Cunha apressa reforma política; para movimentos, é contrarreforma

Eduardo Cunha diz que prazo dos deputados para discutir tema vai até dia 25 de maio ou encaminhará matéria direto para plenário. Parlamentares alertam que agenda proposta não é a cobrada pela sociedade

Eduardo Cunha

Depois do Projeto de Lei (PL) 4.330, da terceirização, o próximo alvo de discussões diversas entre a bancada mais conservadora do Congresso Nacional, movimentos sociais e parlamentares da base aliada já tem nome e data para acontecer. Trata-se da inclusão, na pauta do plenário, sem o consenso da maioria dos deputados, de uma proposta de suposta reforma política.

A proposta que tramita na Casa desde o início do ano nem de longe apresenta em seu teor a maior parte dos pedidos e sugestões formuladas pela sociedade. Mas o presidente da Casa, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse e repetiu que os integrantes da comissão responsáveis pela apreciação da matéria estão avisados.

A promessa de Cunha é de o relatório ser submetido e apreciado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa e de lá seguir para o plenário. Caso a CCJ protele esta apreciação, ele ameaçou determinar, usando a prerrogativa de presidente, o encaminhamento deste documento direto para o plenário – para a discussão acontecer durante a votação. Nesta sexta-feira (24), em visita a Campo Grande (MS), Cunha afirmou que aguardará apenas mais um mês. Na última semana de maio – a partir do dia 25, portanto, estará incluindo a matéria na pauta do plenário.

“Essa semana (de 25 a 29 de maio) será reservada para a votação da reforma política. Temos um prazo para que a matéria siga para apreciação do Senado e as medidas possam ser implantadas nas eleições de 2016”, acrescentou. Em palestra feita para industriais e empresários sul-matogrossenses, o presidente da Câmara destacou, ainda, que “a verdade é que ninguém aguenta mais fazer uma eleição como a do ano passado”. “Todo mundo reclama. Então, ou mudamos a regra ou não sabemos o que é que vai dar”, ressaltou.

Sobre o ponto mais polêmico da discussão em torno da reforma, que é o fim do financiamento de empresas, solicitado pela maior parte das entidades da sociedade civil, Eduardo Cunha – um dos maiores responsáveis pelo financiamento feito pelas empresas a muitos dos deputados da atual legislatura e um dos defensores da prática – foi taxativo.

Disse que considera “hipocrisia” e que o importante é que a solução a ser votada contribua para reduzir os gastos com as campanhas eleitorais. Reiterou que a questão consiste num debate a ser concluído nestes próximos dias, entre os deputados.

“Ninguém aguenta mais um marqueteiro ganhando R$ 1 milhão para fazer campanha de presidente da República. O povo quer ouvir o que você pensa, não ver filme bonitinho. A sociedade quer o debate político, que reduz o custo e evita que o poder econômico interfira na ideia”, acentuou.

O presidente acusa o PT de protelar a votação da matéria. “Estamos cansados. Eles falam e falam, mas na hora, ninguém quer votar absolutamente nada. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) estava há um ano e três meses na CCJ com sua admissibilidade obstruída pelo PT. O PT só quer saber de lista e financiamento público de campanha, do resto não quer saber. É um direito deles, mas não podem impedir a sociedade de discutir”, ressaltou.

A notícia pegou de surpresa os próprios integrantes da comissão especial criada para analisar a matéria. Para atender ao prazo, embora alguns deputados tenham evitado comentar o assunto, vão ser necessários agendamentos mais curtos de reuniões e audiências públicas, numa forma de correr contra o tempo.

O relator da comissão, deputado Marcelo Castro (PMDB-PI), que preferiu não falar na decisão do presidente de adiantamento dos trabalhos, afirmou que já tem definição sobre alguns pontos a serem incluídos no seu relatório e a forma como serão apresentados. São estes, segundo ele, o fim da reeleição para prefeito, governador e presidente da República, mandato de cinco anos para todos os cargos eletivos (incluindo os senadores), coincidência das eleições municipais, estaduais e nacionais e fim das coligações proporcionais.

