Comissão da Verdade: sociedade precisa conhecer relatório

No dia em que comemoramos 66 anos do estabelecimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos – o dia 10 de dezembro é internacionalmente comemorado como o Dia Internacional dos Direitos Humanos – a Comissão Nacional da Verdade, instituída há dois anos e sete meses, entregou à Presidenta da República do Brasil, Dilma Rousseff, o relatório fruto dos trabalhos e disponibilizou-o ao conjunto da sociedade brasileira.

Por Vanessa Grazziotin*
 

A ditadura militar e a necessária punição dos responsáveis

Eu não tive a possibilidade de estar nesse ato, mas estive em outro ato relativo aos direitos humanos, que contou também com a participação da Presidenta Dilma Rousseff e da ministra Eleonora Menicucci, titular da Secretaria de Políticas para a Mulher, que ainda estavam muito carregadas de emoção, porque, além de ser uma parte importante da história brasileira, que passa a ser oficializada com a apresentação e a finalização do relatório, para muitas pessoas, como essas duas grandes mulheres, é um momento que lembra, talvez, o período mais difícil de suas vidas.

A Presidenta Dilma, quando jovem ainda, estudante, ficou detida por muito tempo, assim como a Ministra Eleonora Menicucci e tantos outros homens e mulheres, a exemplo de grande parte da direção do meu Partido. E quero aqui homenagear a todos através da figura do nosso Presidente Renato Rabelo, que também teve que deixar o Brasil, teve que se exilar, durante muito tempo, na Europa, impedido que estava de exercer livremente as suas atribuições, os seus direitos de cidadania em território nacional.

O relatório final da Comissão Nacional da Verdade aponta 434 mortes e desaparecimentos de vítimas da ditadura militar no País. Entre essas 434 pessoas, 210 ainda estão desaparecidas.
No documento, fica clara e evidenciada a ocorrência de graves violações aos direitos humanos durante o período do regime militar.

O relatório diz textualmente: “Essa comprovação decorreu da apuração dos fatos que se encontram detalhadamente descritos no relatório, nos quais está perfeitamente configurada a prática sistemática de detenções ilegais e arbitrárias e de tortura, assim como o cometimento de execuções, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres por agentes do Estado brasileiro.”

Mais de 300 pessoas, entre militares, agentes do Estado e até mesmo ex-presidentes da República, foram responsabilizadas por essas ações ocorridas no período que compreendeu a investigação.

O documento ainda relata que as violações registradas e comprovadas pela própria Comissão Nacional da Verdade foram resultantes “de ação generalizada e sistemática do Estado brasileiro” e que a repressão ocorrida durante a ditadura foi usada como política de Estado “concebida e implementada a partir de decisões emanadas da Presidência da República e dos ministérios militares.”

O relatório final apresenta 29 recomendações. Essas recomendações estão divididas em três grupos, assim denominadas: medidas institucionais, iniciativas de reformulação normativa e de seguimento das ações e recomendações dadas pela Comissão.

Dentre as recomendações, eu gostaria de destacar a determinação da responsabilidade jurídica dos agentes públicos envolvidos nessas ações. E, nesse caso, não propõe uma mudança na Lei de Anistia. Nesse caso, o que a Comissão propõe é afastar – afastar – a aplicação da Lei da Anistia, que é a Lei nº 6.683, de 1979, por considerar que essa atitude seria incompatível com o direito brasileiro e a ordem jurídica internacional, pois tais ilícitos, dadas a escala e a sistemática com que foram cometidos, constituem crimes contra a humanidade, imprescritíveis e não passíveis de anistia.

A Comissão Nacional da Verdade não propõe, em nenhum momento, a mudança da Lei da Anistia, mas tão-somente que a um conjunto de pessoas – localizadas através do relatório como responsáveis por todos os atos de arbitrariedade cometidos durante o regime militar –, que a essas pessoas seja, sim, aplicada a responsabilidade jurídica.

Quero dizer da minha concordância com relação a esse aspecto, a esse ponto do relatório da Comissão da Verdade, porque nós não podemos sequer imaginar que possamos, ainda, no futuro, retroceder e voltar a viver o que o Brasil passou a viver a partir de 1964.

Grande parte da direção do meu Partido teve sua vida ceifada – dirigentes do Partido Comunista. Espalhavam que eram terroristas.

Eu nunca me esqueço de um episódio em 1976. Lendo uma revista de circulação nacional, me chamou atenção uma matéria que era retratada por fotografias, ilustrada por fotografias de pessoas mortas, segundo a qual seriam terroristas que teriam sido pegos pelas forças policiais brasileiras e teriam sido mortos.

