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A poesia de Roberta Tostes Daniel

Letras Vermelhas desta semana traz a obra da jovem poeta Roberta Tostes Daniel. A carioca tem seus poemas publicados em diversas revistas eletrônicas especializadas, entre elas: Mallarmargens, Zunái, Musa Rara, Diversos Afins, além de blogs e no site do Centro Cultural São Paulo.

Roberta - Arquivo pessoal

A obra de Roberta também já integrou algumas antologias: “Desvio para o Vermelho: Treze Poetas brasileiros contemporâneos” (Org. Marceli Andresa Becker – Coleção Poesia Viva – CCSP), “Amar, verbo atemporal” (Org. Celina Portocarrero – Editora Rocco) e “História íntima da leitura” (Org. Fabiana Turci – Editora Vagamundo). Publica periodicamente em seu blog Sede em frente ao mar. http://sedemfrenteaomar.wordpress.com

Leia dois poemas na íntegra:

Junho

Então, os véus se tocam.
Bandeira, gás
o corpo em luta.
Seja no quarto, seja na rua.
Tudo é cálice, todos se bebem
e aludem, apaixonados
quebrando grilhões
músculo estriado
mundo – a luz
que sobre eles desce
é noite mais funda.

£

Deixei o terreno insondável dos pássaros
acordos escusos com azuis
bicos, vermelhos, garras.
Delicadezas imaginadas
musgo e merda
selvagem que cobre o chão.
Caminho sobre selvas desossadas
guerreiros canibais, chorume
bala perdida e gás lacrimogêneo.
A indiferença assassina.
Homens sem rosto assediam
ventres metonímicos e pernas
halterofilistas.
Civilizadamente, deixamos de existir.

£

Decidi amar o que fosse:
gerações de mísseis abandonados
grotas acidentais
o cavar fundo da mina.
Encontrar estilhaços
na topografia
quero dizer
rota do cansaço.
E amar
o travestimento
da parte de quem
conserva intacta
a derme
planetária.
Isto de ser alma
é: laceração.

£

Colocar tapumes no inefável.

Meu nome é chacina.
Meu nome é ninguém.

Insisto em armistícios.

Sabemos que bandeiras
esgotam o céu.

Ter uma casa de chamados.

Concreta e aveludada
as bandeiras certas

não foram ainda empunhadas –
sobre elas os punhos da opressão.

Eu descia a cidade e o sol sabia que
éramos fracos.

Havia um conclave em Maio
feito de acontecimentos minúsculos.

Ao redor da nossa paixão
uma coisa gigantesca não é enunciada.

£
    *
Luxúria

De quanto eu te olho.
Quando o caminho é feito
de grandeza e cascata.
O cheiro notívago, galhos que somos.
Do estar sem pauta.
Tinta do esmalte, rasgando.
Casas em suas manhãs
suspensas.
Desmedido no pincel dos dedos
o certeiro.

£

Toda floração –

rebentável enigma
sucede imigrante.

Para cada veio
a modéstia dos regatos.

Eu me fundo
caiada e transparente

como as banhistas de Malevich.

E o meu corpo
um sol negro

diz: Virgínias.
E a voz sem sombra

desce onde
ninguém vai.

Afloro
meu mosaico de perdas.

£

Foi preciso muita palavra
até arrancar deste silêncio
um lugar seguro.

Que não dá o seu paradeiro
leva minhas pernas
antiogiva de mim.

Recuso fragmentos
tenho força de abandonar
o caminho escuro.

O que seja a minha lei
desfaço
abro-me ao sol inteiro:

quero um corpo para dizer.

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