Jânio de Freitas e o rigor da Lava Jato

O jornalista e colunista da Folha de S. Paulo, Jânio de Freitas, comentou em sua coluna deste domingo (14), intitulada “Em defesa do rigor”, o comportamento do juiz Sérgio Moro e dos procuradores da República na condução da Operação Lava Jato.

Jânio de Freitas

Jânio de Freitas inicia seu texto falando sobre as denúncias que fez no passado de fraudes em licitações entre governo e grandes empresas. Diz ele: “Os donos e dirigentes das grandes empreiteiras começavam a ver a Folha pela página A5. Em várias delas, eu soube também, havia encarregados de examinar todos os pequenos anúncios, todos os dias. Procuravam, no lugar então fixo desta coluna hoje volátil, e também em possíveis anúncios cifrados, a revelação da fraude na próxima grande licitação de obra pública. Foi preciso usar outros jornais, com modalidades diferentes, e um desequilibrado dirigente de O Globo até me prometeu, literalmente, acabar comigo, porque usei os classificados do jornal – não para provocar o neurótico, claro, mas pela urgência de usar o jornal que encerrava mais tarde a recepção de anúncios”.

Num trecho mais adiante, Freitas relata que foi investigado e processado em razão de suas denúncias: “Foram também vários processos contra mim, dois inquéritos policiais (um da Polícia Federal, a mando do diretor Romeu Tuma, outro da polícia fluminense, a mando de Moreira) e uma CPI no Senado. Nenhuma condenação. Fui defendido por alguns dos mais brilhantes advogados, sem ser cobrado em um centavo sequer. Palavras de Márcio Thomaz Bastos: ‘Defender você foi serviço público’”.

Jânio de Freitas, a certa altura, comenta a atitude do juiz e dos procuradores com relação à atuação dos advogados na operação que investiga irregularidades na Petrobras: “Por si mesmos, esses fatos não têm mais interesse. Mas têm uma função. Atestam que advogados aptos a ganhar muito bem na defesa das ricas empreiteiras, alguns procurados por elas, provaram não ser meros mercenários. Entre esses advogados, há quem tenha clientes na Lava Jato. E esteja entre os inconformados com alguns procedimentos de procuradores e do juiz Sérgio Moro. Suas ponderações, formais ou pessoais, porém, são recebidas com menosprezo, quando não com mal disfarçada arrogância. Tal atitude não é rara na magistratura e no Ministério Público, mas se a Lava Jato ostenta a pretensão de estar corrigindo costumes inadmissíveis, só pode ter autoridade moral se não incorrer, ela própria, em alguns deles”.

Ao citar a carta publicada por centenas de advogados criticando a condução da Operação Lava Jato, Jânia a chama de “emocional” mas, ao mesmo tempo, indaga se as questões levantadas eram infundadas, “a ponto de só merecerem da Lava Jato umas poucas e duvidosas ironias”. Em seguida afirma: “Tanto não era o caso, que logo viria a reclamação do ocorrido ao depoimento do delator premiado Paulo Roberto Costa. Sua frase inocentando um acusado, com ênfase e convicção, foi omitida na transcrição e substituída por uma afirmação frágil”.

Ainda sobre o depoimento de Paulo Roberto Costa, Jânio de Freitas afirma: “A meio do Carnaval, a Folha trouxe respostas de Roberson Henrique Pozzobon, procurador integrante da Lava Jato, a diversos questionamentos à operação. O problema com a frase de Paulo Roberto, a seu ver, é ‘tempestade em copo d'água’, decorrente de releitura equivocada de advogado de defesa. Não houve erro de leitura nem de releitura: o texto da Lava Jato é muito claro. O erro foi de redação na Lava Jato, precedido de erro ético, ou mais, muito grave”.

Sobre a forma como são obtidas as delações premiadas, o colunistas comenta a resposta do representante do Ministério Público: “A percepção de que prisões duradouras são feitas como coação para obter delações premiadas é, segundo Pozzobon, ‘uma falácia gigante’. Não. É uma evidência. Com repetições numerosas. Evidência que os procuradores e o juiz da Lava Jato não demonstraram ser ilusória, antes fortalecendo-a com novas repetições”. Ainda sobre esta questão das delações: “Pozzobon recupera o argumento de que ‘mais de 70% dos acordos celebrados [de delação premiada] com réus da operação ocorreram enquanto estes estavam soltos’ (texto da Folha). Os 70% soltos não provam a inexistência de coação sobre os 30% que estavam presos. E nada prova que, soltos, muitos dos 70% não se entregaram ao acordo por medo à ameaça de serem presos”.

A tentativa do juiz Sérgio Moro de desqualificar a atuação dos advogados é rebatida por Jânio de Freitas em patamar muito elevado. Ao rebater a afirmação de Moro de que os advogados reclamam por interesse dos seus clientes, o jornalista afirma: “Óbvio, não? Mas enganoso. Na defesa de procedimentos judiciais corretos, o suspeito, o acusado e o condenado são circunstanciais, são apenas instrumentos. O que é defendido é o Estado de Direito, é a democracia, é a Constituição. É cada cidadão, cada um de nós”.

Ao final, o experiente e respeitado jornalista afirma: “O rigor nos procedimentos não impede e nem mesmo dificulta investigações e a condenação de quem deva tê-la. O contrário do rigor foi o que começou como mau uso de poder, na Petrobras, e levou à criação da Lava Jato”.