Fábio Flora: Quês de ano novo 

Que as nuvens tirem férias no réveillon. Que a contagem regressiva termine em abraços. Que os fogos explodam os maus pensamentos. Que o champanhe adoce as ideias. Que a ceia engorde a esperança. Que a música ensurdeça o desânimo. Que as ondas levem as notícias ruins. Que os ventos tragam as boas. Que a saideira afogue os pessimismos. Que mais festas como essa se repitam. Que as férias demorem a acabar. Que aquele senador e seus eleitores aceitem o resultado das urnas.

Por Fábio Flora * 

Fábio Flora: Quês de ano novo

Que o verão não faça a gente se sentir em Mordor. Que chova um Rio Doce inteirinho nos reservatórios. Que seja amarga a pena para os responsáveis pela tragédia em Mariana. Que eu ganhe muito chocolate: doce ou amargo. Que o Faustão abra a boca só para comer. Que a Cláudia Leitte entenda de uma vez por todas: Ivete só tem uma. Que a Lícia Manzo escreva mais novelas. Que o Discovery compre episódios inéditos dos Irmãos à obra. Que aquele senador e seus eleitores aceitem o resultado das urnas.

Que não se confunda liberdade de expressão com liberdade de manipulação. Que as pessoas não se contentem com as manchetes. Que ouçam quem pensa diferente. Que opinem menos e argumentem mais. Que não espalhem desinformação nem reforcem preconceitos. Que duvidem dos especialistas entrevistados na tevê. Que não troquem o bom humor pelo mau gosto. Que aquele senador e seus eleitores aceitem o resultado das urnas.

Que venham muitas medalhas. Que os atletas brasileiros joguem como Neymar e falem como Joana Maranhão. Que o Vasco volte à primeira divisão e não saia mais de lá. Que a seleção mereça novamente a inicial maiúscula. Que a audiência do Linha de passe seja cada vez maior que a do Bem, amigos. Que acabem os direitos exclusivos de transmissão. Que se democratize a mídia. Que o futebol e o carnaval sejam realmente para todos. Que aquele senador e seus eleitores aceitem o resultado das urnas.

Que panelas sejam usadas para matar a fome. Que o Bolsa Família não sofra cortes. Que mais pobres e negros ingressem nas universidades. Que os estudantes de Sampa endureçam se necessário – pero sem perder a ternura. Que os índios sejam enfim ouvidos após 515 anos. Que refugiados encontrem portas abertas. Que mais gente viaje de avião pela primeira vez. Que se construam menos muros e mais pontes. Que se exercite a empatia. Que aquele senador e seus eleitores aceitem o resultado das urnas.

Que a Comic-Con venha para o Rio. Que mais tirinhas da Mafalda sejam compartilhadas. Que o Oscar premie os melhores. Que o mundo tenha um décimo da elegância de Julie Andrews e da lucidez do Chico. Que desliguem os celulares no cinema, please. Que os bons filmes nacionais sejam descobertos pelos brasileiros. Que se erradique de vez a síndrome de vira-lata. Que poetas e músicos recebam passe livre no metrô. Que aquele senador e seus eleitores aceitem o resultado das urnas.

Que todo cidadão seja considerado inocente até que se prove o contrário. Que os amigos do Aécio também sejam investigados. Que se respeite a democracia. Que Noam Chomsky e Ciro Gomes deem mais entrevistas. Que as bochechas de Pepe Mujica virem patrimônio da humanidade. Que a redação do Enem seja sobre as desigualdades promovidas pelo capitalismo. Que o Eduardo Cunha deixe o PMDB e vá para a PQP. Que aquele senador e seus eleitores aceitem o resultado das urnas.

Que mãe, pai, mano, tios, primos esbanjem saúde. Que eu encontre os amigos mais vezes. Que muitas segundas e sextas sejam enforcadas. Que a Fernanda continue a fazer de mim a minha melhor versão. Que atravessemos o Atlântico outra vez. Que eu ganhe leitores. Que os leitores ganhem algum lendo meus textos. Que todo mundo saia bem na foto. Que a conexão seja mais veloz. Que o povo substitua o WhatsApp por vida, por exemplo. Que aquele senador e seus eleitores aceitem o resultado das urnas.

Sobretudo: que a Força esteja com você. Sempre.