Silvio Costa: A farsa tenta se afirmar como tragédia

A análise das manifestações recentes que objetivam criar e aprofundar uma crise econômico-política, provocar instabilidade e ingovernabilidade, gerando situação favorável ao “sangramento” do governo e a tentativa de impedimento da presidenta Dilma Rousseff, indicam algumas semelhanças em comparação a diferentes processos históricos no Brasil e em outros países e neste artigo, daremos destaque aos exemplos proporcionados pela Comuna de Paris.

Por Silvio Costa*

Cotidianamente nos deparamos com grande volume de informações veiculadas pela grande imprensa, a denominada mídia, que, de forma exaustiva e repetitiva, aborda – com ares de estarmos próximos ao fim do mundo – o processo de corrupção na Petrobras, as dificuldades enfrentadas pelo governo no Congresso Nacional para viabilizar a aprovação dos ajustes econômicos. Nós “sabemos” o que está acontecendo, fomos informados sistematicamente sobre os últimos lances, sobre o que foi dito por fulano ou beltrano – policial, advogado, juiz, parlamentar, ministro, governador, presidente, especialistas e populares. Este é o nosso cotidiano!

Essas informações se consolidam como conhecimento e como estamos bem (des)informados, passamos a emitir opiniões e a agir no entorno social em que vivemos: ir ao trabalho, a escola, a igreja, ao clube, etc. e a manifestações, que não surgem do nada. Elas são conclamadas e organizadas para expressarem os interesses daqueles que assumem sua dianteira, estejam explícitos ou não; como por exemplo, as manifestações de 13 e 15 de março últimos, aglutinados em defesa de a, b ou c, demonstrando que as ações humanas, individuais e/ou em grupo, são dirigidas pelo que cada um possui acumulado em seu cérebro. Isso por sua vez, é resultante em parte, das informações que recebemos através dos meios de comunicação. Aqui, é importante perguntar ao leitor: você conhece os interesses e compromissos econômico-político-partidário daqueles que organizam essas manifestações? Ou está entre aqueles que enganados acreditam que elas são meros frutos espontâneos da indignação de alguns? Você sabia que em alguns locais, a manifestação do dia 15, por exemplo, foi financiada por banqueiros e empresários? e em outros locais, de forma camuflada, por profissionais da política e por seus partidos? São apoiadas e estimuladas pela maioria da grande imprensa? Que os mais exaltados, que destilam ódio de forma agressiva, pretendem organizar um partido político de extrema direita, apresentando-o como “novo”?

A utilização dos instrumentos que permitem veicular essas informações, transformados em meios de comunicação, não são neutros, pois passam a expressar, queiramos ou não, gostemos ou não, a linha editorial – concepção de mundo, interesses econômicos, políticos, religiosos, culturais, morais – de seus proprietários. Entre os inumeráveis fatos que compõem a realidade, aqueles que trabalham com comunicação, seguindo a linha editorial dos proprietários desses instrumentos, retiram e isolam os que que serão transformados em notícias e os apresentam como expressão da realidade. Isso significa que um ou dois acontecimentos são transformados em verdade e ao serem assumidos e reproduzidos pelos telespectadores ou leitores, transformadas em verdades inquestionáveis e, para dar autoridade à mesma, argumenta-se: “eu vi no canal de televisão x ou y; eu li no jornal a, b ou”. Fim de papo! Caso seja necessário enfrentar um diálogo ou debate, os adeptos dessas “verdades” respondem de forma monossilábica e de forma agressiva, que “a corrupção está generalizada” e é necessário o impedimento da Presidenta; não aceitam os mínimos argumentos que contribuiriam para um debate saudável, para a busca de um melhor entendimento sobre o que de fato está acontecendo no país, possibilitando-lhes ter acesso ao conhecimento de fatos e episódios não explicitados e divulgados pela mídia. Aqui, entendemos ser necessário apresentar outras perguntas: você sabia que os instrumentos, transformados meios de comunicação, são monopolizados? Que aqueles que compõem a denominada mídia, são propriedades de seis (6) famílias? que entre elas, estão os mais ricos do país? Que estão entre os maiores sonegadores de impostos e responsáveis por evasão de divisas? Que são os que denunciam a corrupção na Petrobrás, mas ao mesmo tempo a pratica e procuram esconde-la, “jogando-a para debaixo do tapete”?

