Mônica Dias Martins: O azarão

Único socialista entre os congressistas estadunidenses, Bernie Sanders, chamado pelos opositores de “vermelho”, tem sido incansável nas críticas ao sistema financeiro. Com a fala carregada de sotaque do Brooklin, responsabiliza o governo e os bancos pelo empobrecimento da classe média e pela corrupção da democracia.

Bernie Sauders

Suas ideias ressoam nas ruas, são debatidas nas universidades, chegam à mídia e podem ameaçar as pretensões de Hillary Clinton na disputa pelas eleições primárias do Partido Democrata. Seus comícios reúnem milhares de pessoas, inclusive em redutos do ultraconservador Tea Party. Cresce a aceitação de seu nome nas pesquisas assim como as contribuições financeiras para a campanha, que já igualam a de sua principal opositora. Mas quem é este candidato “azarão” que não faz muito tempo aparentava tão pouca chance de vitória?

Ainda jovem, Bernie trabalhou como carpinteiro, jornalista, cineasta amador, escritor e pesquisador da Sociedade Histórica do Povo Americano. Ao ingressar na Universidade de Chicago, militou contra a guerra no Vietnã e o racismo. Após três bem-sucedidas gestões consecutivas na Prefeitura de Burlington, estado de Vermont, foi eleito deputado em 1990, tornando-se o primeiro parlamentar independente no Congresso dos Estados Unidos. Embora as relações com o Partido Democrata não fossem tranquilas, Bernie endossou suas indicações para presidente e coordenou o grupo de democratas progressistas, recebendo em troca cadeiras da cota do partido nas comissões da Câmara.

No final de 2006, elegeu-se para o Senado com 65,4% dos votos e uma ampla plataforma: reforma do sistema de saúde, limitação do cartel da mídia, auditoria no Federal Reserve, aumento dos benefícios aos veteranos, retirada das tropas do Iraque e Afeganistão, direitos dos homossexuais, renegociação do Tratado de Livre Comércio da América do Norte, energia limpa e nova política comercial para a China e a América Latina. Destaques na sua atuação parlamentar foram a proposta de taxação dos ricos e a luta contra o projeto de Defesa Nacional, que aprimorava o Ato Patriota, permitindo ao Executivo prender civis em qualquer país e submetê-los a julgamento nos EUA.

A atuação do senador desafia o modelo de democracia que a potência militarista procura impor a povos diversos, usando uma arma com poder de atração universal: a promessa de uma vida melhor. Nada mais hipócrita em uma sociedade onde 1% da população desfruta de 60% da renda total, 47 milhões de pessoas vivem na pobreza e 2,2 milhões, na maioria latinos, negros e indígenas, estão presos. A resposta de Obama a essa situação é patética: “Há uma profunda frustração sobre o fato de a essência do sonho americano – que é se você trabalha e persiste, você consegue – estar se perdendo”.

Desde 2010, as corporações fazem gastos estrondosos nas campanhas eleitorais, legalizando a prática de lobby em um sistema político no qual o presidente não é eleito diretamente, o eleitor não dispõe de alternativas na escolha de seus representantes, o cidadão encontra dificuldades para exercer o direito de voto e a apuração dos resultados é ineficiente. Com milhares de dólares canalizados aos candidatos sem deixar rastro, os EUA parecem um caso exemplar de país que tem o melhor governo que o dinheiro pode comprar.

O discurso de Bernie em defesa do socialismo democrático traz à tona o debate sobre a concepção e as experiências de democracia, relacionando-as com as aflições do presente e as lutas históricas pelos direitos trabalhistas e civis, contra as discriminações e as guerras. Crítico de toda forma de violência, seja a brutalidade policial doméstica seja a mudança de regimes pelas armas, seu posicionamento em prol da criação do Estado da Palestina e pelo fim da política externa intervencionista dos EUA constituem questões centrais da atual campanha.

Sua vitória como candidato a presidente do Partido Democrata depende da pressão popular que, em certa medida, pauta os meios de comunicação. Obviamente, não cabe confiar demasiado na grande imprensa. A repercussão do ideário socialista em uma sociedade marcada pelo consumo e culto a celebridade indica mudança. Com a crescente desigualdade em casa, até quando o capitalismo resistirá a milhões de pessoas dizendo: “basta e basta”?

Monica Dias Martins é professora da Universidade Estadual do Ceará e coordenadora do Observatório das Nacionalidades

Fonte: Blog do Sorrentino