Alexandre Lucas: Empoderamento social a partir do brincar

Por *Alexandre Lucas

Nem tudo é como pensamos. A ideia era se envolver com o povo, toma café junto e aprender com suas histórias, conhecer seus problemas, seus sonhos e criar junto com eles alternativas de enfrentamento e conquistas sociais, mas sem as condições objetivas as boas ideias não modificam a realidade.

É preciso criar as condições objetivas para se chegar a uma possível realidade desejada, mas é necessário conhecer a realidade e imergir na complexidade dos seus conflitos para compreender de forma mais apurada as suas dinâmicas e peculiaridades. O que não é tarefa fácil.

A experiência política-pedagógica-criativa na Comunidade do Gesso (Crato/CE) desenvolvida pelo Coletivo Camaradas com as crianças aponta caminhos, reflexões e desafios para a construção e reconstrução de uma prática de empoderamento social infantil.

A intenção inicial do Coletivo Camaradas na comunidade era atuar junto com os moradores e contribuir para uma experiência de organização comunitária pautada pela criatividade e o questionamento social. Diversas foram as estratégias de aproximação: reuniões nas calçadas, distribuição de convites, intervenções urbanas e conversas informais e nada de conseguir criar elos participativos dos moradores, jovens e adultos.

Ao longo das ações e da interação na comunidade, percebemos que o nosso potencial estava no envolvimento com as crianças. O que nos remete a pensar: Qual o norte político de atuação na comunidade e qual a relação que será estabelecida com as crianças?

O eixo que nos move na comunidade é baseado numa atuação política que reconheça, potencialize, envolva, empodere, construa, escute, aponte, seja ponte de caminhos e conquistas sociais protagonizadas pelos que desenham cotidianamente a paisagem deste lugar. O que nos coloca como coadjuvantes no ponto que em queremos chegar.

Esse posicionamento desconstrói e combate a noção de que o Coletivo Camaradas é uma solução para os problemas da comunidade, ou ainda (pior ainda), de que somos o centro de assistencialismo ou de caridade dos moradores. Esse entendimento político de ser um instrumento de luta das camadas populares norteará a nossa perspectiva de atuação com as crianças.

Compreendemos que cada criança que vai até a sede ou que participa das ações integra o Camaradas, portanto, nenhuma criança é “atendida” por nós, todas são construtoras desta experiência social. Esse talvez seja o principal desafio, a atuação política na comunidade junto com as crianças.

É neste sentido que a formação das crianças no Camaradas perpassa pela definição do nosso projeto político para a comunidade e as diretrizes ideológicas que nos define. Esse é o ponto de partida para orientar a nossa prática político-pedagógica com as crianças.

A brinquedoteca dos camaradas é o principal espaço de interlocução e deve funcionar como centro das mediações e interações que possibilite contribuir para o processo de reflexão e ampliação da visão social de mundo das crianças. Esse espaço deve usar uma metodologia baseada numa perspectiva de educação popular, ou seja, inferir na formação da consciência crítica da realidade e no empoderamento social, ocupando o imaginário infantil de sonhos, gentilezas e coletividade.

Além da brinquedoteca, as crianças participam da intervenção urbana Poste Poesia, colando poemas pelo bairro; protagonizam a roda de poesia com poetas adultos; se envolvem nas oficinas de arte; divulgam o cine-gesso com produção cinematográfica infantil e nacional.

Mas como desenvolver esse trabalho com crianças das mais diferentes idades? Como pensar organização e diretrizes políticas com crianças num espaço que é caracterizado pelo brincar?

Se considerarmos que a brincadeira é uma ante-sala e um ensaio para a vida a adulta, tendo em vista que a criança ao brincar assimila e recria a experiência sociocultural dos adultos e que o processo de aprendizagem ocorre a partir de mediações e interações sociais é possível pedagogicamente pensar num trabalho que favoreça a consciência crítica, a organização e o empoderamento social infantil por meio do lúdico e das artes.

O que nos colocar diante também da necessidade de aproximação entre o discurso e a prática para dentro do processo dialético nos fazer repensar o nosso próprio discurso x prática. Não adianta falar de amor para as crianças se não tivemos uma prática amorosa com elas.

Isso exige uma conduta militante ativa que construa educadores políticos forjados no estudo e na prática com capacidade de assimilação da perspectiva político-pedagógica baseada na constituição histórico-social dos seres humanos e tenha como tripé o estudo contextualizado, a vivência e a experimentação como metodologias para o empoderamento social infantil, a fruição estética e artística e a democratização do saber. Desvendar o universo do desenvolvimento infantil é essencial para pensar abordagens significativas para a perspectiva aqui defendida.

Esse caminho deve avançar para o processo de auto-organização das crianças como construtoras das paisagens sociais e culturais do seu lugar.

*Alexandre Lucas é pedagogo, artista/educador e coordenador do Coletivo Camaradas

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