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A poesia de Susanna Busato

Susanna Busato é poeta e professora de Poesia Brasileira na Unesp. Mas se autodefine como uma gaivota no rastro do rasgo roto da palavra. Com a poesia na rota da vida, constrói seus voos e só consegue aterrissar nas pedras, única terra firme que lhe oferece a verdade de que tudo é fingimento até mesmo a realidade. Arrisca-se nas palavras e acredita que na Arte está a única salvação possível.

Susanna Busato - Arquivo pessoal

Deixou suas pegadas no livro Corpos em Cena, que lhe valeu figurar como finalista do Prêmio Jabuti de Poesia em 2014. Publicou seus poemas em alguns periódicos como a Revista Cult, Revista Brasileiros e nos portais Zunái, Aliás, Mallarmagens e Revista Pessoa, além de revistas no exterior.

Já participou de diversos trabalhos como os do Sarau lítero-musical Chama Poética, em várias ocasiões, da realização do Recital Multitudo Haroldo de Campos, no Itaú Cultural, em São Paulo, em 2011, do Recital Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. (homenagem a Oswald de Andrade), na Flip em Paraty em 2012, e também foi curadora e realizadora da Cena Artística “Quem tem medo de Hilda Hilst?” (homenagem a Hilda Hilst) no I Congresso Nacional de Poesia “Quem tem medo de Hilda Hilst?”, na Unesp em Rio Preto, que coordenou em 2014.

Leia na íntegra as poesias de Susanna Busato:

De luxe

O luxo é importado
não importa de onde
vale preço etiqueta
no ombro na bolsa
no sapato fincado
em cartão dividido
a crédito e ansiolítico.

Cravo vermelho

Cravo.

Dor certa e reta
navalha na testa
agulha na têmpora:
ósculo cor
rupto abrupto.

Vermelho.

Rompe surta
dor cor
rompida
por dentro:
cápsula
ínsula
de vida.

À paisana

Eles eram muitos. Eles eram fortes. Eles eram belos.
Carregavam na ponta do fuzil das línguas a morte.
Guardavam balas na boca e cuspiam
sonhos que afogavam na terra
com uma pisada de pé
sujo de terra.
Era para reprimir a vida, diziam. Para a dispersão do mundo. Para a mordaz vingança. Engatilhavam a foice negra do tempo real como uma arma serena.
Eles eram o inferno. Eles eram o centro. Eles eram
o seu próprio intento.
Sua astúcia e repúdio: lance de guerra.
Contra si mesmos os dados
rolavam dos copos.

Aquilo bulia
aquilatava
aqui lá
aquilo
calava.

Ostra

Estronda da rocha o grito
de dentro da bronha o grave.
(A renga roga tua mão)
A cada volta o falo aéreo e honesto
se embrenha. Alcança célere o reto
objeto a sorte. Encontra
na cona o cume.
Ronda e arreganha a que antes era
incerta e agora
bem correta
pérola.

A cidade desejante

As lojas estão fechadas
Os passos sumiram das escadas
Os carros desalojaram as ruas
Não se respira no caule das torres envidraçadas

(A poesia pura
perpendicula
nos varais e fios de alta tensão
A poesia grita
na pausa dos postes
sussurra
ouvido colado ao chão )

Corpos desejantes na cidade muda
assistem à lenta morte como um arrebol.
Emulam a gama de gritos e cores
como se deles fossem
as gargantas decepadas dos dias.

A cidade grafita encena
nos muros
seu desejo de fêmea:
que a última
foda venha
queira
seja
a posse do
poema.

Nascimento do olhar

O pôr do sol avermelha o horizonte.
O sol se põe no vermelho do horizonte.
O vermelho se horizontaliza no sol.
O pôr do sol orienta o vermelho.
O horizonte deposita vermelhos no sol.
Um sol se põe na vermelhitude ortogonal do horizonte.
Um horizonte avermelha ao sol.
Em decúbito dorsal o sol do sol
avermelha.
Horizontalizam vermelhos de sol.
Solarizam rubros horizontes vergéis.
Vertem vermelhos espelhos de sol.
Horrorizontes vesgos vergam-se ao sol.
Horrorizontes velhos vertem vespas de sol.
Horrorizontes vermelhizam sendas de sol.
Vertem rubros vergéis em horizontes de fel ao sol.
Um pôr de sol depõe contra o horizonte.
Vermelhorror: o sol se consome.

Cutuco a carne do poema

cutuco a carne do poema
escancaro
mostro os dentes
lanço a cuspe
a sibilância
a fricativa chispa
a indiscreta chama

vagabunda
a carne se
poema

Ícaro do asfalto

se tudo ainda é pouco
se tudo ainda é lento
se tudo quanto calo raro arrebento

se tudo é partida golpe buzina
se tudo é café com pão ao meio-dia
se tudo o mais é filé com aspirina

na poça d’água do meio-fio
eu ao meio partida ouso

o impossível:

um fio de futuro na janela
entre o pôr do sol e a lua
esgarça a fina camada do dia

(e isso ainda é pouco
o mais ainda me alucina)

no vidro fosco da janela
o sorriso de Ariadne me vigia
nas suas níveas mãos a noite
e nas minhas
às minhas
expensas
apenas
ases e copas
asas de janela
e o sol