Meninas quilombolas são submetidas a violência sexual em Goiás

Inquéritos concluídos, em 2015, pela Polícia Civil denunciam o uso de meninas kalungas como escravas sexuais, em Cavalcante, no norte de Goiás. As vítimas, entre 10 e 14 anos, têm como algozes homens poderosos, denuncia reportagem do Correio Braziliense publicada no último dia 15. A partir de então, autoridades se comprometeram com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) a dar maior atenção do Judiciário e do Poder Público para coibir abusos contra crianças.

Autoridades registram casos de violência sexual contra crianças quilombolas

A reportagem denuncia que meninas descendentes de escravos nascidas em comunidades kalungas da Chapada dos Veadeiros protagonizam as mesmas histórias de horror e barbárie dos antepassados, levados à força para trabalhar nas fazendas da região nos séculos 18 e 19. Sem o ensino médio e sem qualquer possibilidade de emprego além do trabalho braçal em terras improdutivas nos povoados onde nasceram, elas são entregues pelos pais a moradores de Cavalcante.

Na cidade de 10 mil habitantes, no nordeste de Goiás, a 310km de Brasília, a maioria trabalha como empregada doméstica em casa de família de classe média. Em troca, ganha apenas comida, um lugar para dormir e horário livre para frequentar as aulas na rede pública. Para piorar, fica exposta a todo tipo de violência. A mais grave, o estupro, geralmente cometido pelos patrões, homens brancos e com poder econômico e político.

As vítimas têm entre 10 e 14 anos. Os autores, de profissionais liberais a políticos, de 20 a 70. Por enquanto, eles continuam impunes. No entanto, a história começou a mudar em dezembro, quando a direção da Polícia Civil goiana decidiu trocar todo o efetivo da delegacia local. Mesmo sem estrutura e gente suficiente, os novos investigadores, vindos de outras cidades e assustados com tantos casos de estupro de vulnerável — em que a vítima tem menos de 14 anos — engavetados, decidiram dar prioridade a esse tipo de ocorrência. Desde então, concluíram oito inquéritos. O mais recente tem como indiciado o vice-presidente da Câmara Municipal, Jorge Cheim (PSD), 62 anos. Há duas semanas, um laudo comprovou o estupro da menina kalunga de 12 anos que morava na casa dele.

Sem respostas

O delegado Diogo Luiz Barreira pediu a prisão preventiva de Cheim, que, além de vereador por três mandatos, é ex-prefeito de Cavalcante e marido da atual vice-prefeita do município, Maria Celeste Cavalcante Alves (PSD). O pedido e o inquérito contra ele estão com a única promotora de Justiça de Cavalcante, Úrsula Catarina Fernandes Siqueira Pinto. Respondendo pela comarca do município há 18 anos, ela é casada com um primo de Cheim. A amigos e policiais da cidade, ela disse que deve se declarar suspeita na fase de ação judicial. A Corregedoria-Geral do Ministério Público de Goiás (MPGO) analisa reclamação autuada no mês passado contra o trabalho dela. Na denúncia, moradores reclamam de supostas lentidão e falta de resposta às denúncias de crimes cometidos na cidade.

Autoridades se compromentem em resolver os casos de violência

Autoridades goianas se comprometeram com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) a dar maior atenção do Judiciário e do Poder Público para coibir abusos contra quilombolas, no município de Cavalcante, no norte de Goiás. O compromisso foi assumido também com representantes da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) e da Fundação Palmares, que foram a Goiânia entre os dias 23 e 25 deste mês.

Representantes do governo, do Ministério Público e da sociedade civil apuram denúncias publicadas na imprensa de que meninas da comunidade quilombola Kalunga estariam sendo submetidas, em Cavalcante, a trabalho doméstico, abusos, estupro e exploração sexual. A Secretaria de Segurança Pública de Goiás (SSP-GO) informou à comitiva que determinou o envio de policiais femininas para a cidade, para atender e proteger as vítimas.

Conselheiras tutelares também estão sendo ameaçadas na região. A SSP-GO manifestou atenção especial na proteção dessas profissionais. “Já determinamos a atuação de policiais femininas, que vão auxiliar no atendimento às vítimas, bem como na proteção das conselheiras tutelares ameaçadas. Também estamos verificando a possibilidade de designar um delegado no município para atuar especificamente no caso”, disse à Seppir o secretário de Segurança Pública do estado, Joaquim Mesquita.

No Tribunal de Justiça de Goiás, a comitiva recebeu a notícia de que processos envolvendo violência sexual contra vulneráveis serão inseridos no Programa Justiça Plena, de âmbito estadual, que confere maior celeridade aos processos. Além disso, mais servidores devem trabalhar em Cavalcante, e o órgão recomendou que o juiz responsável pela região “atue de forma mais efetiva” sobre esse tipo de crime.

A comitiva também conversou com o Ministério Público estadual e a Defensoria Pública do Estado. De acordo com a Seppir, a defensoria vai prestar assistência jurídica para as crianças e adolescentes. Todos os compromissos assumidos foram levados às lideranças quilombolas, no distrito de Vão das Almas.

“Tem uma preocupação dessas comunidades que esse acompanhamento se dê de maneira perene. A gente precisa reforçar os compromissos no pacto federativo, de maneira que cada ente possa entregar o que está na sua responsabilidade”, explicou Fernanda Papa, coordenadora-geral do Fortalecimento da Rede de Atendimento às Mulheres, da SPM.

De acordo com ela, não é a primeira vez que as comunidades recebem autoridades, e há o receio dos quilombolas de que as providências fiquem na promessa. “Isso é algo que a comunidade apontou para nós, que não é a primeira vez que as autoridades se voltam para a cidade, mas quando se retiram quase tudo volta [a ser] como era antes. A SPM não vai medir esforços para articular parceiros para fazer um trabalho de caráter permanente, não pontual”, acrescentou.

Para que isso ocorra, já está sendo articulada uma volta à cidade, para uma oficina de agentes do governo federal com parceiros locais. A ideia da oficina, com data a ser marcada, é articular ações já existentes para que sejam sensíveis a essas comunidades. “Já há investimento anterior do governo federal lá, e a gente precisa aproximar mais as ações desse público”, concluiu Fernanda.

No encontro com o MP-GO, a representante da Secretaria de Políticas para Mulheres, Janaína Oliveira, enfatizou o papel da instituição na reversão dessa realidade de violência. “O Ministério Público tem o papel fundamental de verificar as situações de abusos dentro e fora da comunidade de modo a transformar essa realidade. Meninas de 12 anos devem estar estudando e brincando, e não trabalhando em casas de família e sofrendo violência sexual”, ressaltou.

Legislativo estadual

As deputadas estaduais Isaura Lemos (PCdoB-GO) e Adriana Accorsi (PT-GO) solicitaram a visita da Comitiva na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás. Accorsi colocou a Comissão de Segurança Pública à disposição da Comitiva para auxiliar nas articulações com o governo do estado e no diálogo com a comunidade quilombola kalunga. “Entregamos requerimentos solicitando providências no sentido de averiguar a possibilidade de tráfico de crianças para o trabalho escravo, além da construção de uma escola estadual dentro da comunidade”, afirmou a deputada Adriana Accorsi.

Do Portal Vermelho, com informações do Correio Braziliense e agências