O que o Brasil pode aprender com o golpe de Estado no Chile?

Na semana passada a oposição entregou ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha, um aditamento ao pedido de impeachment contra Dilma Rousseff. A história nos mostra que estas ações vêm acompanhadas de um programa neoliberal bem definido. O exemplo do Chile mostra que um golpe da direita não é movido só pelo ódio contra os mais pobres, e sim por uma agenda neoliberal a ser implementada, independente das consequências à soberania e ao desenvolvimento econômico e social de um país.

Por Mariana Serafini

Manifestação no Chile - Efe

Diferentes das ditaduras militares que assolaram os países latino-americanos entre as décadas de 60 e 90, agora a direita toma medidas mais sofisticadas para destituir do poder os governos progressistas em curso na última década. Os chamados “golpes brancos” não contam mais com o reforço das forças armadas, mas sim com manobras bem articuladas entre Judiciário, grupos econômicos e mídia hegemônica. Esta trinca é capaz de criar instabilidade política a ponto de destituir o poder vigente com um golpe de Estado sem derramamento de sangue, ou clima de guerra de civil. Foi o caso de Honduras e do Paraguai.

No entanto, são as ditaduras do século passado que nos mostram como os programas neoliberais são implementados à força pela elite, em detrimento das classes baixas. É o caso do Chile, que teve um governo popular interrompido por um golpe seguido de um dos programas neoliberais mais sólidos do continente. O mandato de Salvador Allende (Unidade Popular) durou apenas três anos, de 1970 a 1973. Neste período o presidente fortaleceu sua base popular devido aos programas sociais que elevaram de forma rápida a qualidade de vida dos mais pobres. Porém, o programa de governo que pretendia vencer etapas e chegar ao socialismo foi interrompido pelo duro golpe militar de Augusto Pinochet em 11 de setembro de 1973.


Allende recebeu apoio popular, mas os grandes grupos econômicos, aliados ao poder judiciário e à mídia hegemônica impulsionaram o golpe

Durante os três anos de governo de Allende, o Chile viveu um verdadeiro terrorismo econômico impulsionado pela mídia hegemônica, que criou um clima de ingovernabilidade e preparou o cenário para o golpe. Um comunicado interno da International Telephone and Telegraph, importante monopólio norte-americano de comunicação, dizia que os banqueiros não deveriam renovar os créditos, ou demorar para fazê-lo. Ao mesmo tempo que as companhias comerciais deveriam dificultar a reposição de peças e produtos básicos.

Com a crise de abastecimento, criada propositalmente pelos grandes grupos, a classe média começou a sentir a escassez e a fazer manifestações contra o governo com “panelaços” que representavam a falta de produtos básicos no comércio. Em uma etapa mais avançada rumo à ingovernabilidade, a oposição começou a cercar o governo impedindo-o de realizar nacionalizações de empresas e impondo constantes trocas de ministérios e ampliando sua influência no poder legislativo.


Palácio La Moneda cercado pelas tropas golpistas em 11 de setembro de 1973

Com o cenário pronto para o golpe, Pinochet toma o poder e em poucos anos consegue consolidar sua agenda neoliberal aplicando uma política de choque baseada na Escola de Chicago, de Milton Friedman e George Stigler. A abertura do país ao capital estrangeiro fez com que em curto espaço de tempo a vulnerabilidade econômica atingisse níveis avassaladores, que pegaram a economia chilena desprevenida. As primeiras medidas do ditador foram fortalecer o monopólio, privatizar as empresas que já haviam sido estatizadas e entregar os bens naturais – como a mineração, o cobre e seus derivados, a madeira e a pesca – à exploração internacional.

Em pouco tempo, 2% das empresas do país controlavam mais de 70% das ações de todas as sociedades anônimas, enquanto os três bancos mais importantes conseguiram deter a metade das ações dos bancos comerciais. Por volta de 1977 o país viveu seu “milagre econômico”, como no Brasil, mais ou menos no mesmo período. Porém esta euforia passou rápido, em menos de três anos o endividamento interno e internacional do Chile o levou a ser o país com a maior dívida externa per capita do mundo.

A agenda de “modernizações” baseada na Escola de Chicago levou o Chile a privatizar a Previdência Social, a saúde, a educação, o sistema de infraestrutura e a entregar o controle de praticamente todo seu capital a grupos estrangeiros. Passadas quase quatro décadas o país ainda sente as consequências destas ações porque até os dias de hoje ainda não conseguiu se desvencilhar totalmente deste amplo processo de privatização dos anos 70 e 80. Ou seja, a educação pública ainda não é gratuita, assim como a saúde. Os pedágios nas autovias e o preço do transporte público oscilam de acordo com os horários de pico, de forma que as tarifas ficam mais altas nestes períodos. Além da constituição vigente que ainda é a implementada por Pinochet durante os anos 80.

O exemplo do Chile mostra que um golpe da direita não é movido só pelo ódio contra os mais pobres e à ascensão das classes baixas, mas sim porque há uma agenda neoliberal bem definida. No Brasil a situação é parecida, o que move o golpe da direita brasileira não é só o fato de o governo popular de Lula e Dilma ter elevado a qualidade de vida dos trabalhadores, ou o ódio ao PT e à esquerda, mas sim o interesse de implementar novamente a agenda neoliberal que já levou o país a uma série de privatizações nos anos 90 e abriu a economia nacional ao capital estrangeiro.