Essa situação não é nova e repete-se sistematicamente através da História e em diferentes países! Respeitando o momento histórico e as particularidades inerentes, há semelhanças inquestionáveis com acontecimentos na Comuna de Paris de 1871; na guerra civil que levou Franco ao poder, na Espanha; no processo de ascensão ao poder de Hitler, na Alemanha, Mussolini, na Itália; no suicídio de Getúlio Vargas; nas manifestações contrárias ao governo progressista de Jango Goulart, antecedentes ao golpe militar de 1964. Em todos, os interesses de pequenos grupos econômico-sociais-político-culturais reacionários, conservadores, racistas, fundamentalistas religiosos (para utilizar um termo em moda), machistas e xenófobos, se transvestem e mascaram-se como sendo o NOVO e passam a desfilar o e com ódio em diferentes espaços sociais, com destaque para a “sutileza” da mídia. Parafraseando um conhecido teórico: a farsa tenta se afirmar como tragédia! Para que isso se realize, é necessário criar e aprofundar uma crise econômico-política; ampliar o desemprego, a pobreza, a miséria; criar uma situação de ingovernabilidade; criar e reproduzir exaustivamente fatos que criem condições para o impedimento da Presidenta (e os governadores e prefeitos), estimulando a generalização do ódio e de conversas e (não)debates monossilábicos. Esses são os objetivos, não explicitados e escamoteados, dos novos (em idade biológica) e renitentes “profetas do caos”!

Utilização mistificadoras das palavras novo e revolução

Nos últimos anos os termos novo e revolução tem sido utilizado, quase sempre de forma confusa e mistificadora, para se referir a (desejos) mudanças nos diferentes campos da atividade humana: revolução na moda, revolução nas artes, revolução tecnológica, revolução no mundo da informação e nos dias atuais, para escamotear interesses escusos. Esta utilização, aproveitando da boa receptividade social ao novo, tenta em geral, apresentar o “velho” sob a roupagem de “novo”. Mas a utilização generalizada e dessa forma desses conceitos não corresponde ao conteúdo a que se quer referir, ao que procuram expressar. Mas, convenientemente, estas palavras – novo e revolução – não estão relacionadas às reais mudanças sociais e políticas profundas, mas para a expressar as tentativas enganadoras e mistificadoras de consolidação da barbárie.

A maioria do que é divulgado hoje, em significativo número dos meios de comunicação, dos estudos históricos e por significativo número de livros publicados preferem se ocupar quase que exclusivamente, de fatos secundários, cotidianos, pitorescos e curiosos, de “badalação” das características comportamentais individuais de personalidades – pessoas vips, estrelas variadas, ricaços, participantes dos BBs – e aristocratas; dos grandes feitos dos líderes e dirigentes pertencentes em geral, às classes dominantes. Assim, a história é interpretada como uma narração dos costumes individuais, sociais e identificada como sendo uma somatória de fatos isolados e curiosos, em grande parte associados à picardia.

