Dia 29 de Janeiro: Dia Nacional da Visibilidade Trans

Entende-se por transexuais as pessoas que se identificam como sendo do gênero oposto ao seu sexo biológico.

Por Fátima Teles*, para o Vermelho

Bandeira do orgulho trans - Reprodução

É importante ressaltar o direito das pessoas transexuais, como cidadãos e cidadãs do País na busca de poderem gozar dos direitos Constitucionais sem discriminação ou preconceito., visando uma sociedade menos injusta e menos desigual.

É preciso não só a implementação de políticas públicas para essa população, mas a efetivação de leis que lhes garantamsegurança, dignidade e respeito, para o exercício da cidadania.

É imprescindível a efetivação da criminalização da homofobia, da transfobia, da lesbofobia para quea população Trans ligada a população LGBTT (lésbicas, gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) possam viver em paz e livres sem medo de morrerem assassinados no seu cotidiano, como se tem notícias nos altos índices da estatística brasileira.

O projeto de Lei[1] do Deputado Federal pelo Psol Jean Wyllys e da Deputada Federal pelo PT Érika KokayDispõe sobre o direito à identidade de gênero e altera o artigo 58 da Lei 6.015 de 1973.

A lei dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências.

Art. 58. Qualquer alteração posterior de nome só por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do Juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa.

Transcrevo aqui o projeto de Lei de 2013, do Deputado Jean Wyllys e da Deputada Érika kokay, chamada de Lei João Nery em homenagem a luta desse transexual que foi em busca de efetivar o reconhecimento de sua identidade de gênero [Projeto na íntegra no final do artigo].

Justificativa

As palavras visibilidade e invisibilidade são bastante significativas para a comunidade de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Pertencer a esta “sopa de letras” que representa a comunidade sexo-diversa (ou a comunidade dos “invertidos”) é transitar, ao longo da vida, entre a invisibilidade e a visibilidade. Se para lésbicas e gays, serem visíveis implica em se assumirem publicamente, para as pessoas transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais, a visibilidade é compulsória a certa altura de sua vida; isso porque, ao contrário da orientação sexual, que pode ser ocultada pela mentira, pela omissão ou pelo armário, a identidade de gênero é experimentada, pelas pessoas trans, como um estigma que não se pode ocultar, como a cor da pele para os negros e negras.

Travestis, transexuais, transgêneros e intersexuais não têm como se esconder em armários a partir de certa idade. Por isso, na maioria dos casos, mulheres e homens trans são expulsos de casa, da escola, da família, do bairro, até da cidade. A visibilidade é obrigatória para aquele cuja identidade sexual está inscrita no corpo como um estigma que não se pode ocultar sob qualquer disfarce. E o preconceito e a violência que sofrem é muito maior. Porém, de todas as invisibilidades a que eles e elas parecem condenados, a invisibilidade legal parece ser o ponto de partida.

O imbróglio jurídico sobre as identidades “legal” e “social” das pessoas travestis, transexuais e transgêneros provoca situações absurdas que mostram o tamanho do furo que ainda existe na legislação brasileira. Graças a ele, há pessoas que vivem sua vida real com um nome — o nome delas, pelo qual são conhecidas e se sentem chamadas, aquele que usam na interação social cotidiana —, mas que carregam consigo um instrumento de identificação legal, uma carteira de identidade, que diz outro nome. E esse nome aparece também na carteira de motorista, na conta de luz, no diploma da escola ou da universidade, na lista de eleitores, no contrato de aluguel, no cartão de crédito, no prontuário médico. Um nome que evidentemente é de outro, daquele “ser imaginário” que habita nos papeis, mas que ninguém conhece no mundo real.

Quer dizer, há pessoas que não existem nos registros públicos e em alguns documentos e há outras pessoas que só existem nos registros públicos e em alguns documentos. E umas e outras batem de frente no dia-a-dia em diversas situações que criam constrangimento, problemas, negação de direitos fundamentais e uma constante e desnecessária humilhação.

