Sem saída, consórcio golpista resgata “central de vazamentos” de 2015

A jogada do consórcio oposicionista é clara: manter os vazamentos seletivos, para tentar repetir o clima que existia entre março e abril do ano passado e insuflar os atos golpistas marcados para março deste ano.

Por Dayane Santos

Nestor Cervero

De posse de um depoimento de Nestor Cerveró, ex-diretor da área Internacional da Petrobras, concedido antes de assinar sua delação premiada, veículos da grande mídia que tiveram acesso exclusivo ao depoimento, divulgam a conta-gotas e seletivamente os trechos do documento.

Nesta segunda-feira (11), a imprensa divulgou uma primeira parte do depoimento de Cerveró na qual ele diz que a compra do conglomerado de energia argentino Pérez Companc (PeCom) pela Petrobras, em julho de 2002, “envolveu uma propina ao governo FHC de US$ 100 milhões”. Em todas as publicações desta segunda, não havia informação específica de quem no governo FHC recebeu a dita propina, mas detalhava como foi o acerto para chegar ao pagamento, que envolveu um grupo argentino.

Mantendo o clima de “vazamentos bombásticos”, outra parte do mesmo depoimento de Cerveró foi divulgada nesta terça-feira (12), só que desta vez, o nome do ex-presidente Lula aparece. Segundo o delator, o então presidente teria oferecido um cargo público em 2008 como “reconhecimento” pela ajuda que Cerveró supostamente prestou para quitar um empréstimo de R$ 12 milhões que a Operação Lava Jato aponta como fraudado.

Apesar da imprensa desde a véspera do segundo turno de 2014, com a capa da revista Veja, tentar inserir Lula e Dilma nas investigações da Lava Jato, a Folha de S. Paulo disse: “Esta é a primeira vez que um delator do caso envolve Lula diretamente no episódio”.

Na delação, segundo a mídia que teve acesso aos documentos, Cerveró disse, entre outras afirmações de suposto tráfico de influência – crime que a imprensa tenta a todo custo imputar ao ex-presidente –, que Lula “decidiu indicar” seu nome para o novo cargo “como reconhecimento” por ele “ter viabilizado a contratação da Schahin como operadora da sonda”, quando era diretor do setor, entre 2003 e 2008, e em seguida, foi nomeado diretor financeiro e de serviços na BR Distribuidora.

Lula rechaça

O Instituto Lula divulgou nota também nesta segunda (11) em que afirma: “Não comentamos vazamentos ilegais, seletivos e parciais de supostas alegações que alimentam a um mercado de delações sem provas em troca de benefícios penais”.

Mas um fato chama a atenção e se torna marca de todos os vazamentos divulgados pela grande mídia: pelos menos quatro delatores da Lava Jato – Cerveró, Pedro Barusco, Augusto Mendonça e Mário Góes – já afirmaram por vezes que o esquema de propinas na Petrobras existia desde o governo do tucano Fernando Henrique Cardozo, ou seja, antes de 2002, mas as investigações se mantém a partir do governo Lula (2003).

Seria seletividade da imprensa ao divulgar os depoimentos ou das investigações? É escancarado o menor interesse da Polícia Federal, do Judiciário e da mídia, em investigar casos que atingem tucanos, definindo assim uma data específica para estabelecer o que supostamente seria indício de crime e o que deve ser descartado.

Um exemplo disso é o depoimento de Pedro Barusco, funcionário de carreira e ex-gerente de tecnologia da Petrobras, que disse que começou a receber propina em 1997, portanto durante o primeiro mandato do governo FHC. Apesar da afirmação, não há não por parte dos investigadores uma única pergunta direcionada ao período anterior à chegada do PT na Presidência, o que indica uma indução evidente nas investigações.

Barusco disse que esquema funcionava desde 1990

Barusco aponta um acordo firmado no período FHC para o fornecimento de um navio à Transpetro. O engenheiro disse até que abriu uma conta na Suíça no final da década de 1990 para receber as remessas ilegais de dinheiro da SBM, que totalizaram nada menos que US$ 22 milhões até 2010.

“(Barusco) afirma que começou a receber propina em 1997 ou 1998 da empresa holandesa SBM, enquanto ocupava cargo de gerente de tecnologia de instalações, no âmbito da diretoria de Exploração e Produção”, diz o termo de delação premiada do ex-gerente divulgado em fevereiro de 2015, que afirma que a propina era paga por intermédio do representante da companhia holandesa no Brasil, Julio Faerman. “Sendo uma iniciativa que surgiu de ambos os lados e se tornou sistemática no segundo contrato (…) firmado entre a SBM e a Petrobras no ano 2000”, completa o documento.

Em novembro de 2014, em seu primeiro depoimento, Barusco já havia confessado que desviava verbas por meio de contratos da estatal desde 1996. Mesmo assim nenhuma investigação foi feita sobre as delações de delator no período anterior.

Outro delator da Lava Jato, Mário Góes, operador para a Diretoria de Serviços da Petrobras, também afirmou em depoimento à Polícia Federal, que o esquema de propinas em contratos da Petrobras funcionava desde a década de 1990.

Ele contou que ouviu do ex-gerente de Serviços, Pedro Barusco, que Denise Kos, operadora de contas para movimentar propinas na Suíça, foi apresentada a ele por Julio Faerman, representante da SBM que teria negociado suborno desde o primeiro contrato de navio-plataforma da Petrobras, no governo tucano.

