Economista critica juros altos e defende ampla reforma tributária

Crítico da receita que combina altas taxas de juros e corte de investimentos, o economista e professor Antônio Corrêa de Lacerda defende a realização de uma ampla reforma tributária. Em entrevista ao Portal Vermelho, ele avalia o cenário que deu origem à crise no país e condena: “Somos uma sociedade viciada em juros elevados”.

Por Joana Rozowykwiat

Lacerda
- Foto: AE

Coordenador do Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia Política da PUC-SP, Lacerda defende um modelo de reforma tributária que, além de melhorar a arrecadação, diminuiria as desigualdades no país, tornando mais justa a tributação.

“Precisamos de uma ampla reforma tributária que inclua, além da tributação sobre grandes fortunas, a tributação sobre a herança, a progressividade do imposto de renda, a tributação sobre lucros e dividendos, etc.” Segundo ele, hoje, o sistema tributário onera excessivamente a produção, os investimentos e exportações, na contramão do que ocorre na maioria dos países.

Segundo pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) realizada em 2011, os 10% mais pobres da população brasileira utilizam 32% da renda no pagamento de impostos. Já os 10% mais ricos gastam 21%. Em outro estudo, o instituto mostra que as pessoas com rendimentos iguais ou superiores a 160 salários mínimos por mês (mais de R$ 126 mil) pagam 6,51% de imposto, enquanto os que ganham cerca de R$ 5 mil desembolsam 27,5%.

As discussões sobre a reforma tributária ocorrem em um momento em que o governo enviou ao Congresso o Orçamento de 2016 com um deficit de R$ 30,5 bilhões.

Para Lacerda, a atitude denota realismo por parte do governo, mas também pode gerar desconfianças em relação à economia brasileira. “É preciso reverter essa situação. E muito provavelmente a solução virá da elevação de impostos, por meio de tributos que não carecem da aprovação do Congresso, como a CIDE e o IPI”, avalia.

Em reação às críticas, o governo tem dito que está sendo transparente e estuda saídas para o deficit.

Em tempos de vacas magras, o debate sobre as questões relativas à economia deixou de estar restrito aos gabinetes dos entendidos e chegou à sala da família brasileira. Mas, como também é momento de disputa política acirrada, as informações nem sempre chegam como deveriam.

Lacerda contextualiza a crise brasileira, situando-a em um cenário internacional adverso, que sublinha contradições internas.

“A queda nos preços das commodities exportáveis pelo Brasil afetou muito a nossa economia. Houve uma retração média nas cotações em dólares de produtos básicos. A queda ocorrida nos preços diminui a receita dos países exportadores desses produtos, com destaque, no caso brasileiro, para minério de ferro, a soja e o petróleo bruto”, analisa, expondo a dependência da economia verde-amarela em relação à exportação de matérias-primas.

“E há os efeitos do esgotamento de um modelo de crescimento, adotado nos últimos anos, excessivamente dependente de importações para suprimento do consumo, elevado e custoso endividamento dos consumidores, além de exagero nas desonerações sem exigência de contrapartidas. Esse quadro tem sido agravado pelos impactos do ajuste em curso e também pela paralisação dos investimentos, decorrente dos desdobramentos da Operação Lava Jato”, afirma.

Reduzir a taxa de juros

Lacerda tem opinado que a crise é pontual e pode ser superada, mas exigirá mudanças de rumo. Segundo ele, a inflação brasileira tem pouca relação com um excesso de demanda, não justificando, portanto, a manutenção de taxas de juros tão elevadas como as do país. Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), a taxa básica de juros (Selic), foi mantida em 14,25% ao ano – a maior desde 2006.

“As pressões inflacionárias no Brasil, majoritariamente, decorrem de questões de oferta: falta de investimentos, problemas de estiagem, de urbanização, que encarecem produtos agrícolas, entre outros. Além disso, a indexação continua sendo um fator de rigidez para a redução da taxa de inflação. No entanto, como as autoridades monetárias tendem a diagnosticar que as pressões inflacionárias são consequência de uma demanda aquecida, a elevação da taxa Selic é a medida usualmente adotada como forma de combate à elevação de preços”, ele diz, alertando que juro alto “contrai ainda mais a atividade econômica, reduzindo a receita tributária e comprometendo o ajuste desejado”.

Do outro lado, a consequência das taxas elevadas é que o Estado gasta mais com o financiamento da dívida pública. Segundo Lacerda, este ano, o país deve transferir algo em torno de 8% a 9% de seu Produto Interno Bruto para credores da dívida, algo em torno de R$ 500 bilhões. “É cerca de 20 vezes o que custa o Bolsa Família por ano. Trata-se de uma anomalia. E grande medida dela parte do próprio Banco Central, amarrado no regime de metas da inflação, que tem exigido taxas de juros excessivamente altas.” 

O professor tem destacado que o Brasil tornou-se um país adepto do rentismo, em contraponto à produção e ao investimento produtivo, que gera empregos e ajuda a economia. “Somos o único país no mundo que remunera seus credores, praticamente sem risco, e por qualquer prazo, a juros reais (acima da inflação) de 6% ao ano. Isso diante de um quadro internacional em que a imensa maioria dos países pratica juros reais negativos, como nos Estados Unidos, Europa e Japão e outros, que mesmo diante de indicadores piores que o nosso, como inflação, deficit e dívida pública, adotam taxas de juros menores”, escreveu em artigo publicado em junho no Estado de S. Paulo.

Diante dos números, o economista analisa que o esforço fiscal que vier a ser feito a partir do ajuste será consumido pela elevação da taxa de juros.

No seu primeiro governo, a presidenta Dilma Rousseff fez um movimento para baixar a Selic, mas ele não se sustentou. De acordo com o professor, faltou respaldo político e uma coordenação maior entre as políticas monetária e fiscal. “Mas outro aspecto é cultural. Somos uma sociedade viciada em juros elevados. O cidadão reclama da remuneração das suas aplicações financeiras, mas aceita passivamente os juros muito mais elevados cobrados no crediário, cheque especial e cartão de crédito, por exemplo”, critica.

Para o economista, o salto no consumo verificado no país nos últimos anos não foi aproveitado para a expansão industrial. O problema, ele afirma, não esteve relacionado à capacidade produtiva das empresas brasileiras, mas a condições desfavoráveis que reduzem a competitividade do produto brasileiro, frente aos importados.

“O problema não é de capacidade produtiva, mas de competitividade. Como as condições sistêmicas – câmbio, juros, tributos, infraestrutura, burocracia, aquelas que independem das empresas – são desfavoráveis comparativamente aos concorrentes internacionais, abre-se um enorme espaço para o crescimento das importações, que acabam ocupando o lugar da atividade doméstica”, lamenta.

Corrêa de Lacerda avalia que o combate à crise exige iniciativas não apenas por parte do governo. Empresários e trabalhadores também têm um papel a cumprir. “É preciso que haja alguma forma de pacto, de acordo, não apenas para apoiar e exigir medidas governamentais, mas para adotar atitudes que possam minimizar os efeitos da crise”, sugere.