De outro lado nos dias atuais tenta-se formar e consolidar, entre parcelas significativas da população, a opinião e a compreensão de que a leitura sistemática, o estudo, a pesquisa, o contrastar das informações e o questionamento de suas fontes, não possuem sentido, pois exige tempo e esforços intelectuais. Torna-se mais fácil, ser um a mais nessa massa humana multiforme que perambulam e se manifestam pelas diferentes cidades e países. Argumenta-se que, neste início de milênio, o Terceiro Milênio, ser moderno, ou mesmo pós-moderno, significa identificar-se com o individualismo e o irracionalismo metodológicos. Mistificadores, propagandeiam a ideia de que a História não tem estatuto científico e, ao estudá-la, devemos restringirmo-nos a leitura sobre os aspectos e comportamentos individuais e subjetivos, enfim, a fatos pitorescos, afinal esse é o “tcham”! Este tipo de comportamento e concepção tenta nos impor a compreensão de que chegamos ao “fim da história”, ao primado do individualismo e do subjetivismo. Ironicamente apregoam aos “quatro ventos” que a barbárie liberal, recém batizada de neoliberalismo, é o primado da democracia, da liberdade individual e é o objetivo e é o fim último do desenvolvimento social. Afirmam não haver alternativas que se contraponham ao mercado, ao reinado da mercadoria. Os antagonismos sociais reais, a defesa de um ideal igualitário – que move as sociedades –, estão fracassados. Veja o Leste Europeu, a ex-URSS e a crise e decadência das experiências socialistas. (COSTA, 1998: 14). Essa compreensão, base do comportamento de muitos, contribuem na realidade, para o fortalecimento daqueles que pretendem a manutenção e reprodução da barbárie, conforme o evidenciado e demonstrado por pronunciamento e cartazes exibidos nas manifestações do último 15 de março.

Significativa parcela do que é divulgado através da mídia e da história ensinada, tentam evitar referências a fatos revolucionários reais. Mas, não é possível, em sã consciência, reproduzir informações, estudar e se referir a História e mesmo a fatos de nossa atualidade, não tendo como pressupostos a compreensão do significado das grandes revoluções burguesas que marcaram os séculos 18, 19. Acrescente-se a essas, as revoluções populares-proletárias do Séc. 20, que dão início a “era das revoluções proletárias” e entre essas, destacamos as Revoluções Russa, Chinesa e Cubana. Porém há de se levar em conta, neste momento, os movimentos que produziram como resultado o retrocesso e a barbárie: a ascensão do nazismo e do fascismo; a possibilidade de golpe militar contra Getúlio Vargas, levando-o ao suicídio; as manifestações contrarias ao legitimo e legal governo de João Goulart, utilizadas como justificativas para o golpe militar e a imposição de uma sangrenta ditadura militar.

A história da humanidade está marcada por grandes agitações sociais e políticas

Não há como negar o fato de que nos três últimos séculos a história da humanidade está marcada por grandes agitações sociais e políticas de conteúdo revolucionário é até mesmo por mudanças rumo a imposição da barbárie nazi-fascista; impactando e transformando a vida de milhões e milhões de pessoas nos diferentes continentes, envolvidos direta ou indiretamente, seja nas revoluções burguesas, seja nas revoluções populares e proletárias; nas lutas anticoloniais e antiimperialistas ou no retrocesso à barbárie expressos por Hitler e Mussolini e cia. Concordando ou não, todos nós, estamos direta ou indiretamente marcados, com intensidade e de diferentes maneiras, pelo acentuado processo de revoluções e contra-revoluções e mesmo pelas tentativas de impor o retorno ao nazi-fascismo.

As revoluções populares e proletárias, qual seja a avaliação sobre seus resultados, seus erros e acertos, pode-se afirmar que, do ponto de vista da construção de uma sociedade NOVA, mais igualitária e fraterna, ainda são revoluções incompletas, apresentam uma série de problemas, debilidades e passam por acentuadas dificuldades momentâneas. Por maiores e por mais incríveis que sejam as conquistas alcançadas pelo desenvolvimento da humanidade, os problemas ocasionados pela distribuição desigual das riquezas, pela manutenção de relações econômicas e sociais baseadas na exploração e opressão, continuam atuais e se aprofundam de forma contundente e implacável. Essas contradições, com o processo de mundialização ou globalização, são agravadas e generalizadas em grande escala, anunciam e confirmam a necessidade de continuidade do ciclo das revoluções sociais.

