Sobre aliados e aliadas e #AgoraÉQueSãoElas

Um componente fundamental da formação dos movimentos sociais e da luta política por direitos de grupos vulneráveis é a experiência, a vivência dos sujeitos que estão em posição de vulnerabilidade levando em conta dado (ou vários) marcador social de identidade/diferença.

Por Camilla de Magalhães Gomes*, no Blogueiras Feministas

movimento femista

Isso não significa que esses espaços só possam ser preenchidos por quem possui essa ou aquela experiência, ou que eu use como critério a ideia de pessoas que podem ou não ser “protagonistas” de um movimento.

Isso porque, no primeiro caso, é importante que aqueles que ocupam a posição contrária — a do privilégio — estejam abertos pra ouvir e contribuir com a luta e, que a posição de privilégio seja em si colocada em questão e não tratada de modo neutro.

No segundo caso, por um motivo mais banal e pessoal, por me parecer que eu, mulher-cis-branca-hetero-semdeficiência-classe média, só posso me dizer, com certa segurança, protagonista da minha própria narrativa e experiência. I am not every woman e ainda que tenhamos algumas experiências partilhadas, universalizações também criam novas ou reforçam velhas opressões.

Mas, nessa história toda, tem um termo que me agrada muito: aliada(o). Nós que vivemos situações de privilégio podemos ser aliadas de outras lutas. Você privilegiado pode ser aliado do movimento feminista.

E o que é ser um “bom aliado”? Eu sei lá responder, sei só fazer algumas apostas que talvez se resumam a: esteja preparado pra sair da neutralidade, problematizar a si mesmo e ser problematizado, ser criticado e para COLOCAR A CARA À TAPA.

Se você pode cogitar escolher sair da luta, abandonar a brincadeira e deixar o parquinho, saiba: ter essa escolha ou poder fazer essa escolha sem consequências para a sua vida, direitos ou experiência pessoal é parte da sua condição de privilégio. Militantes feministas, transfeministas, do movimento LGBT, do movimento negro, do movimento anti-capacitista não tem essa escolha ou ao menos dificilmente a possuem e realizam sem consequências.

Se você pode, antes mesmo de entrar pra luta como aliado(a), pensar em avaliar “como lutar” ou “qual a melhor forma de fazer isso livre de crítica” ou “não sei se entro porque já estão criticando essa ou aquela forma de fazer”, saiba que essa possibilidade prévia de avaliação e escolha é também parte do seu privilégio.

Se, antes mesmo de entrar na briga, você entra para o debate apenas para discutir as críticas dos movimentos a(o)s aliada(o)s, não se assuste se um tapete vermelho não lhe for estendido ou se sua participação não for considerada importante. Aliado que só quer fazer papel de OMBUDSMAN não serve mesmo pra muita coisa.

Se você entrou, mas a qualquer crítica você reage com “assim fica complicado, vocês não querem nossa ajuda, como podemos militar com vocês desse jeito”, não se assuste se te incentivarem a ir embora do parquinho e largar a brincadeira. Afinal, aquele/as que vivenciam a opressão estão TODOS OS DIAS ouvindo críticas, ofensas e sofrendo violência — “mulher é tudo vagabunda, feminista é tudo vitimista, o movimento negro é revanchista, tudo bem ser LGBT mas não precisa ser afeminado”. Aliado que não quer colocar a cara à tapa não serve mesmo de muita coisa.

Se antes de entrar você precisa perguntar “mas como é que faz? Como eu luto? Podem me ensinar?”, seu privilégio está gritando. O vulnerável raramente sai com essa vantagem: entra cru, verde e com “discurso DCE” mesmo, porque tem muito a perder se ficar sentado esperando uma professora.

Isso tudo pra dizer que: eu não sou muito entusiasta da nova campanha, mas estou achando interessante o espaço criado. MAS se você usar isso como carteirada, pode saber, meu amigo: no parquinho do movimento feminista, nós vamos te olhar com cara feia SIM.