No entanto, a investigação da Polícia Federal apenas apontou as propinas recebidas por Góes de empreiteiras, entre 2003 e 2014, que chegam a R$ 220 milhões.

Cartel das empreiteiras

Augusto de Mendonça, empresário do Grupo Setal Óleo e Gás, também disse em depoimento no processo aberto contra os executivos ligados à Odebrecht, que as empreiteiras pagavam propinas a dirigentes da estatal petrolífera desde “o final dos anos 90”.

Segundo ele, as empresas discutiam quem teria prioridades em determinadas obras e outras não atrapalhariam oferecendo preços superiores. “As empresas discutiam e escolhiam quais as oportunidades que gostariam de participar, havia um acordo entre elas”, disse.

Chamamos a atenção para as perguntas e respostas de Mendonça em depoimento. Quando questionado pelo juiz Sergio Moro, ídolo da oposição e responsável pelo inquérito da Lava Jato no Paraná, sobre o motivo do pagamento ilícito, o delator disse: “Pagavam porque a capacidade de um diretor da Petrobras de atrapalhar é muito grande. Todas as empresas tinham medo de não pagar. Eu acredito que todas pagavam”.

Em outro trecho, Mendonça afirma: “Conforme já fiz, já declarei em outros depoimentos, eu fazia um pagamento ao doutor Pedro Barusco, ao doutor Renato Duque e, se havia um entendimento deles com o doutor João Vaccari [ex-tesoureiro do PT], era um entendimento deles, o entendimento que eu tive com o doutor João Vaccari foram contribuições legais que ele solicitou e eu fiz, através das minhas empresas, dentro dos limites legais estabelecidos”.

Moro questionou: “E essas contribuições não estavam relacionadas a esses valores de propina da Petrobras?”. Mendonça respondeu: “No meu caso, não”.

Moro insistiu: “O senhor, na conversa que o senhor teve com o senhor João Vaccari, o senhor mencionou que esses valores eram decorrentes de contratos da Petrobras?”. “Não, senhor”, respondeu.

“O senhor mencionou que estava procurando a pedido do Renato Duque?”, perguntou Moro. “Não, senhor”, disse o empresário. Moro novamente persistiu: “O senhor não explicou a origem desses valores que isso era decorrente de acertos de propina com o senhor Renato Duque?”. E Mendonça respondeu: “Não, senhor”.

Até FHC confirmou

Nem mesmo Fernando Henrique negou que sabia do esquema. Segundo o “diário” de FHC, livro que o tucano publicou recentemente, ele teria sido alertado sobre um “escândalo” na Petrobras em 1996. O ex-presidente descreve uma conversa que teve com Benjamin Steinbruch, o dono da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), a maior companhia siderúrgica da América Latina que foi privatizada em 1993. Steinbruch foi nomeado por FHC para o Conselho da Petrobras.

Relata o tucano: “Eu queria ouvi-lo sobre a Petrobras. Ele me disse que a Petrobras é um escândalo. Quem manobra tudo e manda mesmo é o Orlando Galvão Filho, embora Joel Rennó tenha autoridade sobre Orlando Galvão”. FHC está se referindo ao então presidente da BR Distribuidora (Galvão Filho) e ao então presidente da estatal (Joel Rennó). Nesse mesmo período o jornalista Paulo Francis fez uma denúncia ao vivo na TV, durante o programa Manhattan Connection, sobre um esquema de corrupção na estatal.

Ainda de acordo com as anotações do diário de FHC, o que tirava seu sono era que na estatal “todos os diretores da Petrobras são os mesmos do Conselho de Administração”. Tirava o sono, mas não tirou ninguém do cargo, porque?

E apesar de dizer no livro-diário que se tratava de “uma coisa completamente descabida” e que estava muito indignado, levando até a pensar que o fato necessitava de uma “intervenção”, o ex-presidente tucano admitiu que não fez nada.

“Acho que é preciso intervir na Petrobras. O problema é que eu não quero mexer antes da aprovação da lei de regulamentação do petróleo pelo Congresso, e também tenho que ter pessoas competentes para botar lá”, escreveu em suas anotações revelando o seu real interesse: privatizar a Petrobras e a entregar ao cartel internacional de petróleo, pois a referida lei é a 9.478/97, de paternidade de David Zylbersztajn – seu genro e então diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Ele liderou a quebra do monopólio da Petrobras na exploração do petróleo no Brasil, realizando o primeiro leilão de áreas de exploração aberto à iniciativa privada, nos dias 15 e 16 de junho de 1999. Esses fatos também foram confirmados pelos depoimentos de réus confessos nas investigações da Operação Lava Jato.

Enquanto a oposição golpista bravateia acusando o PT e os partidos aliados de aparelharem o Estado para manter a corrupção e a impunidade, o governo mantém a autonomia das instituições, não exercendo controle político na Polícia Federal, não aparelhando o Poder Judiciário e respeitando as indicações feitas no Ministério Público. É por isso que o país hoje pode ver passar a limpo uma história que ficou durante anos debaixo do tapete dos governos tucanos.

No entanto, a velha mídia e setores institucionais mantêm dois pesos e duas medidas para proteger interesses alheios ao do país. Até quando isso vai se sustentar?