Recuo do BC foi um alívio, mas juros ainda são os mais altos do mundo

Se a expectativa inicial era de que o Banco Central aumentaria a taxa de juros, esmagando de vez a economia, o anúncio de que o Copom optou por manter a Selic no atual patamar causou certo alívio. Mas a decisão está longe de ser celebrada por trabalhadores, empresários e economistas comprometidos com o crescimento brasileiro. Para eles, a Selic precisa mesmo é cair. Afinal, o Brasil continua tendo uma das maiores taxas de juros do mundo, que beneficia rentistas mas prejudica o país.

Manifestação de trabalhadores contra juros altos

Por Joana Rozowykwiat

“Menos mal que o Copom tenha decidido manter, e não elevar a taxa de juros, como queria a maior parte do mercado financeiro. O desafio, agora, é iniciar o mais rápido possível a sua redução, lembrando que a taxa real (descontando-se a inflação projetada) é de incríveis quase 7% ao ano, a maior do mundo”, escreveu o professor de Economia da PUC-SP, Antonio Correa de Lacerda, em sua página no Facebook.

Em entrevista ao Portal Vermelho, o professor da UFRJ e ex-diretor do Ipea, João Sicsú, foi na mesma linha. “Me sinto, sim, aliviado por essa decisão [do BC], mas penso que comemorar já é exagero, porque, em verdade, a taxa continua muito elevada, uma taxa de 14,25% é estratosférica. E o que precisamos é reduzi-la”, disse.

De acordo com pesquisa da Infinity Asset Management em parceria com o site MoneYou, o Brasil possui os juros reais mais altos, entre os 40 países pesquisados. Os juros rendem, no Brasil, altíssimos 6,78% ao ano. O distante segundo colocado no ranking do rentismo é a Rússia (onde os juros reais são de 2,78%), seguida pela China (com taxa real de 2,61%).

As taxas elevadas são justificadas pelo Banco Central como uma forma de controlar o aumento de preços. De acordo com os números da inflação brasileira, no entanto, a estratégia não tem dado certo.

Como destacou o economista Paulo Kliass, em recente artigo, o IPCA estava em 6,4% anuais em dezembro de 2014, quando a Selic estava em 11,25%. O BC então subiu a Selic para 14,25% ao longo do ano e a inflação, ao invés de baixar, continuou subindo e superou os dois dígitos.

Sicsú reitera que a inflação brasileira não é sensível à redução de demanda, que é o efeito acarretado por uma taxa de juros elevada. “A elevação e taxa de juros provoca redução de demanda, desaquecimento, desemprego. Nossa inflação não é sensível a esses fatores. Não tem a ver com as pessoas estarem comprando muito e por isso os preços estarem subindo. Antes fosse! Antes tivéssemos vivendo uma situação de as filas do supermercado estarem enormes, com os produtos desaparecendo das prateleiras. Aí, eu até aplaudiria o BC aumentar juros. Mas não é o caso”, disse.

Segundo ele, basta olhar para o atual estado da economia brasileira, que enfrenta uma recessão, para entender que a inflação não está relacionada à taxa de juros. “Nossa inflação tem a ver com a elevação de preços administrados – particularmente gasolina, diesel e eletricidade –, com choques climáticos que provocam a elevação de preços de alimentos e também com o fato de que os alimentos têm variação de preço provocada por especulação no mercado internacional de commodities”, apontou.

De onde vem a pressão?

Trabalhadores, empresários e acadêmicos brasileiros já alertavam que ter juros em patamares tão elevados só aprofundaria a crise, atrapalhando a retomada do crescimento, gerando desemprego e queda da renda. Mas o fator determinante para a decisão do Banco Central de não aumentar a Selic parece ter vindo de fora. Foi após o Fundo Monetário Internacional (FMI) revisar para pior as suas estimativas para a economia brasileira, que o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, sinalizou ter mudado de ideia em relação à escalada dos juros.

Na mídia brasileira, no entanto, o discurso que predomina é o de que Tombini cedeu às pressões do governo e do PT. Veículos de comunicação acusam, inclusive, a perda de autonomia do Banco Central.

