Gleisi Hoffmann: O direito de comer pode ser negociado? 

Não é de hoje que o programa Bolsa Família sofre ataques. Quando foi lançado dizia-se que era o bolsa esmola e incentivo para a vagabundagem; as críticas mais à esquerda diziam que era paternalismo, programa compensatório. No auge do governo Lula, quando ele tinha quase 90% de popularidade, o Bolsa Família foi politicamente disputado a tapas.

Por Gleisi Hoffmann* 

Crianças atendidas pelo Bolsa Família - Sérgio Amaral | MDS

O PSDB jurava que a iniciativa era sua, da gestão FHC, que tinha iniciado o projeto piloto. Os radicais de esquerda começaram a defendê-lo como um grande feito social, que minimamente combatia a desigualdade.

Agora, com as necessidades de ajustes ao orçamento, o programa sofre novos ataques. Desta feita, o relator geral do Orçamento da União, deputado Ricardo Barros, do PP do nosso Estado, propõe cortar R$ 10 bilhões do programa com a desculpa de equilíbrio fiscal e de que “todos” têm de dar sua contribuição. Mas o relator não propõe cortar as emendas parlamentares, ou o Fundo Partidário. Muito pelo contrário, neste caso ele propõe aumento.

Setores mais conservadores, inclusive do nosso Paraná, aplaudem a iniciativa. Ato contínuo, o governador Beto Richa, que nunca tem posicionamento firme e convicto sobre qualquer assunto, anunciou que cortaria pela metade o Programa Família Paranaense, ação da qual se gabava por complementar o Bolsa Família no Estado em “expressivos” R$ 10,00. Vamos lembrar que este “programa” do Paraná foi uma das vitrines de sua campanha à reeleição! Será que mantém o intento ou recua, por medo de pressão, como fez no caso de fechamento de escolas?

Descompromisso do governo paranaense à parte, o fato é que o Bolsa Família, um dos programas mais bem sucedidos no mundo para o enfrentamento à pobreza no curto prazo, está na mira daqueles que nunca passaram necessidade na vida, que acham que o direito a comer pode ser negociado para recuperar a economia!

O Brasil só saiu do mapa da miséria e da fome, e pela primeira vez forma uma geração sem fome no Brasil, porque um homem pobre, sofrido pela fome, operário metalúrgico, assumiu o comando do país. Só quem sentiu a dor da fome, como Lula, tem sensibilidade para garantir um programa de renda mínima, que assegure ao menos três refeições ao dia. Isso é o mínimo que um desenvolvimento econômico decente pode pretender.

Só no Paraná, um Estado considerado com boa renda percapita, se o Bolsa Família sofrer este corte, 1.078.611 pessoas deixarão de ser beneficiadas. 223.418 pessoas entrarão na pobreza extrema e, dessas, 114.487 têm até 17 anos de idade. Nosso Estado deixará de receber R$ 683.676.120,00. Não são pequenas as consequências dessa proposta.

Pela dimensão que tem, o Bolsa Família é um programa barato. Comparado a contas de juros, então, é quase uma ninharia. Será que temos de fazer um ajuste em cima dos mais pobres, dos mais sofridos. Se isso era comum no Brasil antes de Lula e Dilma, agora não é mais. Vamos resistir, apesar de todo preconceito e visão distorcida que tem parcela da população e o relator geral do Orçamento.

Sou descendente de alemães, parte de meus ascendentes veio da Alemanha pós-guerra. Trabalharam muito aqui, sofreram, alguns morreram antes de realizar seu propósito. Acredito que se tivessem uma oportunidade mínima não teriam deixado seu país. Sei que a guerra é devastadora, mas a fome e a miséria também são. Falo isso porque avalio que setores da sociedade paranaense que se colocam contra o Bolsa Família, não têm esse direito, em nome de seus antepassados, que poderiam ter tido uma vida melhor, com mais oportunidade!