Direita chilena propõe castigar quem enaltecer Salvador Allende

O ano é 2016, mas se depender dos parlamentares da direita do Chile, o sistema político pode voltar a ser o mesmo do ditador Augusto Pinochet (1973-1990). Isso porque os legisladores propuseram a criação de uma lei cujo objetivo é multar em aproximadamente US$ 316 ou prender qualquer pessoal que “enalteça” o governo de Salvador Allende (1970-1973).

Por Mariana Serafini

Salvador Allende - Reprodução

O projeto foi apresentado nesta segunda-feira (4) pelos deputados do partido de direita União Democrática Independente (UDI) Jorge Ulloa, Gustavo Hasbún e Ignacio Urrutia. De acordo com o documento, o objetivo é “castigar” qualquer pessoa que “enalteça” governos que “feriram o Estado de Direito”, “como o de Salvador Allende” e “neguem ou minimizem os efeitos” destes governos.

Os deputados alegam que o governo de Allende “feriu o Estado de Direito” e “rachou a sociedade” ao aplicar medidas consideradas por eles prejudiciais, entre elas a reforma agrária que expropriou os latifúndios do Chile e dividiu as terras entre mais de 200 mil camponeses. Para os parlamentares, esta ação “prejudicou famílias” que sentem os efeitos “até hoje”.

“É possível indicar que sob o regime de Allende, garantias constitucionais de grande valor foram transgredidas, como o direito à propriedade, liberdade de associação e outros direitos constitucionais que causaram perdas irreparáveis que até hoje prejudicam as vítimas e suas famílias”, afirma o documento.

Em outro trecho os parlamentares afirmam ainda que a “forma de fazer política” da “esquerda radical” fortaleceu movimentos e associações de esquerda “terroristas e extrainstitucionais” como o Movimento de Esquerda Revolucionário (MIR, na sigla em espanhol). O MIR foi um grupo de jovens socialistas e comunistas criado em 1965 com o objetivo de apoiar a revolução no Chile que mais tarde, durante a ditadura de Pinochet, teve um importante papel na resistência.

Os parlamentares acusam ainda o governo de Allende de dar abertura para os partidos Socialista e Comunista se tornaram “mais radicais”, e introduzir “inimizade” na política chilena, “transformando a atividade pública em uma trincheira na qual os chilenos se encontravam alheios”.


A ditadura de Pinochet transformou o Estádio Nacional do Chile em um verdadeiro campo de concentração onde centenas de chilenos foram assassinados por defender a democracia

Esta sociedade unida e cordial idealizada pelos representantes do UDI coincidentemente é a mesma que três anos depois da posse de Allende apoiou o golpe militar do general Augusto Pinochet. A ditadura chilena durou quase 20 anos e causou mais de 40 mil vítimas, entre elas 3.225 mortos ou desaparecidos.

Já o presidente Allende, que após ter sido eleito democraticamente nas urnas foi assassinado no Palácio La Moneda, promoveu uma série de mudanças positivas durante seus três anos de governo. Além da reforma agrária, que beneficiou mais de 200 mil camponeses, ele nacionalizou o cobre, o ferro, mais de 91 indústrias. Além disso, ampliou em 89% o acesso de indígenas à universidade, em 80% o programa alimentar do país e construiu uma unidade de saúde para cada 40 mil habitantes.