É inevitável que ao se fazer referência a Revolução social e política, surjam diferentes atitudes e comportamentos. Para uns, que a veem como o caminho para superação da velha sociedade, despertam simpatia, admiração e apoio. Para outros, para a minoria que se beneficia dos privilégios impostos pela velha ordem, é tratada com horror e ódio, conforme o demonstrado em algumas manifestações recentes em nosso país. Uns, entendem que é possível, através de uma revolução social e política, construir um novo tipo de sociedade, a possibilidade de buscar uma sociedade menos desigual, mais democrática, que limite os privilégios e possibilite maior igualdade de direitos econômicos, sociais e políticos. Portanto, envolvem-se de forma mais ou menos apaixonada, no processo político. Outros compreendem que a consolidação e ampliação das vitórias das forças populares significam a redução ou o fim de seus privilégios, do lucro fácil e exorbitantes, de continuarem se beneficiando do generalizado processo de corrupção; portanto, tentam impedir de forma monossilábica e raivosa, o triunfo do realmente novo, de uma nova ordem rumo a uma sociedade mais igualitária e fraterna.

Inclusive hoje, diferentes setores sociais e forças políticas, na intenção de negar o conteúdo transformador das conquistas de direitos sociais e políticos pelos trabalhadores, negam, em parte ou na totalidade, aspectos irrefutáveis de nosso passado recente e tentam construir uma visão mistificada e manipuladora do que realmente ocorre em nosso país. Procuram em um passe de mágica, impedir e eliminar a explicitação dos reais interesses que os movem, “fazendo desaparecer” as contradições de classes; substituindo a secular divisão políticas entre esquerdas e direitas, substituindo-a por uma falaciosa polarização entre críticos e defensores da corrupção e por uma pretensa divisão da população. Divulga-se através de meios de comunicação monopolizados, que só são democratas aqueles que acatam e assumem as posições e a defesa dos interesses econômico-políticos da elite dominante, “quatrocentona” ou agora, “cinquecentona”.

Acreditamos ser importante sublinhar que as mudanças, as transformações reais, revolucionarias, não são fatos provocados por alguns poucos líderes, por “jovens empresários indignados”, “mal” ou “bem” intencionados, pela vontade “soberana” de um personagem, de um líder, de um presidente; pois assim estaríamos deixando de lado a História real e construindo uma interpretação parcial, equivocada, e não raramente, fantasiosa.

As mudanças, as revoluções, a construção do realmente novo, não são fatos que podem ser produzidos artificialmente, como resultado de desejos individuais, de pequenos grupos de “indignados”, de invejas e ciúmes; são sim, produzidas a partir das modificações econômicas, sociais, políticas, culturais, do aprofundamento das contradições inerentes ao próprio desenvolvimento das sociedades, que colocam em campos opostos os interesses antagônicos. É quando parcela significativa da população entende que é chegado o momento de mobilizar-se, de manifesta-se para impedir o retrocesso representado por aqueles que, nesse momento e escondendo “suas garras”, tentam apresentarem-se como expressão do novo. É quando os trabalhadores assalariados compreendem que não é mais possível continuar vivendo sob a ordem econômica, social e política existente e que é necessário transformá-la.

Em nossa opinião, é a partir dessa concepção e pressupostos, que devemos buscar informações e conhecimentos que nos permitam compreender melhor e de forma aprofundada, as últimas manifestações e nesse sentido, não podemos deixar de recorrer a importantes acontecimentos históricos repletos de ensinamentos. No campo das transformações de caráter popular, assume destaque e importância a análise objetiva da Comuna de Paris, quando entre 18 de março e 28 de maio de 1871, diferentes segmentos da população ousaram e tentaram construir uma nova sociedade e um regime democrático-popular.