O livro “Viagem solitária”, maravilhosa narração autobiográfica de João W Nery, é um testemunho imprescindível para entender o quanto a reforma legal que estamos propondo é necessária. Para driblar uma lei que lhe negava o direito a ser ele mesmo, João teve que renunciar a tudo: sua história, seus estudos, seus diplomas, seu currículo. Foi só dessa maneira, com documentos falsos, analfabeto nos registros apesar de ter sido professor universitário, que ele conseguiu ser João. O presente projeto de lei, batizado com o nome de João Nery, numa justa homenagem a ele, tem por finalidade garantir que isso nunca mais aconteça. Se aprovado, garantirá finalmente o respeito do direito à identidade de gênero, acabando para sempre com uma gravíssima violação dos direitos humanos que ainda ocorre no Brasil, prejudicando gravemente a vida de milhares de pessoas.

Falamos de pessoas que se sentem, vivem, se comportam e são percebidas pelos outros como homens ou como mulheres, mas cuja identidade de gênero é negada pelo Estado, que reserva para si a exclusiva autoridade de determinar os limites exatos entre a masculinidade e a feminidade e os critérios para decidir quem fica de um lado e quem do outro, como se isso fosse possível. Travestis, transexuais e transgêneros sofrem cada dia o absurdo da lei que lhes nega o direito a ser quem são. E andam pelo mundo com sua identidade oficialmente não reconhecida, como se, das profundezas da história dos nossos antepassados filosóficos gregos, Crátilo voltasse a falar para Hermógenes: “Tu não és Hermógenes, ainda que todo o mundo te chame desse modo”.

Como diz o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, em toda discussão onde o ontológico e o jurídico entram em processo público de acasalamento, “costumam nascer monstros”. No artigo intitulado No Brasil todo o mundo é índio, exceto quem não é, ele traz à tona o debate sobre o reconhecimento oficial da/s identidade/s e sobre a pretensão da Ciência — com maiúscula — e do Estado de estabelecer critérios pretensamente “objetivos” para legitimá-las, para distinguir a identidade autêntica da inautêntica, para dizer quem é o quê. E quem não pode ser. Sobretudo, quem não pode. “É sem dúvida difícil ignorar a questão, uma vez que o Estado e seu arcabouço jurídico-legal funcionam como moinhos produtores de substâncias, categorias, papéis, funções, sujeitos, titulares desse ou daquele direito etc. O que não é carimbado pelos oficiais competentes não existe – não existe porque foi produzido fora das normas e padrões – não recebe selo de qualidade. O que não está nos autos etc. Lei é lei etc.”, diz o autor.

Travestis, transexuais e transgêneros são, hoje, no Brasil, homens e mulheres sem selo de qualidade, sem o carimbo dos oficiais competentes. Pessoas clandestinas. Mas ser homem ou ser mulher é um atributo “determinável por inspeção”? Quem determina quem tem direito a ser João ou Maria? O que é um nome? As perguntas parecem mal formuladas. Não há como o Estado determinar por lei a autenticidade masculina dos homens ou a autêntica feminidade das mulheres! Parafraseando Viveiros de Castro, só é homem ou mulher quem se garante.

Todavia, o imbróglio não termina aqui. Porque eles e elas, transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais se garantem, sim, e lutam para serem reconhecidos, e o Estado vem assumindo, aos poucos e a contragosto, essa realidade. Portarias, decretos e decisões administrativas de ministérios, governos estaduais, prefeituras, universidades e outros órgãos e instituições vêm reconhecendo o furo na lei e vêm colocando em prática soluções provisórias sob o rótulo de “nome social”, definido, por exemplo, pelo MEC, como “aquele pelo qual essas pessoas se identificam e são identificadas pela sociedade”. Quer dizer, o Estado reconhece que o nome pelo qual “essas pessoas” se identificam e são identificadas pela sociedade não é aquele que está escrito na carteira de identidade, no CPF e no diploma da escola. Que a identidade oficialmente registrada é diferente daquela que a própria sociedade reconhece e os interessados reclamam para si. Como já dizemos: parece coisa de loucos, mas é a lei.

