Tailândia 2014: Sob a onipresente sina militar

O legendário reino da Tailândia despertou em 2014 imerso em uma turbulência política protagonizada por partidos rivais que permitiam vislumbrar o desenlace crônico do que tem sido sua sina: o onipresente poder dos militares.

Tailândia

A última de suas periódicas crises de filiações teve suas origens precisamente em um golpe de Estado em 2006, o décimo exitoso entre 18 tentativas desde que instaurou-se a monarquia constitucional em 1932.

Contra o populista primeiro-ministro Taskin Shinawatra, do majoritário Partido Peu Tais, naquela ocasião encerrou-se com as eleições em 2011, e sua volta vitoriosa ao Governo, desta vez com Shinawatra à frente, a irmã do destituído presidente no exílio até os dias que correm.

Dois meses antes deste 2014, o derrotado Partido Democrático (PS) encontrou um bom motivo para atiçar seus seguidores na tentativa da bancada parlamentar do Peu de adotar uma contraditória lei de anistia que propiciava o regresso ao país de Taskin.

Acusado em tribunais por supostos atos de corrupção, se beneficiaria de um projeto legislativo de amplo alcance que cobria com o perdão responsáveis por exercer violência com fins políticos.

Ainda que abortado pelas réplicas suscitadas, converteu-se, no entanto, no detonante desencadeador de um movimento de protestos para imobilizar o governo e destituí-lo, cujo braço executor foi o denominado Comitê de Reforma Democrática Popular (CRPD), subsidiário do PS, conduzido pelo ex-deputado Suthep Thaugsuban.

Desde janeiro até maio o país viveu sob uma onda de violência política na qual perderam a vida cerca de 30 pessoas, atiçada pelo CRPD mediante marchas de rua, bloqueios e ocupações de organismos estatais e acampamentos em áreas de Bangkok, que puseram o país à beira de uma guerra civil.

Os passos empreendidos por Shinawatra em prol de uma saída constitucional à crise como a dissolução do Parlamento e a convocação de eleições gerais antecipadas se viram frustrados por uma furiosa campanha de boicote opositora à consulta, mediante bloqueios a colégios eleitorais, ameaças a integrantes de mesas e roubo de urnas.

A tentativa da dirigente de realizar um segundo turno para as circunscrições nas quais se impediu votar fracassou também ao mesmo tempo em que ela era acusada pela Comissão Nacional Anticorrupção por negligência em um programa de subsídios a cultivadores de arroz, oportunamente posto em evidência.

Encurralada e obrigada a renunciar, se avizinhou o iminente golpe de Estado que o próximo CRPD junto às elites aristocráticas e à cúpula militar haviam se encarregado de incitar e propiciar.

A esperado motim se identificou em 22 de maio, liderado pelo chefe do exército, general Prayut Ochen-ocha, que de imediato substituiu o estado de emergência vigente pelo toque de recolher e a imposição da lei de emergência, que significou deixar sem efeito a Constituição e suspender os partidos políticos.

O autoritarismo da junta militar entronizada manifestou-se desde os primeiros momentos com a citação de mais de uma centena de figuras políticas, ativistas sociais, acadêmicos e jornalistas a quartéis para retê-los e advertir-lhes de que se abstivessem de todo ato de oposição ao poder de força.

A medida de intimidação complementou-se com aplicações abusivas de legislações contra insultos à monarquia, proibição de reuniões com mais de cinco participantes e uma férrea censura à imprensa que castiga com fechamentos de meios qualquer crítica à cúpula dirigente.

Ainda que nada deste pacote repressivo tenha sido suspenso ou flexibilizado, apesar do clamor da importante indústria turística afetada por uma séria contração de visitantes estrangeiros, o regime de fato se empenha em dar um visto institucional com o qual ao menos aliviar as críticas externas, incluídas as procedentes das Nações Unidas.

Foi assim como a junta no poder, rebatizada de Conselho para a Manutenção da Paz e da Ordem, deu passo, dentro do que Prayut chama de seu "roteiro", para formar a dedo uma Assembleia Legislativa Interina de 200 membros, dominada por altos comandos das forças armadas, que como era de se esperar designou como primeiro-ministro o chefe golpista.

Sua outra peça institucional consistiu em selecionar com idêntico procedimento um Conselho Nacional de Reforma de 400 integrantes, com a orientação de recomendar mudanças cosméticas nas estruturas, segundo pautas do poder, e a redigir por um comitê uma proposta de nova Constituição.

Apesar do controle exercido neste processo dirigido de cima, dos quais foram excluídos os partidos políticos, já se advertiu no mencionado comitê sobre diametrais discrepâncias quanto a validar o direito destas formações ou dispensar sua existência em uma futura Carta Magna, um verdadeiro estrago na cultura democrática da Tailândia.

Este previsível passo em falso, talvez ponderado cautelosamente, pode explicar que a convocação de eleições para 2015, prometida por Prayut em seu roteiro, tenha sido prolongada até nunca antes da segunda metade de 2016.

De qualquer forma, sem nenhuma perspectiva de introduzir as transformações as quais aspiram as camadas populares no reino, o longo poder militar parece seguir condenado a cumprir sua sina intervencionista em repetitivos ciclos para manter a tradicional ordem social classista.

Fonte: Prensa Latina