A Comuna de Paris de 1871

O desencadear dos acontecimentos que levam a proclamação e instalação da Comuna, situa-se no processo de insurreição popular e proletária em Paris, expressão das tentativa de resistência armada diante do desencadear da Contrarrevolução europeia, personificada na França pelo Governo de Thiers . Situa-se ainda, no desenvolvimento da Guerra franco-prussiana; na derrocada do Império napoleônico; na perspectiva e no desejo parisiense de continuidade da guerra contra as tropas prussianas e resistência à ocupação de Paris e do território francês, frente as vacilações e capitulação do Governo Provisório, provocando com suas atitudes, generalizada desconfiança frente ao mesmo; e pelo despertar do sentimento proletário de resistência, levando-o a tentar tomar o céu de assalto. (COSTA, 1998: 15).

A importância e os ensinamentos que assume a Comuna para o movimento proletário mundial é sublinhada por Karl Marx, em sua obra A guerra civil na França, quando afirma:
“Quando a Comuna de Paris tomou em suas próprias mãos a direção da Revolução; quando, pela primeira vez na história, simples operários se atreveram a violar o monopólio de governo de seus “superiores naturais” e, em circunstâncias extraordinariamente difíceis, realizaram seu trabalho de modo modesto, consciente e eficaz, com salários o mais alto dos quais representava uma quinta parte da soma que, segundo uma alta autoridade científica, é o vencimento mínimo de um secretário de um conselho escolar de Londres, o velho mundo contorceu-se em convulsões de raiva ante o espetáculo da Bandeira Vermelha, símbolo da República do Trabalho, ondeando sobre o Hôtel de Ville. No entanto, era essa a primeira revolução pela qual a classe operária foi abertamente reconhecida como a única classe capaz de iniciativa social, inclusive pela grande massa da classe média parisiense – lojistas, artesões, comerciantes – com a única exceção dos capitalistas ricos. (…) A Comuna era, pois, a verdadeira representação de todos os elementos sãos da sociedade francesa e, portanto, o governo nacional autêntico. Mas, ao mesmo tempo, como governo operário e campeão intrépido da emancipação do trabalho, era um governo internacional no pleno sentido da palavra. Ante os olhos do exército prussiano que havia anexado à Alemanha duas províncias francesas, a Comuna anexou à França os operários do mundo inteiro”. (MARX, 1977: 200).

Neste sentido, o debate, o estudo e o conhecimento da experiência da Comuna de Paris de 1871, enquanto um acontecimento revolucionário que se coloca entre a “era das revoluções burguesas” e a “era das revoluções proletárias”, pode contribuir não somente para esclarecer o conteúdo e aspectos inerentes as lutas proletárias, mas também, sobre o caráter que pode assumir as atuais e futuras experiências de construção de uma nova sociedade igualitária e fraterna.

Crise política, mudanças e revolução

As crises estão estreitamente associadas às mobilizações sociais, guerras, sublevações, insurreições e revoluções. Em geral, as crises econômicas produzem crises sociais em diferentes níveis, produzindo e radicalizando o descontentamento popular, que pode ser mais ou menos prolongado, mais ou menos violento, principalmente quando as classes governantes, contando com o monopólio da violência organizada e institucional, reprimem mais ou menos ferozmente, as manifestações de insatisfação de parcelas crescentes da população. Estas crises, isoladamente, por si só, não levam ao desencadear do processo revolucionário, a transformações mais radicais na estrutura social. Isto poderá ocorrer quando a crise econômica se aprofunda, as contradições entre os interesses imediatos dos diferentes segmentos das classes dominantes levam a um acirramento das disputas e ao surgimento de uma crise política, provocando uma divisão na elite dirigente e governante, e suas políticas inconsistentes e vacilantes, não conseguem manter as classes populares nos limites de suas reivindicações econômicas e de caráter reformista.