No âmbito federal, o Ministério da Educação, o SUS, a Administração Pública Federal direta e diversas instituições federais de ensino, entre outras entidades, já ditaram normas que garantem às pessoas travestis e transexuais o uso do “nome social”. Por exemplo, a Administração Pública Federal direta, de acordo com a portaria nº 233/10 do Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão, assegura aos servidores públicos trans o uso do “nome social” nos crachás (mas apenas no anverso deles), nas comunicações internas, na identificação funcional, no endereço de correio eletrônico, no nome de usuário em sistemas de informática, no tratamento dado à pessoa pelos agentes públicos etc. Decisões semelhantes já foram tomadas por dezenas de órgãos e governos estaduais e municipais. Cerca de dezesseis (16) estados têm algum tipo de regulamentação no âmbito do poder executivo estadual sobre o respeito ao uso do nome social de pessoas trans na Administração Pública.

A identidade de gênero e o “nome social” das pessoas travestis, transexuais e transgêneros estão sendo reconhecidas, portanto, parcialmente e através de mecanismos de exceção. A dupla identidade está sendo oficializada e o Estado começa a reconhecer que existe uma discordância entre a vida real e os documentos. Esse estado de semi-legalidade das identidades trans cresce a partir de decisões diversas carregadas de boa vontade, espalhadas pelo amplo território do público. São avanços importantes que devem ser reconhecidos, porque facilitaram a vida de milhares de seres humanos esquecidos pela lei, mas, ao mesmo tempo, evidenciam um caos jurídico que deve ser resolvido. Não dá para manter eternamente essa duplicidade e continuar fazendo de conta que estamos resolvendo o problema de fundo. Não estamos.

O que falta, e é para agora, é uma lei federal que dê uma solução definitiva à confusão reinante. É o que muitos países têm feito nos últimos anos. O presente projeto, baseado na lei de identidade de gênero argentina, recolhe a melhor dessas experiências.

A lei proposta garante o direito de toda pessoa ao reconhecimento de sua identidade de gênero, ao livre desenvolvimento de sua pessoa conforme sua identidade de gênero e a ser tratada de acordo com sua identidade de gênero e identificada dessa maneira nos instrumentos que acreditem sua identidade pessoal.

A identidade de gênero é definida no projeto com base nos Princípios de Yogyakarta sobre a aplicação do Direito Internacional dos Direitos Humanos nas questões que dizem respeito à orientação sexual e à identidade de gênero. Estes princípios foram apresentados perante a Organização das Nações Unidas (ONU) em 2007 por uma comissão internacional de juristas, criada como consequência do chamamento realizado por 54 estados, no ano anterior, diante das gravíssimas violações dos direitos humanos da população LGBT que se registram no mundo inteiro.

O documento dos Princípios de Yogyakarta define a identidade de gênero como
“a vivência interna e individual do gênero tal como cada pessoa o sente, a qual pode corresponder ou não com o sexo atribuído após o nascimento, incluindo a vivência pessoal do corpo. O exercício do direito à identidade de gênero pode envolver a modificação da aparência ou da função corporal através de meios farmacológicos, cirúrgicos ou de outra índole, desde que isso seja livremente escolhido. Também inclui outras expressões de gênero, como a vestimenta, os modos e a fala”.

No mesmo sentido, o conceito de pessoa trans utilizado no presente projeto de lei é: “pessoa que nasceu num sexo biológico definido, mas se identifica no gênero oposto ao que se entende culturalmente como correspondente a tal sexo”, o que abrange os conceitos de transexual, travesti e transgêneros; e o conceito de pessoa intersexual é “pessoa que nasceu com o sexo biológico indefinido, foi registrada e criada como pertencente a um determinado gênero, mas (neste caso em específico) não encontra identificação em tal”.

