Amaral: “Me consola Arraes não estar vivo para ver como o PSB está”

O ex-presidente do Partido Socialista Brasileira (PSB), Roberto Amaral, expressou o seu descontentamento com os rumos do partido que foi fundador. Em entrevista ao jornal O Dia, do Rio de Janeiro, Amaral afirma sentir dor ao ver que “setores” à direita e “oportunistas” sejam “burocraticamente dominantes” no PSB e Miguel Arraes, líder histórico do partido, não se identificaria hoje com a legenda que fundou. Confira a seguir a íntegra da entrevista.

Roberto Amaral
O Dia: Como o senhor viu o resultado das eleições?

Roberto Amaral: O lado positivo foi a consagração e a confirmação do projeto do governo Lula e da presidenta Dilma. Um governo com inumeráveis críticas, mas com o mérito de ter valorizado as classes subalternas. Por outro lado, houve o reaparecimento da direita. Não ao estilo europeu, mas uma direita sem base ideológica nem fundamentação doutrinária e que, por isso, passou a adotar a prática fascista, com tendências ao desrespeito à democracia. A tática hoje da direita é tentar impedir a posse da Dilma.

O Dia: Quem são hoje os representantes da direita?

Amaral: Estão majoritariamente no PSDB, no DEM e no PPS. Mas há setores de direita em quase todos os partidos, inclusive no meu.

O Dia: Quem, no PSB?

Amaral: Prefiro não personalizar a entrevista.

O Dia: Por que o senhor se colocou contra lançar candidato próprio?

Amaral: Nunca me coloquei contra ter candidato. Ao contrário, sempre fui a favor de candidatura própria.

O Dia: A de Eduardo Campos?

Amaral: Sou contra ter apenas para crescer. É irresponsabilidade histórica. Entendo que candidatura serve ao processo eleitoral, mas deve servir antes de tudo ao processo político. A candidatura mais correta em 2006 era a de Lula; a de 2010, de Dilma; e, a de 2014, para a continuidade do processo, era a da Dilma. Tanto assim que a direita estava contra.

O Dia: Errou, então, o PSB ao lançar Eduardo e depois afirmar a candidatura de Marina Silva?

Amaral: Foi uma sequência de erros, e o menor deles foi ter lançado candidatura própria — o maior, a estratégia de fazer campanha pela direita. O debate não é ter ou não candidato. O PSB, por definição, tem campo e é o da esquerda, onde nascemos, em 1947, quando os atuais dirigentes não eram vivos. Não podemos, agora, ter candidatura negando isso. Minha crítica foi a estratégia do antidilmismo via direita. Há contra o governo uma série de críticas, mas à esquerda.
Ir para a direita fez com que Eduardo empolgasse os financiadores.
E empolgou setores ponderados do partido e os levou a assimilar a direita. É trágico.
Não são eles que têm força hoje no partido?
São burocraticamente dominantes. Vejo isso com dor.Me consola é que o Jamil (Haddad, presidente de honra do PSB) e o (Miguel) Arraes (avô de Eduardo Campos e um dos fundadores do partido) não estão mais vivos para ver o que está acontecendo, porque não se identificariam com o que aí está.. Mas acredito que esta fase seja passageira.

O Dia: Ainda por mágoa do processo eleitoral?

Amaral: O processo eleitoral feriu, mas estou convencido de que a adesão de setores do PSB à direita não se fez de forma ideológica, mas por puro oportunismo, porque pensavam que Aécio ganharia. O oportunista joga pela direita e pela esquerda. E há também uma política dentro do PSB de crescimento pelo crescimento. Há pessoas que dizem que o fundamental é crescer e, só aí, discutir o partido.

O Dia: Quem?

Amaral: Vem muito de São Paulo, onde está impregnada a política do PSDB… Mas não queria citar os estados.

O Dia: Vão ficar independentes do governo Dilma?

Não existe isso. É um desrespeito à política e à lógica. Ou você apoia o governo ou não apoia o governo.

O Dia: Deveria voltar a ser governista, então?

Amaral: O PSB tinha de se definir. Ter coragem de se decidir. Aliás, o PSB não. Esta direção que quer fazer oposição, sem ser chamada de oposição e separada do DEM; ser governo, sem ser chamado de governista e se desvincular do PT.
A direção diz que era próxima a Eduardo e que dá continuidade à gestão.
Todo mundo era próximo de Eduardo Campos.
Mas claramente o PSB do Rio tem discordância sobre os rumos que o partido deveria tomar.
Quem define a linha do partido é o programa. E, pelo programa, atuamos na esquerda, que quer o avanço da emergência das massas, a manutenção das conquistas sociais e o reforço da soberania nacional. Temos de estar ao lado dos que defendem isso. E não de quem defende independência do Banco Central.
Então o partido tem ignorado o programa.
Se o partido estivesse se posicionando como estou dizendo, eu não teria renunciado à sua presidência. Renunciei, não por um ato pessoal, foi parar abrir discussão.

O Dia: E houve a discussão?

Amaral: Muito pouco. Há um texto muito antigo, que vou reescrever, que é sobre que partido queremos. Precisamos redefinir isso. Definimos que queríamos um partido para combater a social democracia. Este era o fundamento do congresso de 1986. No PSB não cabe a oligarquia Bornhausen (cujo patriarca pertenceu à UDN e ao DEM, em Santa Catarina).

O Dia: Não só coube como o PSB deu legenda.

Amaral: Alguma coisa está errada. Não sei nem o que é pior. Há algo errado quando o PSB entrega sua direção em Goiás ao herdeiro da Friboi (o empresário José Batista Júnior). Há algo errado quando entregam a direção do PSB do Paraná ao governador Beto Richa (do PSBD e recebeu, nas eleições, apoio do partido). Há algo errado quando se alia ao maior adversário de Miguel Arraes, em Pernambuco, o Jarbas Vasconcelos. Está errado! Estamos vivendo a tragédia da política, que deixou de ser a fonte do progresso e do bem-estar.

O Dia: É uma crise do PSB?

Amaral: A crise é geral da esquerda. Primeiro porque deixou de formular e, depois, por inorganicidade. Os partidos não estudam mais, não formulam mais e, como estão na máquina estatal, deixaram de lado a organização. Qual último documento sério, de análise de conjuntura, que você leu do PSB ou da esquerda sobre o Brasil, a América Latina? Não há mais. Não há como a população entender nada, pelo viés da esquerda, porque não há mais produção da esquerda.

O Dia: O senhor sabia que o avião usado por Eduardo tinha problemas legais?

Amaral: Não. Fui pego de surpresa.Eu não sabia de nada. As duas únicas pessoas que tinham alguma informação eram o Carlos Siqueira (coordenador de campanha e atual presidente do PSB) e seu assessor, que coordenava a agenda. A prestação de contas foi feita depois que eu saí. Não sei como andam as investigações.