Joan Edesson de Oliveira: A Infantaria do Ódio

Neste domingo (16), pelas ruas de diversas cidades do Brasil, o ódio desfilou livremente, a baba viscosa e venenosa contaminando olhos e ouvidos de quem, estarrecido, assistia àquela micareta de horrores, brotada de um passado não tão distante assim.

Por *Joan Edesson de Oliveira


Não foi uma manifestação de democracia, como iludem-se alguns. Democratas não sonham com a morte dos seus opositores e nem a pregam abertamente nas ruas. Democratas não lamentam, como aquela senhora, em tom de afirmação ou de interrogação, ainda não sei bem, “porque não mataram todos em 1964”. Democratas não lamentam, como a senhora de cabelos brancos, provavelmente uma avó que já viu muito na vida, o fato da Presidenta da República, outra avó que viu de perto e queimou no inferno da tortura, não ter sido enforcada nas masmorras do DOI-CODI. Democratas não vociferam “somos todos Cunha” com indisfarçável orgulho. Democratas não sorriem enquanto ajudam o filho, uma criança ainda, a segurar um cartaz afirmando que “sonegar impostos é legítima defesa”. Democratas não discursam inflamados, como o tolo de Belo Horizonte, contra padres e freiras da Teologia da Libertação, nem pregam o ódio em nome de Deus. Democratas não rezam ajoelhados em frente aos quartéis pedindo ditadura militar. Democratas não fazem, felizes e verdeamarelados, a saudação de “Heil Hitler”.

Não, o que vimos ontem, 16 de agosto, não foi uma manifestação de democracia, decididamente. O que vimos foi uma marcha fascista. E não me convencem alguns bem intencionados de que estavam ali contra a corrupção, que são democratas, que não concordam com algumas das ideias ali colocadas, que aqueles outros eram minoria. Quem marcha junto com os fascistas, quem confraterniza nas ruas com nazistas assumidos, quem tira fotos com a mesma polícia que acaba de cometer mais uma chacina, é também um fascista, um nazista, um cúmplice silencioso de assassinatos.

A indignação seletiva contra a corrupção não é apenas filha da ignorância. A indignação seletiva contra a corrupção é típica de quem defende seus injustos privilégios, de quem se sente incomodado com a ascensão social e com a melhoria das condições de vida dos mais pobres. Não é a ignorância, é a certeza de que são melhores, que leva alguém a ostentar orgulhosamente o cartaz afirmando que “governo sem corrupção é governo de ricos, pois ricos não precisam roubar”. Eis aí um excelente mote. Poderíamos retrucar aos pais do garoto que portava o cartaz, pois certamente não foi ele a escrever aquela pérola, que a sua afirmação é de que “pobres roubam porque precisam, e ricos roubam porque são ladrões mesmo, por hábito”. É isso que aquele cartaz traduz.

Não importa se a insensata marcha de ontem foi menor que as anteriores. Ali não estavam todos, infelizmente. Quem desfilou ontem pelas ruas foi apenas a infantaria do ódio, a força primária do exército fascista. Na verdade, apenas um pelotão de infantaria, barulhento, recrutado exclusivamente com base no ódio.

Silenciosos ainda, bem protegidos por trás das montanhas, os verdadeiros generais ainda não deram as caras. Esperam pacientes que um grupo de soldados e alguns poucos tenentes façam um serviço sujo nas ruas. Esperam para ver se, de fato, há condições para se desencadear a guerra. Não nos enganemos, por enquanto o fascismo faz muito barulho. Mas eles avançarão, se acharem que podem. Lançarão mais bombas, se acharem que podem. Por agora, contentam-se em pregar em cartazes e discursos a morte dos que pensam diferente. Falam em varrer o comunismo, em acabar com os comunistas e englobam aí todos os que pensam de outra forma. Mas se acharem que dá, passarão das palavras aos atos. Do cartaz, o enforcamento passará ao poste. Do sonho, a esterilização das mulheres pobres passará à realidade.

Cabe a nós a resistência. Deixaremos mesmo que a infantaria fascista ocupe novamente o território da democracia, tão duramente conquistado e reconquistado? Deixaremos que essa democracia, ainda tênue e débil, seja novamente espancada, pisoteada, rota pelo ódio dos fascistas que ontem saíram às ruas?

*Joan Edesson de Oliveira é educador.

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