Partindo dessas definições, o projeto estabelece os mecanismos jurídicos para o reconhecimento da identidade de gênero, permitindo às pessoas a retificação de dados registrais, incluindo o sexo, o prenome e a imagem incluída na documentação
pessoal. O mecanismo estabelecido se rege pelos seguintes princípios: é de fácil acesso, rápido, pessoal, gratuito, sigiloso e evita qualquer tipo de requisito que seja invasivo da privacidade ou que tenha como único efeito a demora do processo. Realiza-se no cartório, não requer intervenção da justiça e descarta a exigência de diagnósticos ou psicológicos ou psiquiátricos, a fim de evitar a patologização das identidades trans.

Esse último ponto é fundamental. O mundo tem caminhado para a despatologização das identidades trans, tendo sido a França o primeiro país do mundo a dar esse passo, no ano de 2010. A campanha “Stop TransPathologization 2012” tem adesões de entidades, acadêmicos e militantes de diversos países do mundo – inclusive o Brasil – e intenciona que o “transexualismo” e o “transtorno de identidade de gênero” seja desconsiderado enquanto patologia e transtorno mental no DSM-V (DiagnosticandStatistical Manual of Mental Disorders da American PsychologicalAssociation, que será lançado em 2012) e no CID-11 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde da Organização Mundial de Saúde, que será lançado em 2015).

Em consonância com a legislação comparada, a lei estabelece os critérios para assegurar a continuidade jurídica da pessoa, através do número da identidade e do registro da mudança de prenome e sexo no registro civil das pessoas naturais e sua notificação aos órgãos competentes, garantindo o sigilo do trâmite. As pessoas que mudarem de sexo e prenome continuarão tendo os mesmos direitos e obrigações: se elas têm uma dívida, deverão pagá-la; se têm um emprego, continuarão empregadas; se receberam uma condena, deverão cumpri-la; se têm filhos, continuarão sendo pais ou mães; se assinaram um contrato, deverão honrá-lo. Os dados eleitorais, fiscais, de antecedentes criminais, etc., após a mudança, serão atualizados.
A lei também regulamenta as intervenções cirúrgicas e os tratamentos hormonais que se realizam como parte do processo de transexualização, garantindo a livre determinação das pessoas sobre seus corpos.

Isso já é uma realidade no Brasil: os tratamentos garantidos na presente lei já se realizam através do Sistema Único de Saúde (SUS), mas nosso projeto transforma esse direito conquistado em lei e estabelece uma série de critérios fundamentais para seu exercício, entre eles: a) a despatologização, isto é o fim dos diagnósticos de “disforia de gênero”, proibidos em diversos países por constituir formas de estigmatização anticientífica das identidades trans, como antigamente ocorria com a homossexualidade, por muito tempo considerada erroneamente uma doença; b) a independência entre o reconhecimento da identidade de gênero e as intervenções no corpo, isto é, a garantia do direito à identidade de gênero das pessoas travestis que não desejarem realizar alterações no corpo; c) a independência entre os tratamentos hormonais e as cirurgias, isto é, a garantia do direito das pessoas travestis que quiserem realizar terapias hormonais e/ou intervenções cirúrgicas parciais para adequar seus corpos à identidade de gênero autopercebida, mas não desejarem realizar a cirurgia de transgenitalização; d) a gratuidade no sistema público (SUS) e a cobertura nos planos de saúde particulares; e) a não-judicialização dos procedimentos, isto é, a livre escolha da pessoa para realizar ou não este tipo de tratamentos e/ou intervenções.

A lei também regulamenta o acesso das pessoas menores de dezoito anos aos direitos garantidos por ela, entendendo que a identidade de gênero se manifesta muito antes da maioria de idade e essa realidade não pode ser omitida.

