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A poesia de Casé Lontra Marques

O jovem poeta Casé Lontra Marques, assim como muitos outros de sua época, publica parte de seu trabalho em seu blog pessoal. Mas além disso, já contribuiu com diversas revistas e periódicos eletrônicos especializados em poesia, entre eles a Zunái.

Casé Lontra Marques - Arquivo pessoal

Fluminense de Volta Redonda, o poeta vive atualmente em Vitória, no Espírito Santo. Já publicou alguns livros, entre eles: Movo as mãos queimadas sob a água, de 2011, Campo de ampliação (2009) e Mares inacabados, de 2008.

Casé enviou uma série de poemas ao Letras Vermelhas, que publicamos aqui na íntegra:

Noemar os sons na dissolução

Nomear os sons na dissolução
conserva
um pouco das sílabas ofensivamente estendidas

ao
espanto

inicial?

quase esqueço
o
que responder — enquanto nos arrastam —

até
o fundo

das retinas:

sustentando (pânico após pânico)
a
fabricação da apoteose

— minto —

da
metamorfose

corporal;

com
súbito prazer;

insisto:

assim
que o bulbo — depois de algum silêncio —
mas
antes do acaso;

assim
que o bulbo (o bulbo)

esfriar

no
asfalto:

acordaremos — ainda dentro da precariedade —
ao
redor dos poros: outra vez:

por
que logo

eu tentaria coibir

uma
qualquer

intrusão?

nascemos para a língua:
alertas
ao tempo — sem a exatidão da voz —
contra
essa espessa mudez:

nascemos
para o que nos ressuscita

— arremessando um rosto —

nos
cristais
da
cica

Até que nos erguemos sobre o estrado

Até que nos erguemos sobre o estrado
onde resgatar
as raivas que escavam a superfície
das meninges

(adiando
as defasagens do desamparo)

como a solidão
que
nos antecede

— calados, convalescemos? —

apesar
dos atos que nos reúnem

(turvando
a oscilação dos obstáculos)

recorremos

aos
eventos do passado

sem regressar

ao
presente dos eventos

que nos surpreendem

com
uma carência

inexpressiva:

quando o tempo não mais nos distrai
traímos
a concentração que desidrata

o fôlego atraindo

— para
longe do tempo —

o tempo que se contrai

quando
apresentamos

ao tempo (que os lapsos estendem)
um
outro desconforto

quando
dispersamos

— por
murmúrios —

o rosto

contra a atrocidade
de
um tempo que não perturbasse

as têmporas
onde
persistem pelo menos os destroços

latentes
de uma dúvida

atenta

(seria
insuportável a insuficiência
se o signo
que nos origina

não selasse

com
o nosso desaparecimento
a
sua assinatura)

Sou o corpo que faz sombra sobre o homem que morre

Sou o corpo que faz sombra sobre o homem que morre,
o homem não emudecido?
Sou o corpo que o conclui, no momento
de sua extinção;
sou o corpo que o conclui, apesar
de incapaz
de alcançar sua precisão?

Saberei seguir o eco que nos contorna, no topo
de uma noite
instalada nas têmporas?

Recusarei, ainda que jamais persistente,
o que descrevemos
como esquecimento receando, no entanto,
assimilar
sua lucidez?

Recusarei a raiva — quase nomeada —
que o sono
— quando refeito — sequer empalideceu?
Poderei repousar
no chão de sua asfixia?

Como delinear
seu incêndio, dedilhar sua hora?

Como preparar
a manhã para uma morte já remota?

Restamos sobre andaimes oscilantes

Restamos sobre andaimes oscilantes, dispersos por raptos mal calculados: a vibração da palavra — agora elaborada

na extensão do desabrigo — desestabiliza o estímulo

antes clínico: cansados

do amparo da espera, mantemos a perna reaberta em estado de híbrido alerta: (será que seu tronco pressente o poema a produzir

mais uma possibilidade para a experiência): no ponto

de partir — reponho o fôlego

quando um pouco de poeira penetra no osso: (talvez

desacreditado

do imediato): prefiro ver a vida ruir a deixar o dia intacto

Manter o desconforto

Manter o desconforto diante de toda
fronteira, sem contudo
recusar a dispersão, concisa, do verso lavrado
sem pressa, apesar de uma quase

azia. Breves mortes persistem atrás
de um mesmo
hoje, de um idêntico aqui. Prefiro

no entanto este janeiro a brotar do calor
expelido pela fala. Agora

que encontrei para onde
voltar, pretendo
apenas ter passos de prosseguir.