Famílias acampadas conquistam terra no RS

Depois de passar sete anos debaixo de lona preta, João de Oliveira, 59 anos, finalmente conquistou, em luta conjunta a centenas de Sem Terra e Atingidos por Barragens, o seu pedaço de terra. Ele, a esposa e três filhos estão entre as famílias beneficiárias da Reforma Agrária que, na última sexta-feira (9), receberam do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a Fazenda São Clemente, localizada em Esmeralda, na região Campos de Cima da Serra (RS).

Reforma agrária no Rio Grande do Sul - Leandro Molina

Seu João afirmou que na condição de assentado será possível dar uma vida digna à sua família e contribuir com a saúde e a qualidade de vida da população do campo e da cidade, através da produção de alimentos livres de agrotóxicos.

“A conquista da terra foi muito sofrida, mas agora tudo vai mudar. Vamos investir em alimentos saudáveis, como milho, feijão, frutas e verduras, para o próprio consumo e, o que sobrar, venderemos na cidade. É tendo onde morar e produzir que eu poderei dar uma vida melhor à minha família, garantir o nosso sustento e o estudo dos meus filhos”, declarou o Sem Terra.

O assentamento onde João vai morar e produzir recebeu o nome de Dom Orlando Dotti e é o primeiro federal criado este ano no RS. Ele é fruto da luta de famílias ligadas ao MST e ao MAB, que ocuparam a Fazenda São Clemente em agosto de 2014. No último mês de setembro, o governo federal oficializou a aquisição de uma área de 2.045 hectares, por R$ 25,7 milhões.

Pelo Estudo de Capacidade de Geração de Renda (ECGR), o imóvel pode receber até 143 famílias. Entre elas está a de Marinez de Jesus Gasperin, 39 anos, Atingida por Barragem e mãe de seis filhos. Filha de reassentados, ela destacou que “a luta valeu a pena” e que agora também poderá garantir um futuro melhor à sua família.

“Essa conquista é tudo para a gente que se criou na agricultura. Ela é a continuação do que vivemos com nossos pais na infância e o que eu vou repassar agora para os meus filhos”, disse.

Comemoração

Para celebrar a conquista do assentamento Dom Orlando Dotti, o MST e o MAB organizaram um ato comemorativo, que contou com a participação da secretária executiva do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Maria Fernanda Ramos Coelho; o presidente substituto do Incra, Leonardo Góes Silva; o superintendente regional do Instituto, Roberto Ramos; autoridades regionais, parlamentares e movimentos sociais.

As atividades iniciaram com carreata do Centro de Esmeralda até o Reassentamento São Francisco de Assis, do MAB. Foram percorridos cerca de 17 quilômetros até o local, onde ocorreu a assinatura da Portaria de Criação do Projeto de Assentamentos Dom Orlando Dotti. Esse é o primeiro assentamento, conquistado na luta pela terra, de famílias expulsas pela construção de barragens e que não foram contempladas por empresas construtoras.

Conforme o dirigente nacional do MST, Cedenir de Oliveira, a conquista reafirma a importância da Reforma Agrária para o país e a partir de agora é preciso planejar a produção e a construção de moradias, estradas e escolas às famílias beneficiárias, além de continuar a luta pela terra na região de Esmeralda.

“A nossa luta não para aqui, ela só vai parar o dia em que todas as famílias tiverem um pedaço de terra para poderem produzirem com dignidade”, defendeu Oliveira.

Já a representante da Via Campesina e dirigente nacional do MAB, Sônia Mara Maranho, abordou a
necessidade da unificação dos movimentos sociais e a desapropriação de áreas no Brasil para famílias Atingidas por Barragens, Sem Terra e Pequenos Agricultores.

“Isolados não conseguimos nos organizar para irmos às ruas defender a democracia e a dignidade dos trabalhadores e trabalhadoras. Precisamos continuar a nossa luta, porque nós perdemos somente quando desistimos. As lutas que continuamos, nós conquistamos”, argumentou Ana.

A secretária executiva do MDA, Maria Fernanda, reafirmou o compromisso assumido pelo Ministério de assentar, até 2018, 120 mil famílias acampadas no país, além de garantir recursos para que assentados e assentadas da Reforma Agrária possam ter assistência técnica, moradia digna, e possibilidades de produção e comercialização de seus alimentos.

“Temos o compromisso com o avanço da luta dos trabalhadores na Reforma Agrária, a agricultura familiar, a cidadania, e a agroecologia, que é a nossa principal bandeira”, concluiu Maria.

Dom Orlando Dotti 

O novo assentamento foi batizado “Dom Orlando Dotti”, em homenagem ao bispo emérito de Vacaria, grande apoiador da reforma agrária. Dom Orlando, 85 anos, também participou do ato comemorativo, ocasião em que cobrou dos governos federal, estadual e municipal apoio e sensibilidade com os Sem Terra, “para que eles também se sintam cidadãos desse país.” 

“O agricultor só tem dignidade e cidadania se tem terra. E toda a nossa luta converge para resgatar a dignidade das pessoas, para que tendo terra, elas se sintam cidadãs. Esse assentamento leva o meu nome, mas é dedicado a todos que nos ajudaram nessa luta”, explicou o bispo.

Estruturação 

Os beneficiários da medida serão contemplados com créditos iniciais para a instalação das famílias e a compra de bens duráveis de uso doméstico e equipamentos produtivos. Eles também receberão auxílio do Incra para o encaminhamento de projetos do programa Minha Casa, Minha Vida, do Governo Federal.

Além disso, os agricultores terão assistência técnica por meio de entidades contratadas pelo Instituto, podendo desenvolver projetos produtivos.

Os assentados terão ainda a implantação ou recuperação da infraestrutura básica, como construção ou complementação de estradas vicinais, saneamento básico e a eletrificação rural, obras que são executadas por meio de licitações públicas ou convênios com estados e municípios, ou em parceria com outros órgãos governamentais.