Levando em consideração os princípios de capacidade progressiva e interesse superior da criança, em tudo de acordo com a Convenção sobre os Direitos da Criança, a Lei também garante a participação dos representantes legais do menor no processo, impede que qualquer decisão seja tomada sem o consentimento informado do menor e prevê a assistência da Defensoria Pública, de acordo com o estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

O texto proposto, como já dissemos, se baseia na lei de identidade de gênero argentina — votada por amplíssima maioria na Câmara dos Deputados e por unanimidade no Senado, com o apoio expresso da Presidenta da República e de quase todos os líderes da oposição —, considerada a mais avançada das atualmente existentes no mundo, já que reflete os debates políticos, jurídicos, filosóficos e éticos travados a respeito do assunto nos últimos anos. O projeto foi realizado com a colaboração e assessoria da ex-deputada federal argentina Silvia Augsburger, autora do primeiro projeto de lei de identidade de gênero que deu início ao debate naquele país, da ex-deputada federal Vilma Ibarra, que foi relatora da lei e responsável pelo seu texto final, e de ativistas da Federação Argentina de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Trans, impulsionadores das reformas legais realizadas no país vizinho. O projeto também leva em consideração os Princípios de Yogyakarta (Princípios sobre a Aplicação de Legislação Internacional de Direitos Humanos em relação à Orientação Sexual e Identidade de Gênero) , como já foi dito; a proposta de Anteprojeto do Estatuto da Diversidade Sexual construído pelas Comissões da Diversidade Sexual da OAB de todo o Brasil; a declaração The voicesagainsthomophobiaandtransphobia must beheard de Thomas Hammarberg, representante do Conselho da Europa para os Direitos Humanos, publicizado na conferência Combatingdiscriminationonthegroundsof sexual orientationorgenderidentityacrossEurope: Sharingknowledgeandmovingforward, ocorrida na França em março de 2012; e as recomendações da Associação Brasileira de Homens Trans.

Não podemos esquecer a figura emblemática da travesti Janaina Dutra [foto] que foi nacionalmente reconhecida , tendo sido a primeira travesti a ter seu nome social na Carteira da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) .

Sobre Janaina Dutra:

Ela nasceu Jaime César Dutra Sampaio, na paisagem sertaneja marcada pela pobreza do Município de Canindé, Estado do Ceará. Canindé era uma Cidade comum a todas as outras do sertão nordestino, castigado pela fome, pelo desemprego, preconceitos de toda ordem, machismo, sexismo e todos os problemas sociais que afetam essa nossa sociedade ainda ignorante e fechada em seus conceitos e valores conservadores.

Inquieto em sua condição sexual, ela logo partiu para os estudos, vendo nesse, a possibilidade de crescer e voar, pois o seu espírito era livre como as gaivotas que pousam para alimentar-se e sentirem a firmeza do chão, da areia, mas tem no ar o seu habitat. Ela logo assumiu-se como travesti e passou a se chamar Janaina Dutra. Foi a primeira Advogada do Brasil a ter sua carteira da ordem dos Advogados do Brasil (OAB) registrada com o nome que ela escolheu, Janaina Dutra, seu nome social.

A família foi e é a base de equilíbrio ou não para todas as pessoas e para os homossexuais ainda mais, pois diante da exclusão social e discriminação submetidos pela sociedade é preciso que haja algum apoio afetivo de sustentação e quando não encontra-se esse laço na família é preciso que esse espírito seja bastante forte para superar todas aas adversidades dentro e fora do seio familiar.

Para Janaina o amor já estava ali na figura afetiva, compreensiva e sábia de sua mãe e no respeito de suas irmãs, amigos(as) e sobrinhos(as). Janaina faz referência a importância do apoio da família quando diz que “ o apoio da família te empodera na sociedade” 1 , ou seja, te encoraja, não te deixa obscuro diante da vida, mas te ergue e ajuda para o levante da vida, para as tristezas e as alegrias, conquistas e perdas.

Janaina segue sua trajetória de luta pelos direitos humanos das travestis. É convidada pelo Ministério da saúde para contribuir na elaboração da primeira Campanha de prevenção do HIV/AIDS entre travestis. Ocupou a Vice presidência do Grupo de Resistência Asa Branca ( Grab), de Fortaleza. Fundou a Associação de Travestis do Ceará (Atrac), exerceu o cargo de Secretária dos Direitos humanos (suplente) da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e travestis. Conquistou a presidência da Articulação Nacional de Transgêneros (Antra), tendo sido também membro do Conselho Nacional de Combate à Discriminação. Durante sua vida pautou-se na ética, na justiça e no respeito para com todas as pessoas. Conquistou o respeito através de sua postura digna, sempre em busca da efetivação da cidadania.

