Juca Ferreira: Cultura e dignidade do povo brasileiro

A criatividade do povo brasileiro é nosso maior patrimônio. Uma das mais importantes demonstrações da força dessa capacidade criativa ainda é desconhecida e ignorada pelo grande público e pela mídia: são dezenas de milhares de grupos culturais espalhados por todo o Brasil, vivenciando a arte e a cultura como instrumentos de qualificação das relações humanas e produzindo vivências de cidadania.

Por Juca Ferreira*

Juca Ferreira - MinC

São grupos que se organizaram em torno da capoeira, do teatro, da dança, da música, do cinema e do audiovisual, do Hip Hop e de manifestações tradicionais, entre outras, que com essas ações culturais fortalecem um sentimento de pertencimento e senso crítico em relação às mazelas sociais vigentes. A partir dessas atividades, o encantado mundo da cultura e das artes vem fortalecendo a noção de direitos para quem nunca os teve.

Se quisermos definir um território conceitual para essas experiências socioculturais tão diversas entre si, podemos ancorá-las no vasto território da arte-educação. Desde os anos 60, a arte-educação foi incluída como atividade curricular nas escolas brasileiras, mas sabemos como pouco avançamos no uso da cultura e da arte como instrumento pedagógico em nossas instituições de ensino.

Nas últimas décadas, a presença da arte e da cultura foi minguando nas salas de aulas brasileiras, assim empobrecendo o ambiente das nossas escolas. Enquanto isso, nas periferias e bairros pobres das cidades, na área rural, nas aldeias indígenas e nas mais diversas comunidades, a cultura e as artes tornaram-se valiosos instrumentos de inclusão e de qualidade de vida para essas populações. Estamos falando de alegria, sensibilidade e dignidade em meio a pobreza e a violência, luz no fundo do túnel dantesco do cotidiano das massas populares.

Para compensar a ausência do Estado e de suas políticas públicas, comunidades e movimentos sociais têm adotado a cultura como estratégia para a construção de empoderamento e protagonismo, como importante meio de recuperação da autoestima de grupos humanos com acesso restrito a direitos e oportunidades, e como instrumento e coesão social. A sociedade civil vem desenvolvendo essa tecnologia social em meio às dificuldades mais radicais e apesar da indiferença do Estado brasileiro.

Ainda que ocorram nos quatro cantos do Brasil, essas experiências geraram poucos contatos entre si. Mesmo guardando grande diversidade na base conceitual, metodológica e no objeto de trabalho, já são reconhecidas por instituições internacionais como uma tecnologia social poderosa e eficiente. Vários desses projetos já foram convocados para treinar governos de países africanos, e mesmo algumas prefeituras europeias, no trato com populações de rua ou em alguma outra situação de risco.

Essa trajetória vitoriosa foi construída a duras penas pelas comunidades e suas associações, por organizações não governamentais, igrejas – principalmente as pastorais católicas – , sindicatos, militares, intelectuais e artistas orgânicos dos movimentos sociais, mães de santo, mestres de capoeira – ou de alguma outra arte – e empresários mais conscientes. Até o governo Lula, o Estado contribuía muito pouco, como que houvesse renunciado a cumprir sua missão constitucional de formulador e executor de uma política capaz de promover o desenvolvimento cultural da sociedade brasileira.

Apesar de termos atingindo, nos últimos anos, altos índices de universalização de acesso à escola, sabemos que não será possível fundar uma pátria educadora se não incorporarmos a arte e a cultura no processo pedagógico. A missão do Estado na educação não pode se resumir a preparar as novas gerações para o mundo do trabalho. Nos últimos doze anos, apesar de todas as dificuldades, o Estado retomou seu lugar e seu papel na vida cultural brasileira.
Buscamos satisfazer demandas e necessidades da sociedade através de políticas públicas. Tratamos de recolocar a cultura como direito de todos os brasileiros e como política pública estratégica de governo para que o Brasil possa enfrentar os desafios desse início de século 21. Também como uma economia poderosa, geradora de ocupação e renda.

É nesse contexto que surge o Cultura Viva. Para estimular os processos e as manifestações culturais em todo Brasil. Com esta lei, tornamos de Estado uma política que até então havia sido de governo, reiteramos o reconhecimento de riqueza da cultura, do saber e do fazer produzidos pela sociedade. Cultura como dimensão estruturante de toda a existência humana, acessível a todos.

Indicador de qualidade de vida. A Lei Cultura Viva grava a importância para o desenvolvimento cultural do povo brasileiro de uma gama enorme de experiências, manifestações, projetos e ações que acontecem pelo Brasil afora e que adquiriram significados que vão além do fazer cultural: práticas efetivas, ações, ao mesmo tempo culturais, políticas, sociais e estéticas superam o discurso sobre direitos e deveres. Cultura e dignidade humana como direito de todos os brasileiros, sem limites, nem fronteiras é isso o que representa o Cultura Viva. Viva a cultura e a arte do povo brasileiro.

*Ministro da Cultura