Senado adia votação da proposta que aprofunda austeridade fiscal

A votação da emenda do senador José Serra (PSDB-SP) ao Projeto de Lei de Resolução (PRS) 84/2007, que define os limites para o endividamento público da União, foi adiada por mais 15 dias em um pedido de vistas coletivo na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. 

Senado adia votação da proposta que aprofunda austeridade fiscal

A previsão é de que o texto só retorne a tramitar na CAE a partir da primeira semana de novembro, uma vez que a próxima semana está destinada a audiências públicas a serem realizadas pela comissão.

Classificada como um golpe à democracia brasileira em manifesto público assinado por alguns dos intelectuais mais renomados do país, a proposta do senador tucano, que tramita em regime de urgência, visa obrigar o governo federal a adotar por um longo prazo um programa de austeridade ainda mais drástico do que o ajuste fiscal em curso.

Para o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), o adiamento dará novo fôlego aos parlamentares e intelectuais contrários à proposta para tentar convencer o colegiado dos efeitos perversos que a medida trará para a economia brasileira.

“Essa proposta é muito grave porque cria uma política de austeridade fiscal de longo prazo, obrigando o governo a garantir um superavit primário superior a 3% do Produto Interno Bruto (PIB) do país a cada ano”, esclarece.

Ainda conforme o petista, a fixação de um superavit tão alto em tempos de recessão vai impedir que o governo possa adotar medidas de incentivo ao crescimento e, mais grave ainda, impactar em mais cortes nos programas sociais.

“Em momentos de recessão como este, nós precisamos sim usar a questão fiscal para fazer políticas anticíclicas. E o que o Serra propõe é um engessamento fiscal violento desse instrumento de indução ao crescimento”, alerta.

O senador alerta que, se o Brasil tiver uma política fiscal tão engessada por tantos anos, como a que Serra propõe, nenhum governo, atual ou futuro, terá nenhuma margem de manobra para adotar uma estratégia econômica diferente da neoliberal, defendida pelo PSDB.

“O que ocorreu na Grécia foi exatamente isso. O povo elegeu um governo de esquerda, mas, como a política fiscal é muito engessada, este governo ficou de mãos atadas. Quem continua mandando é a Troika”, exemplificou.

Arrogância e desonestidade intelectual

De acordo com Lindbergh Farias, a estratégia agora é evitar que a emenda vá a votação sem passar pelo debate público. Ele alerta que, por se tratar de um PLR, se aprovada no Senado, a matéria já estará valendo: não passará pela apreciação da Câmara e nem pode ser vetada pela presidenta da República.

“Eu já solicitei a realização de uma audiência pública pela CAE e vou propor também que o assunto seja tema de debate em outras comissões, como a de Direitos Humanos. O importante é abrir um amplo debate sobre a proposta”, explica.

Para o senador, o próprio autor já mudou a proposta duas vezes, o que indica falta de convicção nos seus próprios argumentos. E, para agravar, na versão final apresenta dados contraditórios que precisam ser esclarecidos no debate. “Nós precisamos ouvir o Tesouro Nacional, outros técnicos. O senador Serra precisa enfrentar o debate”, justifica.

O senador tucano, porém, não está nada propenso à discussão democrática. Ele justificou à CAE que já concedeu entrevistas, escreveu artigos e debateu o assunto no espaço restrito da comissão da Agenda Brasil.

Agora, defende que o projeto seja votado imediatamente. “Nós meus 20 anos de Senado, nunca vi audiência pública mudar a cabeça de ninguém. Em geral, audiência pública é só uma causa política”, afirmou durante a apresentação do seu parecer à CAE.

Na apresentação, inclusive, Serra usou muito pouco do seu tempo para esclarecer os pontos obscuros da proposta. Preferiu criticar e desqualificar os signatários do manifesto que critica sua emenda. “Aqueles que assinaram o manifesto não leram o projeto ou usam de má fé”, afirmou por diversas vezes.

Entre as críticas, Serra chegou ao ridículo de querer provar que conhece mais da teoria marxista do que seus críticos. O senador lembrou que já deu aula de economia marxista quando viveu no Chile e, ao contrário dos demais, conhece muito bem o pensamento do autor sobre questões fiscais. “Se muitos desses que assinaram o manifesto se dizem marxistas, estão provando que nem isso são”, acrescentou.

Lindbergh Farias rebateu as provocações do colega. “Peço ao senador Serra mais humildade. O que eu vi hoje aqui foi ele chamando professores de tudo quando é coisa. Uma arrogância enorme”, criticou.

Rejeição e arquivamento

Quando a CAE retomar a apreciação da proposta de Serra, daqui a 15 dias, terá que enfrentar também a questão de ordem proposta pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR) na sessão desta terça, que pediu a rejeição imediata da matéria.

Isso porque, para o parlamentar, a proposta do tucano viola o Regimento Interno do Senado, porque extrapola o objeto que deveria relatar. No entanto, o presidente da CAE, senador Delcídio do Amaral (PT-MS), preferiu adiar a votação da questão de ordem.

Requião alega que Serra deveria avaliar exclusivamente a emenda apresentada pelo ex-senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), que limitava apenas o percentual da dívida líquida da União.

O tucano, porém, estendeu a limitação para a dívida bruta e ainda acrescentou prazos para aplicação de diferentes percentuais. “A subemenda do Serra constitui, na verdade, um novo substitutivo ao projeto que ele deveria relatar. Portanto, contém matéria estranha ao objeto”, justificou Requião.

Abaixo-Assinado: Manifesto contra a proposta de José Serra