Ela era uma travesti de uma criticidade linda, que escrevia o seu pensamento de forma lúcida, expressando a sua indignação com a sociedade opressora em todas as suas formas de poder. Em 2004 foi publicado pela associação Brasileira interdisciplinar de AIDS (Abia), para o Seminário, um dos últimos textos escritos por Janaina Dutra onde ela diz:

A relação conflituosa e preconceituosa do homem moderno com a homossexualidade tem como pilar as três Instituições que fundamentam a nossa sociedade: O Estado, a Igreja e a Família. Um bom exemplo da dificuldade de diálogo com o Estado pode ser encontrado na própria Constituição Brasileira, em seu artigo 15, que versa sobre as garantias e direitos individuais. O artigo afirma que somos todos iguais perante a lei, sem nenhum tipo de discriminação de cor, sexo e credo religioso, no entanto, quando analisamos as relações sociais notamos uma distinção na classificação dos cidadãos. Todos os que fogem do padrão heterossexista dessa sociedade, que tem como elemento legítimo o homem, de pele branca, com uma boa conta bacária, sofrem algum tipo de discriminação.

No dia 08 de fevereiro de 2004 um Câncer pulmonar calou a voz de Janaina Dutra, mas o legado de sua luta ecoou e eternizou-se. Fortaleza , Capital de seu Estado, lhe homenageou com o nome do centro de referência LGBT Janaina Dutra, ligado a Secretaria Municipal de Direitos Humanos. Se hoje os travestis estão tendo mais espaço e visibilidade, é fruto da luta pelos seus direitos, luta coletiva. EmFevereiro de 2014 faz Dez anos da morte daquela que foi a Dama de Ferro, tão bem falada no Documentário do cineasta Wagner de Almeida. Nossoreconhecimento e a certeza de que a luta permanece em busca da liberdade e do direito de ser.

A influência da luta de Janaina Dutra ajudou na criação da lei municipal 8.211/98, que prevê punições para estabelecimentos comerciais, industriais e similares que discriminarem pessoas em virtude de sua condição ou orientação sexual.

Importante também a leitura do livro Viagem solitária de João Néry para o entendimento melhor da transexualidade.

Viagem Solitária – Memórias De Um Transexual 30 Anos Depois


João Nery e seu livro 

Por um mundo menos solitário para os “diferentes”. Viagem solitária conta a história de João W. Nery, o primeiro transexual masculino de que se teve notícia no Brasil. Especialmente dedicado a todas as pessoas que se reinventam para achar um lugar no mundo, narra a infância triste e confusa do menino tratado como menina, a adolescência transtornada, iniciada com a “monstruação” e o crescimento dos seios – que fazia de tudo para esconder -, o processo de autoafirmação e a paternidade. São muitos os personagens dessa história: de Darcy Ribeiro, considerado seu mentor intelectual e um dos primeiros amigos a compreenderem-no, a Antônio Houaiss, que, sendo um grande defensor das liberdades democráticas, recomendou seu primeiro livro para publicação, Erro de pessoa: Joana ou João?,do qual foi prefaciador. História de dramas, incompreensões e lutas, Viagem solitária é um livro tecido de dor e de coragem e que anuncia, talvez, um mundo menos solitário para os “diferentes”, para aqueles que não se enquadram entre as maiorias…

*Fátima Teles é assistente social

Referências

ALMEIDA, V.de. Janaina Dutra: Uma dama de ferro. Fortaleza, 2011
www2.assis.unesp.br/revpsico.index.php/revista/article/veewfile/…/290
http://www.vagnerdealmeida.com/
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015original.htm
http://www.saraiva.com.br/viagem-solitaria-memorias-de-um-transexual-30-anos-depois-3677270.html

