Sede da Conmebol tem status de embaixada no Paraguai

No Paraguai, a sede da Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol), entidade-membro da Fifa (Federação Internacional de Futebol), tem status similar ao de uma embaixada estrangeira e pode ser comparada a uma espécie de “Vaticano”, por não precisar se submeter às leis do país.

Por Vanessa Martina Silva*, na Opera Mundi

Conmebol - Juan Alberto Pérez Doldán

Por conta de uma lei de 1997, a organização que reúne as dez federações de futebol da América do Sul, entre elas a CBF, tem imunidade diplomática. De acordo com o professor de direito internacional da USP, Luiz Olavo Batista, apenas a Ordem Soberana e Militar Hospitalar de São João de Jerusalém, de Rodes e de Malta tem status semelhante no mundo.

A imunidade diplomática concedida à Conmebol significa, na prática, que os paraguaios investigados por supostos envolvimentos com corrupção no escândalo conhecido como FifaGate — no caso o presidente e o ex-presidente da entidade, Juan Ángel Napout e Nicolás Leoz, respectivamente —, uma vez dentro dos limites da chamada “cidade Conmebol” não poderiam ser presos e ainda teriam o status de asilados.

Localizada na cidade de Luque, a 14 quilômetros de Assunção, a “cidade Conmebol” tem os três edifícios mais modernos de todo o Paraguai: a sede, o museu e o hotel. As obras, que custaram cerca de US$ 90 milhões, foram realizadas por Leoz, que esteve à frente da entidade por 27 anos.

Irregularidades

A imunidade diplomática de que goza a entidade futebolística é fruto da lei nº 1070/97. O texto legal diz que, “baseado na Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, o Congresso da República do Paraguai concedeu o caráter de inviolabilidade ao local da Confederação, assim como aos seus bens, arquivos e documentos…”.

O deputado Hugo Rubín, do PEN (Partido do Encontro Nacional), que faz oposição ao governo do presidente Horácio Cartes, contou, em entrevista a Opera Mundi por telefone, que, quando tomou conhecimento da lei, considerou “uma loucura que uma instituição privada recebesse esse caráter”. Ele apresentará, na próxima quarta-feira (03), no Congresso, um projeto para derrubar o texto.

Olavo Batista, no entanto, observa que o “Paraguai é um Estado soberano e tem o direito de dar imunidade a quem ele quiser”. E ressaltou o fato de o país tem se empenhado para “atrair entidades internacionais, tal como Genebra, porque isso gera serviços, empregos e é uma medida correta que um país busque empregos para seus nacionais”.

O deputado discorda. “Naquele momento [em que a Conmebol veio ao país], o Paraguai foi o único que esteve disposto a dar esse direito de inviolabilidade ao prédio e documentos. Creio que isso é totalmente irregular, aposto que não há nada semelhante no Brasil”, comenta.

FifaGate

Quanto à possibilidade de procurados pela Justiça internacional se asilarem na sede da Conmebol, o deputado aponta que essa é uma questão que divide os juristas do país, mas opina que, como não podem entrar “juízes, promotores ou mesmo a polícia, até um assassinato pode ocorrer lá dentro e as autoridades não podem fazer nada”. Com relação ao FifaGate, Rubín ressalta que, “neste momento, podem estar queimando documentos ou retirando papéis comprometedores para que não sejam encontrados”.

Já o professor de direito considera que o país poderia permitir uma ação da Justiça. "O país é obrigado pela Interpol a colaborar com ela. Se trataria de um processo similar a uma extradição”, caso algum dos investigados estivesse lá, exemplifica. A tese é contestada por Rubín, já que o Paraguai não tem jurisdição sobre o território. "A lei de fato equipara a Conmebol exatamente a instituições como a ONU”.

Para Batista, no entanto, não há nenhum indício de que o Paraguai imporia qualquer empecilho à investigação, uma vez que isso poderia acarretar punições diplomáticas por parte dos Estados Unidos ou da União Europeia. “Nenhum governo tem interesse em proteger algo que revela ser um coito de criminosos”. E conclui: “a imunidade protege contra a política e a polícia local, mas não vai mais longe que isso”.

Quanto à possibilidade de que a lei seja derrubada, Rubín é cauteloso. "A pressão internacional [sobre os deputados paraguaios] é importante, mas na Conmebol e na Fifa rola muito dinheiro. Aqui tem legisladores que se importam mais com o bolso do que com a imagem diante do público”, destacou.