Petrobras: a deixa para um novo modelo de governança no setor público

Um dos muitos argumentos outrora utilizado para justificar a privatização de empresas públicas era o combate à corrupção. Argumento sintetizado na máxima “a oportunidade faz o ladrão”, supunha, de um lado, que não existiriam pessoas honestas, de outro, que em empresas privadas não ocorreriam atos de corrupção.

Por Edson Furlan*, no Jornal GGN

Petrobras

Para frustração de alguns, um breve estudo do comportamento humano, da história da civilização ou de teorias de personalidade relevam: existem pessoas honestas. Surpresa para outros: elas trabalham também em empresas públicas.

Como é errado pensar que diante de uma mesma situação todos procederiam da mesma forma, o mais adequado seria considerar não que “a oportunidade faz o ladrão”, mas sim que “o ladrão espera a oportunidade”, venha ela numa empresa pública ou numa empresa privada.

As cíclicas crises econômicas pelas quais passam as sociedades capitalistas (a vivida desde 2008 é só mais um exemplo) são oriundas das ações de funcionários e donos de empresas privadas que – movidos por imprudência, ganância, inadequações, conflitos de interesse no interior de corporações, conluio de empresas ou corrupção -, agem em sentido contrário ao bem comum. Por essa razão há leis antitrustes, combate a monopólios, oligopólios, criam-se órgão governamentais reguladores e se faz a tipificação de crimes como:

• Lei Federal n° 7.492, 16.6.86 – Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional;

• Lei Federal nº 8.137, 27.12.90 – Crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo;

• Lei Federal nº 9.613, 3.3.98 – Crime de Lavagem ou Ocultação de Bens Direitos e Valores;

• Lei Federal nº 10.028, 19.10.00 – Crimes Contras as Finanças Públicas;

• Lei Federal nº 12.846, 1.8.13 – Responsabilização administrativa e civil de Pessoa Jurídica pela prática de atos contra a administração.

Em decorrência de escândalos financeiros e malfeitos ocorridos em empresas privadas foram criados órgãos de controle interno, mecanismos de auditoria, de segurança, de supervisão de atividades, de operações e foram criados códigos de práticas de Governança Corporativa de modo a mitigar riscos aos negócios, evitar a ocorrência de fraudes, garantir a prestação de contas e a transparência na gestão das empresas.

São exemplos disso o ativismo de Robert A. G. Monks, o Relatório Cadbury, a Lei Sarbanes-Oxley, o Código das Melhores Práticas de Governança do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) etc.

Governança no Setor Público

As práticas de governança corporativa podem ser adaptadas para o setor público.

A International Federation of Accountants – IFAC (Federação Internacional de Contadores) lançou o guia International Framework: Good Governance in the Public Sector, com práticas recomendadas para a aplicação da governança no setor público. Outro exemplo é o Referencial Básico de Governança, aplicável a Órgãos e Entidades da Administração Pública do Tribunal de Contas da União (TCU).

O caso Petrobras abre uma grande oportunidade de mobilização social para que as novas práticas a serem ali adotadas para solucionar os problemas encontrados possam ser estendidas para as outras empresas públicas e entes federativos. Práticas que envolvam a transparência nas ações das entidades do setor público, a integridade na aplicação de recursos, a responsabilidade por prestar contas (accountability), a existência de órgãos controle interno, dentre outros.

Nosso grande problema hoje é que a existência de órgão de controle interno não é algo institucionalizado federativamente. As empresas públicas, os municípios e os Estados podem instituí-los ou não.

A falha disso decorreu de o legislador constituinte ter elegido na Constituição de 1988 (artigo 37, inciso 22) as administrações tributárias como atividades essenciais ao funcionamento do Estado (com recursos prioritários para a realização de suas atividades), mas não ter aplicado o mesmo tratamento às atividades de controle interno.

Em virtude disso os governos privilegiam a arrecadação de recursos, mas não a fiscalização da correta e adequada aplicação desses recursos – atividade a cargo do controle interno. Por muitos administradores públicos enxergarem nos órgão de controle apenas despesas de custeio, ou esses órgãos não são instituídos, ou operam sem recursos suficientes para o desempenho satisfatório de suas atividades.

Institucionalização do Controle Interno

Os órgãos de controle trabalham para a implantação das práticas de governança no Setor Público, para que ocorra a efetiva aplicação de recursos nas destinações autorizadas, para que os recursos públicos sejam aplicados com economicidade, eficiência, eficácia e efetividade.

Realizam auditorias e fiscalizações nos sistemas contábil, financeiro, orçamentário, de pessoal, em sistemas administrativos, operacionais, recomendam medidas para o saneamento de irregularidades, criam condições para o exercício do controle social sobre programas, mantém canais de comunicação entre a Administração Pública e a sociedade civil, promovem a apuração de denúncias, podem funcionar como Ouvidora Geral, apresentam orientações para a correção de distorções e fazem recomendações para a melhoria da gestão pública.

O aperfeiçoamento da gestão pública, a melhor aplicação de recursos, o combate a malfeitos e o maior controle social sobre a administração pública fazem premente a necessidade de que se obrigue por lei a criação e o funcionamento de órgãos e sistemas de controle interno nas administrações direta e indireta de todos os entes federativos.

Se empresas privadas – instituições geralmente de duração finita, pois poucas conseguem subsistir à morte de seu fundador – estabelecem dentro de sua estrutura áreas de controle interno responsáveis por auditoria e fiscalização, que dirá então de empresas públicas que devem servir por décadas, ou municípios e governos estaduais, lar e berço de milhares de gerações, entes de duração perene que se desenvolvem e transformam por séculos.

Sem a fiscalização da aplicação dos recursos públicos municipais, estaduais e federais, sem a existência de órgão de controle interno e sem a implantação de práticas de governança no setor público, continuaremos permitindo que o “ladrão” encontre sua oportunidade no setor público.

*Edson Furlan é Administrador, Psicólogo e Sociólogo.