[1] Projeto de Lei Nº _________/ 2013
(Dep. Jean Wyllys e Érika Kokay)
Dispõe sobre o direito à identidade de gênero e altera o artigo 58 da Lei 6.015 de 1973.
Lei João Nery
Lei de identidade de gênero
O Congresso Nacional decreta:
Artigo 1º – Toda pessoa tem direito:
I – ao reconhecimento de sua identidade de gênero;
II – ao livre desenvolvimento de sua pessoa conforme sua identidade de gênero;
III – a ser tratada de acordo com sua identidade de gênero e, em particular, a ser identificada dessa maneira nos instrumentos que acreditem sua identidade pessoal a respeito do/s prenome/s, da imagem e do sexo com que é registrada neles.

Artigo 2º – Entende-se por identidade de gênero a vivência interna e individual do gênero tal como cada pessoa o sente, a qual pode corresponder ou não com o sexo atribuído após o nascimento, incluindo a vivência pessoal do corpo.

Parágrafo único: O exercício do direito à identidade de gênero pode envolver a modificação da aparência ou da função corporal através de meios farmacológicos, cirúrgicos ou de outra índole, desde que isso seja livremente escolhido, e outras expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo de fala e maneirismos.

Artigo 3º – Toda pessoa poderá solicitar a retificação registral de sexo e a mudança do prenome e da imagem registradas na documentação pessoal, sempre que não coincidam com a sua identidade de gênero auto-percebida.

Artigo 4º – Toda pessoa que solicitar a retificação registral de sexo e a mudança do prenome e da imagem, em virtude da presente lei, deverá observar os seguintes requisitos:

I – ser maior de dezoito (18) anos;
II – apresentar ao cartório que corresponda uma solicitação escrita, na qual deverá manifestar que, de acordo com a presente lei, requer a retificação registral da certidão de nascimento e a emissão de uma nova carteira de identidade, conservando o número original;
III – expressar o/s novo/s prenome/s escolhido/s para que sejam inscritos.
Parágrafo único: Em nenhum caso serão requisitos para alteração do prenome:
I – intervenção cirúrgica de transexualização total ou parcial;
II – terapias hormonais;
III – qualquer outro tipo de tratamento ou diagnóstico psicológico ou médico;
IV – autorização judicial.

Artigo 5º – Com relação às pessoas menores de dezoito (18) anos de idade, a solicitação do trâmite a que se refere o artigo 4º deverá ser efetuada através de seus representantes legais e com a expressa conformidade de vontade da criança ou adolescente, levando em consideração os princípios de capacidade progressiva e interesse superior da criança, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente.

§1° Quando, por qualquer razão, seja negado ou não seja possível obter o consentimento de algum/a dos/as representante/s do menor, ele poderá recorrer ele poderá recorrer a assistência da Defensoria Pública para autorização judicial, mediante procedimento sumaríssimo que deve levar em consideração os princípios de capacidade progressiva e interesse superior da criança.
§2º Em todos os casos, o menor deverá contar com a assistência da Defensoria Pública, de acordo com o estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Artigo 6º – Cumpridos os requisitos estabelecidos nos artigos 4º e 5º, sem necessidade de nenhum trâmite judicial ou administrativo, o/a funcionário/a autorizado do cartório procederá:

I – a registrar no registro civil das pessoas naturais a mudança de sexo e prenome/s;
II – emitir uma nova certidão de nascimento e uma nova carteira de identidade que reflitam a mudança realizada;
III – informar imediatamente os órgãos responsáveis pelos registros públicos para que se realize a atualização de dados eleitorais, de antecedentes criminais e peças judiciais.

§1º Nos novos documentos, fica proibida qualquer referência à presente lei ou à identidade anterior, salvo com autorização por escrito da pessoa trans ou intersexual.

§2º Os trâmites previstos na presente lei serão gratuitos, pessoais, e não será necessária a intermediação de advogados/as ou gestores/as.

