Latino-Americano de Estudos em Direito, Política e Democracia (ILAEDPD)