Lênin, em sua obra A falência da 2ª Internacional, aponta três características que considera como sendo as principais:

1) Impossibilidade para as classes dominantes de manterem sua dominação de forma inalterada, o que possibilita o surgimento de uma crise na “cúpula”, crise da política dominante, criando uma fissura através da qual o descontentamento e a indignação das classes oprimidas abrem caminho para que a Revolução possa explodir. Em geral, não basta que a base não queira mais viver como antes, mas é necessário ainda que a cúpula não possa mais governar como antes;

2) Agravamento, em grande escala, da miséria e da angústia das classes oprimidas, que não aceitam mais a permanência desta situação;

3) Desenvolvimento acentuado, em virtude das razões indicadas, da atividade das massas, que se deixam, nos períodos “pacíficos”, saquear tranqüilamente, mas que, em períodos agitados, são empurradas, tanto pela crise em seu conjunto como pela própria “cúpula”, para uma ação histórica independente.

Sem estas alterações objetivas, produzidas pelo próprio desenvolvimento de uma sociedade determinada, independente da vontade pessoal de um monarca ou um governante, independentes da vontade subjetiva de uma classe ou fração de classe, a revolução é, como regra geral, impossível; pode tratar-se de uma revolta ou uma insurreição, que por maior que seja sua contundência, produz uma mistura de repressão e reformas, não chegando a ameaçar os fundamentos da ordem imperante.

Na caracterização destas condições objetivas e suas peculiaridades, que levam ao desencadeamento da Comuna de Paris, o elemento político foi decisivo em conseqüência das divisões políticas entre as classes dominantes, do crescimento da oposição republicana, radical ou conservadora e da popular-proletária, e no mais imediato, principalmente pela derrota na Guerra Franco-Prussiana. As dificuldades econômicas não são conseqüência de uma crise gestada de forma “clássica”, mas sim, pela guerra.

Nesse sentido, uma observação mais atenta do desenrrolar das disputas e contradições existentes no Brasil atual, não apontam ainda, para a possibilidade de mudanças significativas, por mais que seja o desejo dos arautos do apocalipse, que se apresentem como sendo o novo. Caso haja engano de minha parte, a vitória desses interesses, mesmo que momentânea, podem significar a afirmação da farsa como tragédia! Portanto, frente a essa possibilidade, não devemos ficar de braços cruzados, assistindo passivamente, o desenrolar dos acontecimentos. Devemos sim, travar o bom combate de ideias e em defesa da continuidade e aprofundamento da democracia em nosso país; da exigência do aprofundamento da investigação, a comprovação das denúncias e punição exemplar dos responsáveis – corruptores e corruptos –; que assuma destaque e seja efetivada a reforma política e coloque fim ao financiamento privado-empresarial aos partidos e às campanhas político-eleitoral; uma profunda reforma do sistema juridico e o fim da “intocabilidade” dos juízes que são transformados em verdadeiros “semi-deuses.

Bibliografia:
BOITO JR., Armando (1992): Crise política e revolução: o 1789 de Georges Lefebre. Campinas: IFCH / Unicamp. Col. Primeira Versão nº 44.
COSTA, Silvio (2011): Comuna de Paris: o proletariado toma o céu de assalto. 2 ed. – São Paulo : Anita Garibaldi : Fundação Mauricio Grabois; Goiânia: Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
ENGELS, F. (1977): “Introdução a “Guerra civil na França”. En MARX & ENGELS (1977): Textos. São Paulo: Alfa-Ômega.
LÊNIN, V. I. (1979): “A falência da II Internacional”. In LÊNIN, V. I. (1979): Obras escolhidas. 3 vol. São Paulo, Hucitec.
LISSAGARAY, Hippolyte Prosper-Olivier (1991): História da Comuna de 1871. São Paulo, Ensaio.
MARX, KARL (1977): “A guerra civil na França”. In MARX, K.; ENGELS, F.: Textos. 3 v. São Paulo, Alfa-Ômega.
TODD, Allan (2000): Las revoluciones. 1789-1917. Madrid, Alianza.

*Silvio Costa é cientista político, professor de Sociologia, Ciência e Teoria Política na PUC-GO. É autor entre outros, dos livros Revolução e Contra-Revolução na França (1999) e Comuna de Paris: o proletariado toma o céu de assalto (2011), ambos publicados pelas Editoras Anita Garibaldi e PUC-Goiás.