Quem precisa da Academia Brasileira de Letras?

A Academia Brasileira de Letras anunciou que não concederá, neste ano, nenhum prêmio literário na categoria poesia – no valor de R$ 50 mil – para livros publicados em 2014. A comissão responsável pelo parecer é formada por três membros da academia, Ferreira Gullar, Alberto da Costa e Silva e Cleonice Berardinelli, e sua decisão foi aprovada em sessão plenária da ABL.

Por Claudio Daniel*, especial para o Vermelho

Academia Brasileira de Letras - Reprodução

A notícia foi veiculada no jornal O Globo – cujo diretor, Roberto Marinho, falecido em 2003 e conhecido por seu apoio à ditadura militar, foi agraciado com o título de “imortal”, mesmo sem ter escrito uma única obra literária. A relevância da Academia Brasileira de Letras para a divulgação de nossa literatura é, há bastante tempo, discutível: poetas e escritores como Monteiro Lobato, Lima Barreto, Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Augusto de Campos, Paulo Leminski, Roberto Piva, jamais foram eleitos para se sentarem à mesa dos “imortais”.

A ABL ofereceu o fardão, o chá das cinco e o túmulo gratuito para personagens sinistros de nossa história, entre eles o general Lira Tavares, um dos autores do AI-5 (que assinava sua obra poética com o pseudônimo de "Adelita"), Marco Maciel, José Sarney, Fernando Henrique Cardoso (autor da célebre frase: “esqueçam tudo o que escrevi”), além de personalidades midiáticas como o cirurgião plástico Ivo Pitanguy, o “bruxo” Paulo Coelho e o jornalista do Globo Merval Pereira, conhecido pelo colérico discurso antipetista.

A relação de nomes apresentada acima nos leva a pensar: que autoridade tem a ABL para julgar a qualidade de uma obra literária? Qual tem sido a sua contribuição para a divulgação da literatura brasileira, no país e no exterior? Qual é a relevância da ABL em nosso cenário cultural e por qual motivo ela ainda existe? Sem dúvida, todas essas questões merecem ser debatidas pela sociedade brasileira, que paga com seus impostos as benesses da egrégia arcádia e merece ser informada sobre o que é realizado por essa onerosa instituição, inclusive para decidir se vale ou não a pena pagar a conta.

O que pretendo discutir aqui, porém, é outro coisa: será que realmente não foi publicado nenhum livro de poesia de qualidade em 2014? O país está tão pobre em matéria de poesia? Ou será que não temos uma crítica literária especializada séria na imprensa diária? (Ferreira Gullar tem uma coluna no jornal Folha de S. Paulo, mas prefere usar o espaço para defender a redução da maioridade penal e a criação de colônias penais agrícolas).

Lançamentos de livros de poesia raramente são noticiados na mídia impressa, autores contemporâneos quase nunca são entrevistados em programas de rádio e televisão, as grandes livrarias preferem colocar na vitrine livros esotéricos ou de autoajuda e, para completar o triste cenário, as escolas de ensino médio e muitas faculdades de Letras evitam a literatura contemporânea.

Neste contexto cruel, quem faz a diferença são as pequenas editoras, como a Patuá, Demônio Negro, Oficina Raquel, Dobra Editorial, Lumme Editor, entre outras, que assumem o risco de publicar livros de poesia de qualidade, geralmente em edições de pequena tiragem e com apurado cuidado gráfico.

Livros que, provavelmente, Ferreira Gullar e seus amigos nunca leram, por falta de informação, interesse ou generosidade, dos quais eu gostaria de citar pelo menos cinco títulos: Retornaremos das cinzas para sonhar com o silêncio, de Marcelo Ariel, Grimório de Gavita, de Andréia Carvalho, Minimoabismo, de Priscila Merizzio, Experiências extraordinárias, de Rodrigo Garcia Lopes, e Onze duodécimos, de Horácio Costa. Poderia citar outros títulos, mas acredito que estes cinco sejam representativos da melhor poesia feita atualmente no Brasil.

Uma poesia que não depende do clube de autoelogio a que se resumiu a ABL, não obtém favores da moda e da mídia, mas insiste em existir e se reinventar, mesmo na condição de ruído, dissonância, resistência à mediocridade.