§3º Os trâmites de retificação de sexo e prenome/s realizados em virtude da presente lei serão sigilosos. Após a retificação, só poderão ter acesso à certidão de nascimento original aqueles que contarem com autorização escrita do/a titular da mesma.

§4º Não se dará qualquer tipo de publicidade à mudança de sexo e prenome/s, a não ser que isso seja autorizado pelo/a titular dos dados. Não será realizada a publicidade na imprensa que estabelece a lei 6.015/73 (arts. 56 e 57).

Artigo 7º – A Alteração do prenome, nos termos dos artigos 4º e 5º desta Lei, não alterará a titularidade dos direitos e obrigações jurídicas que pudessem corresponder à pessoa com anterioridade à mudança registral, nem daqueles que provenham das relações próprias do direito de família em todas as suas ordens e graus, as que se manterão inalteráveis, incluída a adoção.

§1º Da alteração do prenome em cartório prosseguirá, necessariamente, a mudança de prenome e gênero em qualquer outro documento como diplomas, certificados, carteira de identidade, CPF, passaporte, título de eleitor, Carteira Nacional de Habilitação e Carteira de Trabalho e Previdência Social.

§2º Preservará a maternidade ou paternidade da pessoa trans no registro civil de seus/suas filhos/as, retificando automaticamente também tais registros civis, se assim solicitado, independente da vontade da outra maternidade ou paternidade;

§3º Preservará o matrimônio da pessoa trans, retificando automaticamente também, se assim solicitado, a certidão de casamento independente de configurar uma união homoafetiva ou heteroafetiva.

§4º Em todos os casos, será relevante o número da carteira de identidade e o Cadastro de Pessoa Física da pessoa como garantia de continuidade jurídica.

Artigo 8º – Toda pessoa maior de dezoito (18) anos poderá realizar intervenções cirúrgicas totais ou parciais de transexualização, inclusive as de modificação genital, e/ou tratamentos hormonais integrais, a fim de adequar seu corpo à sua identidade de gênero auto-percebida.

§1º Em todos os casos, será requerido apenas o consentimento informado da pessoa. Não será necessário, em nenhum caso, qualquer tipo de diagnóstico ou tratamento psicológico ou psiquiátrico, ou autorização judicial ou administrativa.

§2º No caso das pessoas menores de dezoito (18) anos de idade, vigorarão os mesmos requisitos estabelecidos no artigo 5º para a obtenção do consentimento informado.
Artigo 9º – Os tratamentos referidos no artigo 11º serão gratuitos e deverão ser oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e pelas operadoras definidas nos incisos I e II do § 1º do art. 1º da Lei 9.656/98, por meio de sua rede de unidades conveniadas.

Parágrafo único: É vedada a exclusão de cobertura ou a determinação de requisitos distintos daqueles especificados na presente lei para a realização dos mesmos.

Artigo 10º – Deverá ser respeitada a identidade de gênero adotada pelas pessoas que usem um prenome distinto daquele que figura na sua carteira de identidade e ainda não tenham realizado a retificação registral.

Parágrafo único: O nome social requerido deverá ser usado para a citação, chamadas e demais interações verbais ou registros em âmbitos públicos ou privados.

Artigo 11º – Toda norma, regulamentação ou procedimento deverá respeitar o direito humano à identidade de gênero das pessoas. Nenhuma norma, regulamentação ou procedimento poderá limitar, restringir, excluir ou suprimir o exercício do direito à identidade de gênero das pessoas, devendo se interpretar e aplicar as normas sempre em favor do acesso a esse direito.

Artigo 12º – Modifica-se o artigo 58º da lei 6.015/73, que ficará redigido da seguinte forma:

"Art. 58º. O prenome será definitivo, exceto nos casos de discordância com a identidade de gênero auto-percebida, para os quais se aplicará a lei de identidade de gênero. Admite-se também a substituição do prenome por apelidos públicos notórios."
Artigo 13º – Revoga-se toda norma que seja contrária às disposições da presente lei.
Artigo 14º – A presente lei entra em vigor na data de sua publicação.