“Esses terroristas”, entre aspas, eram dirigentes do Partido Comunista do Brasil que estavam na Lapa, num bairro do Estado de São Paulo, em reunião, e lá foram pegos e foram brutalmente assassinados.

O relatório trata, de forma detalhada, de alguns episódios importantes ocorridos durante o regime militar, como a Operação Condor, como a Guerrilha do Araguaia, como o assassinato do filho da estilista Zuzu Angel, e tantos outros episódios.

A título de manter a História sempre viva, a memória viva, seria importante, e com a facilidade da tecnologia hoje, que todos os brasileiros e brasileiras pudesse acessar esse relatório. As gerações mais jovens não tiveram a oportunidade, felizmente, de viver esse momento triste da História brasileira, mas têm o dever de conhecê-lo na sua plenitude.

No mesmo dia da divulgação e da entrega à Presidente Dilma do relatório da Comissão Nacional da Verdade, nós tivemos outros dois grandes eventos relativos também ao Dia Internacional dos Direitos Humanos. Um deles foi a premiação a várias pessoas e entidades que praticam a defesa dos diretos humanos no Brasil.

Na sequência, foi dada posse aos novos conselheiros, que passam a integrar o Conselho Nacional dos Direitos Humanos. O Conselho Nacional dos Direitos Humanos, foi criado através da lei de 2 de junho deste ano de 2014, a Lei 12.986, que transformou o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana em Conselho Nacional dos Direitos Humanos. O Conselho que tomou posse é, portanto, fruto de uma lei, de um projeto que contou com a forte participação dos movimentos sociais brasileiros.

E o Conselho Nacional dos Direitos Humanos, hoje, é muito mais forte e mais democrático do que era o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Mais democrático, porque amplia a participação da sociedade civil; e também mais forte, do ponto de vista institucional. E é um conselho que visa à garantia da participação do diálogo plural e transversal, entre os vários atores sociais na defesa dos direitos humanos.
Portanto, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos é o guardião dos direitos humanos do nosso País. E é o mais antigo colegiado do Brasil, que foi criado, pela Lei nº 4.319, de 16 de março de 1964, ou seja, exatos 15 dias antes da efetivação do Golpe Militar no Brasil. Ou seja, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos, no Brasil, completa 50 anos de existência.

São 22 membros do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, dos quais 11 representam o Poder Público – e o Poder Público por meio não só do Poder Executivo, mas também do Poder Legislativo – e 11 membros representantes da sociedade civil. Ou seja, corresponde a um Conselho paritário.

A representação do Congresso Nacional ocorre por meio de dois membros da Câmara dos Deputados e dois membros do Senado Federal: um membro, representando a Maioria da Câmara dos Deputados, que é o Deputado Vicentinho (PT-SP); e um membro Parlamentar, representando a Minoria, que é o Deputado Domingos Sávio (PSDB-SP). E, pelo Senado Federal, representando a Maioria, tive a honra de ter tido a minha indicação feita pelo Presidente Renan Calheiros (PMDB-AL); e, representando o Bloco da Minoria, a senadora Lídice da Mata (PSB-BA).

É importante destacar a sensibilidade do Presidente Renan, uma vez que a Câmara dos Deputados tem dois representantes homens, ao Senado coube a indicação de duas representantes mulheres. E isso é muito importante, porque, sem dúvida nenhuma, no âmbito de tantos debates e discussões que deveremos tratar no Conselho Nacional dos Direitos Humanos, uma é a questão da mulher.

O Conselho é formado ainda pela ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Ideli Salvatti, e por representante da Procuradoria-Geral da República; do Conselho Nacional de Justiça; da Defensoria Pública da União; do Ministério das Relações Exteriores; do Ministério da Justiça; da Polícia Federal; do Senado e da Câmara, representando o Poder Legislativo.

E, entre os representantes da sociedade civil, é composto por representantes do Coletivo Brasil de Comunicação Social, do Conselho Indigenista Missionário; do Conselho Federal de Psicologia; do Movimento Nacional dos Direitos Humanos; da Ordem dos Advogados do Brasil e de tantas outras entidades representadas.

*É senadora pelo PCdoB do Amazonas, Procuradora da Mulher do Senado e membro do Conselho Nacional de Direitos Humanos.

Discurso proferido na sessão do Senado no dia 11 de dezembro.