Samba: o velho marinheiro que resiste

Expressão musical com DNA negro, o samba “leva o barco devagar”, como diz a letra da música Argumento de Paulinho da Viola. Luiz Grande na profética A Força do Samba lembra que “o samba está sempre aí” e “com força para resistir”. As duas músicas quase obrigatórias nas rodas de samba pelo Brasil demonstram que o gênero mais popular do país encontrou, à margem da indústria cultural, sua forma de preservação.

Por Railidia Carvalho

Em entrevista ao Portal Vermelho o cantor Francisco Aguiar, o Chico Médico, que durante 15 anos cantou em rodas de samba em São Paulo com regularidade, lembrou que, mesmo sem tocar no rádio e aparecer na tv, o samba “que a gente gosta” é a matéria-prima de inúmeras rodas de samba em São Paulo e por todo Brasil, e essa movimentação hoje é mais uma forma de resistir e preservar as expressões culturais negras no país.

“Nos anos 90 eram poucas as rodas de samba e hoje elas se multiplicaram. Naquele tempo acho que nem pensaríamos que isso poderia acontecer”, avaliou Chico, que cantou por quase 10 anos no Butantã com o grupo É do Baú em um botequim referencial dos anos 90 que foi o Canto Brasileiro ou bar do Bilú, como se chamava o carismático dono do estabelecimento.

São histórias do samba e de resistência que também estão frescas na memória do cantor, pesquisador da música brasileira e blogueiro Fernando Szegeri(foto). “O sambista vai comendo pelas beiradas, se instalando devagar no gosto nacional”, disse ao Portal Vermelho.

Integrante há quinze anos do grupo Inimigos do Batente, que foi formado nas mesas do bar do Bilú, Fernando atribui a longevidade e resistência do samba à preservação de determinados modos de vida.

“A roda de samba, os pagodes de fundo de quintal, nos botequins, é nestes espaços que o samba vive e resiste”, complementou Fernando. Chico Médico contou que o impacto de ver uma roda de samba ao vivo foi o que o levou a ser cantor de samba. “Eu já gostava de samba mas quando vi a roda ao vivo eu decidi que queria fazer aquilo”,

Resistente e democrático, o samba, herdeiro das tradições do núcleo das comunidades negras que se formaram no Rio de Janeiro, é ignorado pelos meios de comunicação. E se por um lado isso dificulta o acesso ao grande público, de outro fez ganhar corpo a cultura do boca a boca.

“Ver hoje uma roda de samba ao vivo é possível em muitos lugares. E de 10 pessoas que vêem uns dois saem dali com vontade de tocar pandeiro, cavaquinho ou de cantar”, arriscou Chico.

Fernando lembrou que , ao contrário de hoje, no começo da indústria cultural, como na época do rádio, entre os anos 40 e 50, ainda era veiculada uma sonoridade de resistência.

“O samba à sua maneira ou do jeito que o africano encontrou de como resistir no Brasil conseguiu acessar àquela época a casca dura da hegemonia estética branca. E esse samba chegava ao povo”, lembrou Fernando.

Furando esse bloqueio da indústria, mas ainda restrito aos que podem pagar, Chico se espantou ao constatar que a rádio do canal por assinatura net traz uma “seleção muito boa” com músicas de Candeia, Martinho da Vila, Luiz Carlos da Vila e Nei Lopes, vozes referenciais da cultura brasileira.

O Portal Vermelho pediu aos entrevistados que indicassem um samba que seja emblemático como elemento de resistência e preservação da identidade negra no Brasil. Chico Médico escolheu Dia de Graça, de mestre Candeia, liderança que deixou um manifesto: “Negro, acorda, é hora de acordar”. E fez menção especial ao Batuque de Pirapora, de Geraldo Filme, uma crônica que trata de preconceito e como o povo negro transforma esse sentimento.

Fernando veio de Efun-Oguedê, de Wilson Moreira e Nei Lopes, em que eles alertam: “Povo sem alma, sem querer se conhecer. Vai virar farinha fina, menina. Efun-Oguedê”.

Ouça aqui 

Argumento (Paulinho da Viola)

A Força do Samba (Luiz Grande)

Efun-Ogudê (Wilson Moreira e Nei Lopes)

Dia de Graça (Candeia)

Batuque de Pirapora (Geraldo Filme) pelo grupo A Barca