Patricia Faermann: Sergio Moro na retórica contra a retórica

Ao defender o projeto de lei para prender réus que não esgotaram suas chances de recurso, ainda na segunda instância, o juiz Sergio Moro questionou as comparações da lei com o passado nazista alemão e o fascismo italiano, feitas pelo professor e juiz de direito Rubens Roberto Rebello Casara, uma vez que atentam contra o direito de ampla defesa e de presunção da inocência, explicou Casara.

Por Patricia Faermann, no GGN

Sergio Moro

Moro chamou as críticas de retóricas. Para justificar que garantia a presunção da inocência, o juiz da Lava Jato usou a própria ferramenta discursiva e afirmou que não está claro esse direito na Constituição.

"Para mim isso é muito simples, a presunção da inocência na nossa Constituição comporta várias interpretações, que nós temos que ser francos, os operadores do Direito, os juristas, que ela admite tanto a conformação que foi dada no Habeas Corpus pelo Supremo exigindo o trânsito em julgado, como a do Plenário que era anterior do STF. O direito não tem respostas absolutas", disse. Sem quitar a explicação, como tem feito nas últimas declarações, comparou com a legislação de outros países: "também podemos recorrer ao direito comparado. Nós temos na França, nos EUA, a prisão como regra na fase de recurso. E não me consta que sejam países nazifascistas. Ao que me consta ganharam a Guerra em 45 os Aliados, e não exatamente o regime nazista. Eu acho que é absolutamente compatível com a presunção de inocência. Claro que há divergências interpretativas", concluiu.

Sergio Moro mostrou-se ofendido com as comparações do projeto a regimes autoritários.

"Houve aqui comparações do projeto com o nazifascismo, ou com a identificação de projetos autoritários. Esse tipo de afirmação, além de ser inapropriada, acaba fechando o diálogo e revela, com todo o respeito de quem utiliza esse tipo de argumento, uma falta de tolerância em relação ao pensamento alheio. O fato de eu ter trazido esse projeto representando a Ajufe, também não tem nenhuma identidade específica do projeto comigo, então referir a emissário midiático, como foi aqui falado, outra questão ofensiva e não acho apropriado", disse.

"É importante manter o debate, o diálogo, dentro dos limites da urbanidade, quando se debate essa questão. Acima de tudo porque quando nós não mantemos essa urbanidade, cometemos exageros retóricos, muitas vezes nós escondemos uma argumentação mais substancial", manifestou.

O juiz de direito de São Paulo, Marcelo Semer, respondeu às declarações de Moro: "o colega Sergio Moro não entendeu o suficiente o que foi colocado. Ninguém o chamou de nazista ou fascista e o que foi colocado em relação ao projeto autoritário, não pelo fato de ser nazista, mas porque o endurecimento penal foi uma forma de legitimar a ditadura nazista. Infelizmente, o colega não conseguiu compreender", disse.

Semer lembrou que além das argumentações de comparar com a legislação de outros países, é necessário, antes, verificar a compatibilidade com a nossa própria Constituição. "A locução que está na Constituição que faz a nossa medida. Nós não vamos conseguir entender, como o doutor Sérgio disse aqui, 'a lei diz uma coisa, mas o Supremo disse outra'. O que o Supremo disse não foi outra coisa, mas que a lei era inconstitucional", respondeu.

Marcelo Semer ainda rebateu a justificativa inicial de Moro, ao usar de retórica para afirmar que a presunção de inocência admite várias interpretações. "Eu lhes perguntaria: quem dá a interpretação constitucional no Brasil? Não é o Supremo Tribunal Federal? O Supremo decidiu contra a tese veiculada neste projeto. Há duas alternativas. Se o Supremo muda a sua posição esse projeto é absolutamente desnecessário. Se o Supremo não muda a sua interpretação, esse projeto é absolutamente inconstitucional", afirmou.

"A questão toda da presunção de inocência, eu tentei falar isso quando estive aqui, não é que é impossível prender enquanto o processo está em andamento, é plenamente possível, aliás, o doutor Sergio Moro está dando mostras disso. Tem inúmeras pessoas presas antes, sequer, da denúncia recebida. Não precisa da condenação da segunda instância para prender. As pessoas já estão presas", completou o juiz de direito, Marcelo Semer.