Para Sicsú, a ladainha é antiga e a crítica aparece de tempos em tempos, quando convém. “Esses comentários são recorrentes. Quando se eleva a taxa de juros, o BC é independente; quando se mantém ou se reduz a Selic, ele perdeu a autonomia. É a regra básica do discurso de oposição e conservador. É inexplicável esse critério”, ironizou.

O professor, no entanto, afirmou que esta é uma discussão que não lhe interessa, uma vez que, na sua opinião, o Banco Central deve mesmo atuar de forma articulada com o governo. “Eu acho que Banco Central não tem que ter independência, é um órgão de Estado e deve trabalhar de forma articulada com o governo central. E, se foi uma orientação da presidenta não elevar a taxa de juros, ótimo! Quando se tem inflação, problemas cambiais, a sociedade não responsabiliza o BC, responsabiliza o governo. Então o governo tem que ser responsável pelos instrumentos de política econômica, como taxa de juros”, opinou.

Trabalhadores lutam por redução

Entre os trabalhadores, a opinião também é de que a manutenção da Selic no atual patamar é um passo tímido. Wagner Gomes, secretário-geral da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), avaliou que foi uma atitude importante do BC, porém disse que espera uma tendência de baixa dos juros.

“A sinalização é importante, mas a briga é para baixar os juros, para compensar investir na produção. Hoje, é mais fácil colocar dinheiro no rentismo do que na produção. As indústrias vão diminuindo o número de empregos. A expectativa dos trabalhadores é que a próxima reunião dê sequência a uma baixa de juros”, defendeu.

De acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), 1,54 milhão de pessoas perderam seus empregos no ano passado.

João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força Sindical, deu declaração semelhante ao Vermelho. E anunciou a manutenção das mobilizações pela redução da Selic. “Foi uma sinalização positiva do BC, porque o mercado que vive da alta dos juros apostava que ia aumentar. Para os trabalhadores é importante não ter subido os juros e continuarem as manifestações. Se os juros sobem, o desemprego sobe mais ainda. E a Selic ainda está muito alta. Vamos manter os atos sempre que acontecerem os anúncios da taxa. A decisão dá fôlego para os sindicalistas manterem a unidade para enfrentar a política econômica”, afirmou.

Já a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) criticou com veemência a decisão do Copom e defendeu a queda dos juros. “Manter a taxa básica de juros só serve para manter a economia em recessão, com impactos negativos na geração de empregos, o movimento sindical está cansado de repetir isso. Aprofunda a crise brasileira, aumenta a dívida pública e drena recursos da sociedade para o rentismo, ou seja, para os banqueiros”, ressaltou o presidente da Contraf-CUT Roberto von der Osten, no site da entidade.

Ele lembra que a Selic é apenas a taxa referencial para a economia e que, na prática, os juros aplicados pelos bancos são muito maiores, afetando investimentos e consumo. “As taxas de juros do cartão de crédito, por exemplo, já ultrapassam os 400% ao ano, em média. Há bancos cobrando mais de 700%, segundo o próprio Banco Central tem divulgado em seu site”, explicou o presidente da entidade.

O sindicalista destacou o aumento do desemprego e sua relação com os juros altos. “Para um país crescer é necessário que se elevem os investimentos, seja por parte das empresas ou pelo governo. Sendo assim, é contraditória a ação do Banco Central em manter a taxa de juros básica da economia”, encerrou Roberto von der Osten.

Indústria concorda

Na outra ponta, em nota, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) também avaliou que o BC tomou a decisão mais sensata “diante da recessão da economia brasileira e das incertezas” do cenário global.

“A indústria considera inaceitável a inflação de dois dígitos. Mas destaca que os aumentos recentes dos índices são resultado dos reajustes dos preços administrados, das expectativas negativas e da inércia inflacionária. Por isso, o uso da taxa de juros como único instrumento de controle da inflação é pouco efetivo e aprofunda a recessão”, expressou a entidade.

A Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) concordou. “Pelo que temos observado, a política de juros elevados do Banco Central provavelmente não será capaz de afetar substancialmente a dinâmica da inflação futura, mas certamente desestimulará  consideravelmente o investimento produtivo no país, pressionando a oferta de empregos, reduzindo o consumo das famílias e, consequentemente, impedindo a retomada do crescimento econômico”, escreveu a Fiemg, na última quarta.

* Colaborou Railídia Carvalho