Deputada alerta sobre projeto que dificulta aborto legal no Brasil 

Profissionais de saúde que ajudarem mulheres a abortar sem que as vítimas comprovem ter sofrido violência sexual poderão ser punidos com penas de até três anos de prisão se for aprovado o projeto de lei de autoria do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que propõe ainda transformar em crime o “anúncio de meio abortivo”, dificultando a disseminação de informações sobre os direitos reprodutivos e a venda ou distribuição de métodos contraceptivos.  

Deputada alerta sobre projeto que dificulta aborto legal no Brasil

O parecer apresentado pelo relator da matéria na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, o deputado Evandro Gussi (PV-SP), também altera a recente regulamentação do atendimento de pessoas em situação de violência sexual e desobriga médicos e enfermeiros de informar às vítimas os seus direitos legais e os serviços disponíveis.

O texto chegou a propor que elas fizessem exame de corpo de delito, para comprovar a violência, e comparecessem a uma delegacia, o que poderia causar constrangimento e, com isso, dificultar o acesso a um direito previsto em lei. Graças à pressão contrária, o trecho foi retirado.

Na última quarta-feira (14), a polêmica em torno da proposta fez com que a apreciação fosse suspensa na CCJ, mas o assunto deve voltar à pauta nos próximos dias.

Conhecida pela atuação em defesa dos direitos das mulheres e única representante do sexo feminino entre os 17 líderes partidários da Câmara, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) critica o projeto e se soma às mais de 20 mil pessoas que participam de um abaixo-assinado pela rejeição do PL 5069/2013.

Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista da parlamentar:

Truco no Congresso: O projeto poderá dificultar ou criminalizar a venda de anticoncepcionais, a disseminação de informações sobre os direitos reprodutivos e o atendimento às vítimas de violência sexual?

Jandira Feghali: Sim, porque há um conceito moralista e religioso nessa proibição. O direito legal ao aborto é garantido desde a década de 40 e retroceder para antes disso é um absurdo diante de todos os avanços dados na saúde mundial. O projeto caminha na criminalização de muitos atendimentos de saúde previstos em lei e restringe o repasse de informações legais e sanitárias.

A quem e por que interessaria agir para dificultar que o aborto seja feito naqueles casos já previstos em lei?

Como disse, este debate é nublado por uma visão religiosa do Estado, suplantando a laicidade do poder público. Em pleno século 21, propor a mudança de regras no atendimento de saúde para violência sexual é medieval. Proibir a contracepção, o que já é previsto no Código Penal, é estimular o aborto.

O deputado Eduardo Cunha negou o seu pedido para que a Comissão de Seguridade Social e Família também apreciasse o projeto. Desta forma, e assim como ocorreu com o PL Espião, por exemplo, o PL 5069/2013 tramitará somente na CCJ antes de eventualmente chegar ao plenário. Como a senhora vê essa rotina de não apreciação das matérias pelas comissões de mérito?

É claramente uma manobra regimental, a mando do presidente da Casa e maior interessado nesses assuntos. Uma mudança drástica como essa deveria ter um debate mais amplo e profundo em outras comissões permanentes, como é o objetivo da Comissão de Seguridade Social e Família.

Autor do projeto, Cunha o justificou com uma longa teorização sobre a “legalização do aborto”, que estaria “sendo imposta a todo o mundo por organizações internacionais inspiradas por uma ideologia neo-maltusiana de controle populacional, e financiadas por fundações norte-americanas ligadas a interesses super-capitalistas”. A senhora enxerga essa conspiração global?

A forte crença em teoria conspiratória não se rebate na política, se trata no psicólogo. Mudar toda uma legislação de saúde por conta de devaneios obsessivos é um absurdo.

O combate ao PL 5069/2013 pode ser resumido simplesmente a uma questão de ideologia?

Certamente que não. Você pode sonhar com a igualdade de gênero e lutar por isso, seja na política, seja na sociedade. Mas enfrentar o que propõe o PL 5069 é enfrentar um retrocesso gravíssimo na questão de saúde pública. É impedir que vítimas sejam transformadas em algozes, removendo seus direitos. É inadmissível.

A sub-representação feminina na Câmara dos Deputados facilita a tramitação de projetos como o PL 5069/2013?

É a Legislatura mais conservadora desde 1964, segundo o DIAP. A sub-representação feminina influencia sim, porque a correlação de forças é desigual. Boa parte das pautas sobre o direito do corpo e das mulheres enfrenta resistência ou ataque das bancadas mais reacionárias, e lutar contra isso, junto da população, é o melhor caminho.

Caso o projeto seja aprovado pelo Congresso, a senhora acredita que a presidente Dilma Rousseff vá sancioná-lo?

Não. Mas acredito que haverá forte resistência no plenário antes disso.