Castro pretende acrescentar no texto, ainda, diminuição do tempo de campanha e, em relação à cláusula de fidelidade partidária, estabelecimento de um novo prazo para que o político mude de legenda antes das eleições seguintes. Mas em relação ao ponto nelvrálgico da questão, que é o financiamento de campanha, o relator defende a autorização de um financiamento misto, ou seja: público e privado.

E quanto ao sistema eleitoral, contou aguardar uma melhor definição por parte dos integrantes da comissão, que hoje possuem posições divergentes entre o chamado "distritão" (que permitirá serem eleitos os candidatos mais votados, independentemente do partido ao qual pertençam) ou o distrital misto (que reúne votos do candidato, mas também leva em consideração a proporção de votos nas legendas).

O presidente da comissão, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que não retornou aos contatos feitos pela RBA, destacou na última semana, durante audiências públicas, que em sua opinião existem apenas dois pontos com tendência de serem objeto de consenso até o final dos trabalhos: o sistema eleitoral e o financiamento das campanhas. Maia defende o distritão e o financiamento misto, e reiterou que, a seu ver, a tendência é de estes modelos sejam os que virão a ser incluídos no texto da PEC.

‘Antirreforma política’

Não é isso, entretanto, o que pensam os parlamentares contrários à proposta.“Essa PEC é uma antirreforma política”, criticou o deputado Alessandro Molon (PT-RJ). A deputada Luiza Erundina (PSB-SP) destacou estar convencida de que “qualquer reforma traria remendos num tecido já esgarçado, absolutamente não funcional para o momento em que o País vive”.

Erundina lembrou que participou de todas as comissões especiais sobre reforma política instaladas na Câmara desde 1999 e chegou a presidir o chamado Fórum Parlamentar pela Reforma Política, que ficou esvaziado nos últimos anos. Mas disse estar cética em relação à aprovação da reforma do modo como o país precisa. “De que adiantaria melhorar uma ou outra norma eleitoral? Que diferença faria mudar uma ou outra regra aplicada aos partidos, se eles carregam consigo toda uma cultura ultrapassada?”, questionou.

O líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), ressaltou que a bancada vai buscar um diálogo entre os parlamentares para discutir melhor a matéria. “A proposta que está sendo apreciada é ruim, coloca questões perigosas para a democracia. Precisamos de uma reforma política que tenha como âncora uma questão maior que dá cobertura a todos os demais pontos da reforma, como a questão do financiamento de campanhas. Existe espaço para diálogo e é isso que buscaremos: fazer um debate grande em torno do assunto”, disse.

Para o representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o ex-deputado Aldo Arantes, o debate é difícil porque, apesar de muitos alertas, de posições colocadas por deputados comprometidos com uma mudança equilibrada nas regras políticas e eleitorais do país, e da mobilização da sociedade em torno do tema, há o confronto com os “poderosos”.

Arantes usou esse termo para se referir ao empresariado e demais representantes na manutenção do financiamento privado de campanhas. “Espero que nossos congressistas não virem as costas para a sociedade”, afirmou – expressando as preocupações de entidades diversas, movimentos sociais e os próprios parlamentares que apoiam uma proposta moderna e inovadora para o país.
PEC 352

A PEC 352 foi elaborada de forma apressada em 2013, após as manifestações populares de junho daquele ano, com o intuito de ser dada uma resposta por parte do Congresso Nacional aos anseios da sociedade.

Na prática, a criação de uma comissão para elaborar o anteprojeto foi visto como uma estratégia de grupos da Câmara que queriam justificar uma preocupação do Legislativo com o tema depois de ter sido rechaçada a mensagem do Executivo ao Congresso pedindo para que se avaliasse a possibilidade de ser realizado um plebiscito sobre a referida reforma.

Para muitas lideranças, os parlamentares escolhidos para integrar a comissão naquele período – os responsáveis pelo anteprojeto que está sendo apreciado agora pela comissão especial – deixaram de lado itens tidos como prioritários para uma mudança efetiva nestas regras.

Ao mesmo tempo, representantes de 130 entidades, entre elas OAB, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), CUT, UNE, entre outras reunidas no Movimento de Coalizão pelas Eleições Limpas trabalham pela coleta de assinaturas em todo o país por um projeto de lei de iniciativa popular sobre o tema.

Fonte: Rede Brasil Atual